sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Adriano Nunes: "Instante" - Para Antonio Carlos Secchin

"Instante" - Para Antonio Carlos Secchin


Sequer se sentara para
Cumprir sua senda, - nada
Seria mesmo importante
Quanto a palavra - e já dava
Para ver que alegre o lápis
Livre percorria a pálida
Tez da folha, rabiscando-a.
Sabia que, a cada instante,
A vida se amalgamava
No resplendor dos acasos.
E a si perguntava tanto,
Quando, com que ritmo o canto
Deve das sinapses dar-se
À mais leve liberdade?

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Adriano Nunes: "Pelo exausto olho" - Para a minha mãe

"Pelo exausto olho" - Para a minha mãe


Eis que a noite esvai-se veloz.
Em mim, há estes nós
De solidão.
Vejo os livros,
Deixo-os como estão.
Recolho, pelo exausto olho,
Raros rabiscos inscritos
Em quântica ilusão.
E o silêncio faz
Festa e questão
De lançar-me às
Armadilhas do meu coração.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Adriano Nunes: "Dignidade"

"Dignidade"


Posso ser igual
E ser diferente,
Proteu debruçado
Sobre o próprio ego,
Lançando à vez versos.
Posso até ser bicho
Enquanto sou gente,
Posso não ter posses
E admirar quem pode
Ter, posso ler Locke
Ou nada ler mesmo
Pra compreender
Que não sou, - não veem? -
A propriedade
Que em mim tantos leem,
O objeto de troca,
Bem material,
O que apenas por
Um instante importa.
Fora assim no início
E será in fine?
Posso ser distinto
Dos demais e símile,
Veraz quando minto
E voraz na lide
De mim contra mim,
Posso ser chinfrim,
Preto, branco, rosa,
Amarelo, agora
Tudo posso ser.
Um vencível vate,
Aquele covarde
Que, sábio, se vale
Da fuga e se evade
Da luta mais bruta,
A de não ter culpa
De ser como ser,
Para enfim cantar-me,
Pra alegre cantar-vos,
Para não ter formas,
Do recanto árido
Do Saara ao báratro
D'água do Niágara,
Resplendor que eclode
Da existência, máxime.
Como posso, podes
Também, e sei que
Todos devem ter
Plena dignidade.
E de Horácio a Kant,
Da razão, o pássaro,
A Fênix que arde,
O dito importante:
Ó, 'sapere aude'!



quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Paul Verlaine: "Marine"

"Marinha" (Tradução de Adriano Nunes)

Sonoro o oceano
Pulsa sob o olhar
Da lua enlutada
E segue a pulsar,
Enquanto um relâmpago
Sinistro e brutal
Varre o cosmo branco
Com rútilo sinal,
E um elo de lâminas,
Em convulsos saltos,
Ao longo dos bancos,
Vai, vem, brilha e clama,
E além na amplidão,
Onde o tufão vaga,
Estronda o trovão
Extraordinário.

Paul Verlaine: "Marine"

Marine
L'Océan sonore
Palpite sous l'oeil
De la lune en deuil
Et palpite encore,
Tandis qu'un éclair
Brutal et sinistre
Fend le ciel de bistre
D'un long zigzag clair,
Et que chaque lame,
En bonds convulsifs,
Le long des récifs
Va, vient, luit et clame,
Et qu'au firmament,
Où l'ouragan erre,
Rugit le tonnerre
Formidablement.


VERLAINE, Paul. "Oeuvres complètes". Paris: Librairie Léon Vanier, Éditeur, Quatrième Édition, 1908.


terça-feira, 21 de outubro de 2014

Adriano Nunes: "Solilóquio"

"Solilóquio"


Dize-me, Narciso,
Uma só palavra
Para que me ouças,
Para que eu possa
Brindar a laringe
Com os restos da
Música da fala.

Dize-me, Narciso,
Para que a mim serve
Amar-te se nem
Expressar-me bem
Consigo, e repito
Só resquícios breves
Do que às rochas bradas.

domingo, 19 de outubro de 2014

Adriano Nunes: "Verter-te num verso"

"Verter-te num verso"


Quem és que o meu peito
E o meu pensar querem
Verter-te num verso,
Que, à noite, em silêncio,
Reviras-me a ver
Se te encontro, dentro
Ou de mim além?
Com que ritmos vens?
Com que forma e metro
Sondas o meu ser,
Enquanto te aceito
Em cada soneto
Que alegre concebo?
Quem és, senão Eros?

sábado, 18 de outubro de 2014

Adriano Nunes: "Esfinge"

"Esfinge"


Encher de mim as metáforas
Para tentar desvendar-me.
Senão elas, quem me sabe
Demais, a fundo, à socapa?
Leve ilusão, à manhã,
Faz-me pensar que há arte
Em tudo que engendra o olhar.

Encher de mim as metades
Revoltas de mim que são
Um outro e a contemplação
De haver outros que se fazem
Enigmas por casca e carne.
E vêm de báratros tantos
Buscas de mim, ecos quânticos.

Vazar-me para palavras
Preencher do que em meu âmago
Abriga-se, a grã vontade
De a Esfinge não ser, livrar-me
Do espelho, arrancar amarras,
Poder dar aquele salto
Sem medo, e, em versos, cantar-me.



quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Adriano Nunes: "Le nécessaire"

"Le nécessaire"


Pour les nerds
Et les fous,
La merde de tout.
Ó mon coeur brisé,
Pardonnez-moi!
Pourquoi
Je n'ai jamais enseigné
Le nécessaire
Pour vous,
Jour après jour?

