quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Adriano Nunes: "As minas de Krikev"

"As minas de Krikev"  



Há uma fila infinda na entrada pra Krikev.
Há uma algaravia convulsiva.
Krikev voltou a ser aquela
Vila onde a vida se fazia plena e bela.
A fama de Krikev  às minas se deve.
São inúmeras minas de um suposto minério antigo.
Os jornais do mundo atestam que
As minas levam direto ao inferno
E que é de lá dos confins do Hades
Que vem o tal minério.
Não levemos esses meios midiáticos a sério!
Os mais audazes contestam essa tese.
Afirmam que as minas dão em nada,
Que é uma ilusão solidária.
E que, por causa disso, 
Chamam o produto delas de Tempo.
Na cotação do mercado, 
Seja qual mercado for,
Tempo está muito valendo.
Uns preferem chamá-lo 
De Infinito. Outros de Vazio.
Uma miríade de técnicos chama de amor.
Os cientistas ainda não 
Sabem como será o nome de fato.
Perturba-os ver que o fruto
Das minas serve para tudo
E, concomitante, para nada.
Todos querem ter a chance de ter
Um pouco de Tempo. 
Todos tentam no mercado negro
Comprar migalhas de Infinito
A qualquer preço.
Todos tentam furtar partículas de Vazio.
Todos tentam esconder o pó de Amor,
Sob as blusas, sob as calças, sob
As indetermináveis vestes da alma,
Para burlar os rigorosos guardas.
As minas de Krikev têm suas regras.
Preenche-se uma estranha ficha.
Nomes e dados de família são desnecessários.
Qualquer outro dado qualificativo
É demais desnecessário.
Seus administradores querem só 
Saber dos sonhos de cada 
Um que se aventure na busca de Tempo.
Feito o rápido cadastro,
As pessoas às minas são lançadas 
Como se fossem iscas.
À mercê dos acasos sub-reptícios
A existência de tudo fica.
As pessoas são numeradas.
Elas parecem que estão felizes
Sendo iscas. Os burocratas dizem.
Elas parecem querer a todo custo
Encontrar um Vazio. Ou grãos de Infinito.
Migalhas de Amor. Restos de tempo,
Conforme o nome que adotem.
A verdade é que as minas trouxeram 
Para Krikev um desassossego vasto.
Todos querem ser fichados
Para ter aos báratros acesso.
Até os bichos e as plantas
Fazem diariamente plantão 
Para ver se também terão 
A oportunidade de ter uma raspa
Do imponente minério.
Há pouco houve um protesto 
Das águas correntes.
Esse tesouro insólito parece
Que pode transformar qualquer coisa
Em qualquer coisa distinta.
Esperam bichos e plantas e pedras
A vez de não mais serem o que são.
As minas de Krikev atraíram mesmo 
Até os deuses! Dizem que estão na fila 
Esperando com senhas nas mãos.
Ah, que atrito na fila vinga!
Os deuses não se conformam, 
Pois em seus cadastros é exigida
Uma prova concreta de que existem 
E de que falam fluentemente 
Grego, latim, chinês e a língua das Arábias.
Uns fazem algumas trapaças,
Mas logo o fiscal chefe das minas desmascara 
O empreendimento que se pretende divino.
São vinte para as cinco da madrugada.
A fila só cresce. Cresce.
O minério de Krikev 
Para tudo serve. Para nada!
Tu, leitor astuto, surpreender-te-ias
Se te dissesse que a pepita rara
É a Poesia?




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