quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Adriano Nunes: "Prontamente"

"Prontamente"

Ocupe a mente,
Não culpe a mente.
Esculpa a vida,
Não culpe a vida.
O devir é que é urgente!
Que de si não se desprende?
Os olhos feche,
Se nada der certo.
Em silêncio espere
Algum portento vir, em breve,
Na aljava de Hermes.
Nada lamente!
Não tema as flechas de Eros.
Não tema os pomos de Éris.
Não tema a ira de Hera.
Eleve-se para ser leve,
Para que a dor cesse.
Lá na frente
A poesia prontamente
Apontar-lhe-á a saída
Mais querida.
Esqueça a parte perdida!
Que do ser não se multiplica?

Adriano Nunes: "Tudo enquanto tudo"

"Tudo enquanto tudo"

Não há mais o eco.
Só há mesmo o oco.
Tudo, quase um troço.
Tudo, quase mofo.
Nada tido a sério.

Não há mais o elo.
Só há mesmo o osso.
Tudo, quase óbvio.
Tudo, quando novo.
Nada de mistérios.
Não há mais o belo?
Só há mesmo o olho.
Tudo, quando lógico.
Tudo, quando pouco.
Nada escapa ao verso.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Adriano Nunes: "Rap de uma nota só"

"Rap de uma nota só"


Nada
Da
Nota.
Que
Nota
Da-
Nada
Que
Nada
De-
Nota.
Que
Nada!
Saia,
Saia,
Nota
Que
Valha!
Nota
De
Roda-
Pé,
Nota
À
Vida,
Nota-
Da-
Mente
Ob-
Tida - a
Nata
Do
Nada a
Inda
Se
Nota.
E
Não
É
Nada.

Adriano Nunes: "Ao menos" - Para a minha mãe

"Ao menos" - Para a minha mãe

Quando já não houver argumentos,
Que haja olhares mais densos.
Quando não mais houver nada em si sendo,
Que haja o silêncio,
Pra que possam brotar estéticas sementes
Nos campos da mente,
Para que possam florescer, de repente,
Os crisântemos do pensamento,
Ao menos.

Que haja até medo se desenvolvendo,
Quando já não houver juízo isento.
Que haja portos e portentos,
Quando só houver constrangimentos,
Para que possa surgir, a tempo, urgente,
O amor na gente,
Se preciso, utopicamente, pra sempre,
Feito o sangue do tempo
Movendo-se.

Um livro aberto,
Sóis e sons dispersos
Sobre as finas fibras de métrico mistério,
Embates com Eros,
Esfinges sem Édipos,
Erros, decerto.
Ezras, Eliots
Ecos.
Elos.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Adriano Nunes: "Yarislav Truntov e as cartas"

"Yarislav Truntov e as cartas"


Ninguém duvidaria de que
Para ser feliz Yarislav Truntov
Escreveria para si cartas.
O que mesmo importa, a saber,
É que Yarislav foi queixar-se
De que um outro ser
Está tomando-lhe o lugar
Do personagem por ele criado.
Diz que as cartas que recebe
Não são suas, não as escreve.
Por um segundo, todos da
Cidade começaram a achar
Que o Sr. Truntov louco estava.
Não era preciso mais nada.
Louco estava, e loucos todos
Estavam ficando. A prova dos nove
Veio em boa hora. Outra carta
De não sei onde acaba
De pousar na escrivaninha
Da sala de estar. Letra idêntica
Pronta para identificar Yarislav.
Mas, coitado, há dez dia já
Internado no hospício está.
Para lá, para cá, tonto caminha.
Ah, quantas cartas chegam
Sem parar! E ninguém sabe
Quem as envia, quem as faz!
No hospício um dia a mais
Não servirá à solução. Saudade
De Yarislav balbucia a vendedora
De cosméticos. Tudo se descobre
Através da ausência do Sr. Truntov.
As cartas não param de chegar!
Similares. Simuladas. Simulacros.
Todos querem de volta
O pacato Sr. Truntov.
Que importam as cartas sem que se
Saiba delas alguma coisa importante?
Que tudo ao que era antes
Logo volte, logo volte e rápido.
Não há volta. Yarislav acha-se
Decidido a fincar-se no hospício.
Reconheceu-se nos horrores
Do velho hospício. É isso.
Sorri quando lhe dão a ingerir
Quatro a seis comprimidos sortidos.
Vez ou outra pensa que é um duque,
Um rei, um juiz, um santo.
Confidencia à máquina de choques
Os desejos mais fortes
Que teve e que, sem trauma, pode
Confessar. Que é pra sempre?
Pensa, pesa, dispensa, repensa tanto.
Yarislav está qual líquen
Preso às paredes do hospício.
Não quer sair de lá.
Tem pavor de cartas e de tudo
Que elas não trazem.
Parece desconfiar das verdades
Que são ainda suas.
Ah, o mar que vem às tardes
Brincar de amarelinha!
O ruído rítmico do mar!
Yarislav não quer nada mais
Da realidade.
Só o hospício fétido e o vácuo
Das esperanças que tem.
E o mar. O limite que há
Entre a janela e o que foi jogado
Fora do pensar, esse rabisco.
Outra carta. Memória monótona.
Medos. Mágoas. Máscaras.
Notas. Normas. Nada.

Adriano Nunes: "P o E s I a" - para mamãe

"P o E s I a" - para mamãe


P o E s I a
é P o R t A
A b E r T a
p R a Q u E
L a D o D á
o U l E v A
S e Q u E r
a Q u I i M
P o R t A a
g O r A j Á
É a H o R a
f E c H a T
E e M m I m
m Á g I c A
F r E s T a

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Adriano Nunes: "De poemas, tudo"

"De poemas, tudo"


Antes já morder
O proibido fruto,
Ser assim expulso 
De algum paraíso
Incompreensível.
Ser qual Prometeu,
Pondo em desafio
Zeus e todos seus
Deuses tão submissos,
Ter bicado o fígado.
Antes o prazer
De ver esse circo
De pavores e
Sonhos opressivos
Pegar fogo, juro, e
Achar, em um livro
De poemas, tudo,
Outros labirintos,
Muitos ritmos íntimos,
Liberdade, isso
Que se chama vínculo
De vida. Repito:
Antes correr riscos,
Ser símile a Ícaro,
Poder escolher.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Adriano Nunes: "Por pouco"

"Por pouco"

É noite.
Trovões
Sons trocam
Uns com
Os outros.
Por pouco
Não ouso
Pensar
Que é
Meu peito
Queixando-se
Do amor.
Já ouço,
No fundo
De mim,
O eco
Sem fim
Do que
Só sou.
É noite,
E chove
Bem forte.
Recordo-me
Do ser
Que moldo,
Aos poucos,
Por tanto
Querer
Um norte,
Ser outro.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Adriano Nunes: "Uns instantes há"

"Uns instantes há"


Subidas, descidas...
Eu, Sísifo, e a pedra
Íntimos estamos 
Demais. Ela já
Não se importa mesmo
Que a empurre pra cima,
Sem descanso algum.
Parece que um
Só ser somos, pois
Uns instantes há
Em que até ser deve
Que trocamos de
Lugar. E a grã pedra,
Imaginem todos,
É que, pouco a pouco,
Empurra-me. E rolo
Pra baixo depois
De alcançar o topo,
Para começar
A sina de novo.

Adriano Nunes: "À risca" - para a minha mãe

"À risca" - para a minha mãe

Era para estar
Alegre
E livre.
Era pra ficar
Mais leve,
Em riste.
Era para dar
A volta
Por cima,
Vingar.
Era pra deixar
Pra lá.
Ainda
Que desse
Para consolar
O peito,
A mente,
O olhar,
Era pra deixar
Passar.
Porém,
Meu bem,
Mais nada
Não há
Além da questão
De que
Está
À disposição
Do engenho
O amar
À risca.
Era pra morder
A isca e
Sonhar.
Ó, lírica lida,
Era para já?

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Adriano Nunes: "Ao que de mim não sai jamais"

"Ao que de mim não sai jamais"


Quando Sócrates morreu,
Eu ainda não tinha entendido
O que era ter perdido o amigo.
Sempre dizem isso:
"A gente só sabe o peso da perda
 Quando ela súbita aparece!"
Mas eu sempre o tive
Perto. Desde jovem,
A ideia mais que norte,
A  ideia em riste!

A ausência... Na hora inerte,
Para que estar triste serve?
É que dos mundos da mente
Para a vida ateniense,
É impossível não pensar
A fundo, aqui,
No futuro aleijado,
No amor que se quer amor
Por todos os fraternos laços.
Quando ele se foi, escrevi

Até a noite alta!
Era para ver se encurtava
A tal distância, a da alma
Ao corpo. Ao outro.
O fato é que morri, aos poucos,
Entre dúbias violências,
Sem o meu amigo.
Dizem que quando a gente cresce
Sara a chata mágoa, a dor passa,

A ferida cicatriza, e nada
Importa mesmo. Estou velho.
Que à vez calha?
É noite. Só o ruído esquisito do ar
Brincando entre as colunas
De mármore gasto
Parece sinalizar para mim,
Para a minha inquietação sem fim,
Que dói não ter o grande Sócrates,
Ao lado,

Não o ter de qualquer modo,
Para vivíssimo abrigá-lo
No coração,
Nos báratros ignotos dos olhos.
Muitas coisas morrem
Em meu ser, qual ordem,
Como verdades e sonhos. Depois,
Engendram outras cores e
Ressurgem
Com os matizes da esperança.

A que Atenas agora se lança?
"Cuida-te, Platão!"- A meu ser digo.
Parecem até nuvens! Nuvens!
Sempre dizem que adianta
Seguir adiante, confiante.
Desafia-me o infinito.
Tensa noite... E a ideia capaz
Foi de trazer o abraço
Do maior Sábio entre os sábios
Ao que de mim não sai jamais.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Chase Twichell: "Downstairs in Dreams" (tradução de Adriano Nunes)

"Para baixo nos sonhos" (tradução de Adriano Nunes)
Tentando adormecer,
eu conto em decrescendo pegadas de pedra
pra dentro da escuridão, e lá elas são:
Centauros, metade dentro e metade fora
dos bosques, traseiros entre as árvores.
Para baixo nos sonhos eu diretamente
investigo os seus olhos de homem,
os quais são opacos, absorventes.
Eles não falam. Não falo
dos longos amarelados dentes rasgando
o pequeno vestido - só por um relance,
sem dano feito. Sem mãos, sem danos.
Os traseiros deles entre as árvores.
Sem palavras pra conter isto ou explicar.
Não podes traduzir algo
que nunca esteve em uma linguagem
em primeiro lugar.


Chase Twichell: "Downstairs in Dreams"

Downstairs in Dreams

Trying to fall asleep,
I count down stone steps
into the dark, and there they are:
Centaurs, half in and half out
of the woods, hindquarters still trees.
Downstairs in dreams I look
directly into their man-eyes,
which are opaque, absorbent.
They don’t speak. I don’t speak
of the long yellow teeth tearing off
the little dress—just for a glimpse,
no harm done. No hands, no harm.
Their hindquarters still trees.
No words to explain or contain it.
You can’t translate something
that was never in a language
in the first place.


TWICHELL, Chase. "Downstairs in Dreams". In:____.https://www.poets.org/poetsorg/poem/downstairs-dreams. Acesso em 10/02/2016.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Walt Whitman: "Shut Not Your Doors to Me Proud Libraries"

"Não fechem suas portas para mim, orgulhosas bibliotecas" (Traduzido por Adriano Nunes)

Não fechem suas portas para mim, orgulhosas bibliotecas Para o que lhes falta, ainda mais necessário, eu trago; Um livro que fiz para sua cara causa, Ó soldados, E para ti, Ó alma humana, e tu, amor de camaradas; A vida do meu livro tudo, as palavras nada. Um livro avulso, não atado ao resto, sequer sentido pelo intelecto; Mas sentirás cada palavra, Ó Liberdade! Armada Liberdade! Pelo intelecto deverão passar a nadar o mar, o ar, Com júbilo contigo, Ó humana alma!

Walt Whitman: "Shut Not Your Doors to Me Proud Libraries"

Shut not your doors to me, proud libraries, For that which was lacking among you all, yet needed most, I bring; A book I have made for your dear sake, O soldiers, And for you, O soul of man, and you, love of comrades; The words of my book nothing, the life of it everything; A book separate, not link’d with the rest, nor felt by the intellect; But you will feel every word, O Libertad! arm’d Libertad! It shall pass by the intellect to swim the sea, the air, With joy with you, O soul of man. 

WHITMAN, Walt. "Drums-Taps" (New York, 1865), p. 8 . In:____. Leaves of Grass. New York: W.E. Chapin & Co., Printers, 1867.

Adriano Nunes: "Uma palavra"

"Uma palavra"


Uma palavra,
E a vida faz-se
Puro cristal.
À tez da mágica,
A tua fala
Acalentava
Meu mundo. Nada
A escorrer da
Ferida face.
Uma palavra,
E o amor dirá 
Por que é total.
Ah, como vale 
Uma palavra
Na álea alada!
Digo-te já 
Aquela da
Noite passada.
A mesma para
Que demais saibas
Que apenas basta
O amor amar.

Adriano Nunes: "Carnaval"

"Carnaval"

No carnaval, até
O tempo na folia
Cai, com máscaras veste-se.
Dança a tarde de serpe, e
De Medusa, a manhã.
A noite e a madrugada,
Quase sempre animadas,
Saltitam de piratas.
Então, meu coração,
Por que não sais de si,
Da gaiola torácica e
Segues a multidão,
E já te fantasias?
Achas que bater basta?

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Adriano Nunes: "Feitiço pragmático"

"Feitiço pragmático"

Ponha um pouco de sol
Um pouco de ar
Um pouco de som
Um pouco de mar
Ponha um pouco do ser

Quem sabe a gente
Um tempo engendre
Para amalgamar
No que sonho for
No que teia for
Amor
Calor
Brilho
Até um adeus

No fim do feitiço
Favos do infinito
Tudo isso
Você e eu

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Adriano Nunes: "Do átimo ágil que tudo aperta" - para a minha mãe

"Do átimo ágil que tudo aperta" - para a minha mãe


De um lado a razão delimita a vida,
De outro a emoção demais a liberta.
Entre ambas a vida errada e a certa,
Uma intacta e a outra já dividida.

No peito a ilusão aloja-se esperta,
Na mente a atenção vinga destemida.
Parece não haver qualquer saída
Do átimo ágil que tudo aperta.
Assim sigo atento de mim, desperto
De tudo que me peso, consumido
Por desejos ecléticos. Decerto,
Erro por caminho desconhecido
Que me leva a estar do que sou mais perto.
Ou que me faz estranho e até perdido.

Adriano Nunes: "A alegria de haver quimera e carne."

"A alegria de haver quimera e carne."



Nem mesmo o fio até teso de Aracne
Tampouco o fio solto de Ariadne.
Sequer a teia das meias verdades
Complexa. Só a vida que mais arde,

O sol por renascer, o mar que vale
A vista e tudo por trás da saudade,
Você, timidamente rindo, a dar-me
A alegria de haver quimera e carne.

Só o frágil fio da liberdade
Intacto a flutuar - ah, que me lace
Só o fino fio do olhar! Refaz-se
O amor através de cada miragem.

Tome a minha mão, peguemos a estrada -
Tudo importa mesmo que dê em nada.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Adriano Nunes: "Inconscientes líricos" - Para Leoni Siqueira​

"Inconscientes líricos" - Para Leoni Siqueira​ 




Sempre o medo
De dar um passo
Além do passo,
Além do medo.
Depois, desenrolar
O confeito, conferindo,
Do jeito que dá,
A delícia que a vida
É, quando quer.
Assim, dado a tudo
Em redor, distraído, 

Distancio-me de mim.
Nem mesmo o avião
Que parece passar
Tão devagar,
Lá no alto,
Nem mesmo o apito
Desafinado do guarda,
No trânsito, da babel
Dos meus rabiscos,
Sem distinta tinta,
Distinguir consigo.

Sim, até insisto
Em dizer que
É com prazer
Que a vida seguindo
Vai, com fios que sirvam
Para dar acesso
A novos labirintos.
Átimos para Átilas
E Atlas,
Outros Priscos,
Outros Virgílios,

Inconscientes líricos
Incontidos.
Sempre o mesmo medo
De saber-me incluído
Nesta imensidão
Que dá nós no coração.
Pois bem: de amigo
A amigo,
De disco a disco, 
Livro a livro,
De mim vou-me redimindo

Adriano Nunes: "Pela alegria"

"Pela alegria"


Sangro de mim
E em arte verto
Meu ser sem fim.
Nada é deserto.

Depois me visto
De verve, enfim,
Nada é só isto,
E singro em mim.

Ó denso dia,
De sóis dispersos
Em vida e versos,

Que se irradia
Pela alegria
De engendrar versos!