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Adriano Nunes: "Acaso"

"Acaso"



Enquanto paro para
Abastecer o carro,
Percebo que, por baixo,
O óleo está vazando.
Está tudo a vazar:

Vida que se amalgama
Às quimeras da cama
Ainda, às esperanças
Infindas. Tantas dádivas
No suspense do acaso!

E consegue o mecânico
Descobrir onde escapam
Sóis de sangue da máquina.
Pela áurea manhã,
A rotina se alastra.

Mas eis que, além do asfalto,
Salvo por um olhar
Sou, por um flerte rápido
Que esquecer bem me faz
Que estou mesmo atrasado.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Adriano Nunes: "Aedo"

"Aedo"


Doar-me para uns e
Para outros, e valer-me,
Pouco a pouco, do fulgor
De um portento: o pensamento!
Proclamar claro o que vem
De dentro, para propor
A todos alegre alento.
Dizer, alto, o que é bem.
Ser o mesmo e ser um outro.

Adriano Nunes: "Mas só há a emoção"

"Mas só há a emoção"


Acordo. A manhã não
Difere das demais.
Procuro por um cais
Dentro do coração,

Mas só há a emoção
De abraçar tudo o mais
Das quimeras totais.
Que pretender, então,
Com a anunciação
Do porvir, sem jamais
Esquecer os meus ais,
Grãos pra alguma canção?

sábado, 11 de outubro de 2014

Adriano Nunes: "De átimos íntimos"

"De átimos íntimos"


Quando me trouxeram
Para a capital,
Tive um misto de
Alegria e medo.
Como bem relembro-me
Do vasto quintal
Com uma mangueira e um
Pé de fruta-pão -
Lar inaugural!
A praia tão perto
E tão poluída!
Os colegas e
Os Mestres a rirem
Do forte sotaque
Que eu feliz tinha.
As ilusões minhas,
O início poético!
A solidão máxime
A levar-me aos livros,
Ao que eu queria
Ter sempre comigo.
Saudade de vó,
Do amor puro e pleno.
Saudade de não
Ter que ao coração
Entregar feridas,
Fel, farpa ou venenos,
Tal qual um troféu.
E tudo se despe
Agora. Um ruir
De átimos íntimos
Que por mim procuram.
Que dádiva era
Ganhar uma caixa
De papelão para
Guardar minhas roupas!
Que portento era
Não conhecer nada
Do que fora mesmo
O mundo! Um cinema
Aberto pra os seus
Enquanto, distante,
Eu sangrava em ser
Só eu: um poema
Para o que restava.


sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Adriano Nunes: "Narciso"

"Narciso"



Sim,
       Sou
            Símio
                   Símile.
                            Sério,
                                   Só.

Dístico
       Das
           Dúvidas
                      Dos
                          Deuses,
                                    Díspar.

Víscera e
              Vínculo,
Vício e
           Vácuo,
Vívida
         Voz.

Lábio a
            Lábio,
Largo-me e ao
                       Lago
                              Lanço-me
Leve,

Elo
    A
      Elo,
Átimo
        E
          Água.




Adriano Nunes: "Dor" - para Carmen Silvia Presotto

"Dor" - para Carmen Silvia Presotto


Desde a pele
Aos núcleos talâmicos,
Do finíssimo fio
De cabelo à ponta do hálux dedo,
Ela, soberana das horas
Menos esperadas,
Medeia a esquartejar os seus,
Paira sobre mim agora.
Não há travesseiro ou lençol
Que a mandem embora.
Não há analgésico potente
Que a faça desaparecer pela tangente.
Não há nada que se faça.
Nem prece, nem pranto, nem praga.
A dor não passa.
Lembranças de anseios antigos.
Momentos difíceis que trago comigo.
Quem sabe, fazendo estes versos,
Não se processe uma cordotomia
Do tracto espinotalâmico lateral.
Quem sabe? Quem saberá
Dizer como ter direito a um voo
No dorso de Pégaso,
Ter, enfim, uma alegria?

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Adriano Nunes: "Sóis do coração" - para a minha mãe

"Sóis do coração" - para a minha mãe


Eu tentei, mas não
Sei como não pôr
A alegria e a dor,
Sóis do coração,
Em toda canção.

É com amplidão
Que toda canção
É feita. Compor!
E não só propor
Um sentido vão
Às coisas que são.
Melhor dar cor
Ao cosmo do amor,
Ir aonde for,
Seguindo a emoção.

Adriano Nunes: "Talvez a solidão que me tem"

"Talvez a solidão que me tem"


Enquanto em Filosofia imerso,
Escuto, do meu quarto,
Um miado.
Miado agudo de gato aninhado
Em algum canto além do quarto.
Gato que sequer
Os olhos abertos deve ter.
Gato pequeno.
E vem o sentido de que
Não possuo gatos, ainda
Que os tome por belos e enigmáticos.
Será que alguma gata, do nada,
Resolvera parir, aqui,
Entre as velhas almofadas?
Será que alguém - quem? -
Jogara o bichano, achando
Que um coração tamanho tenho?
E o miado intenso é
Substituído por longo silêncio.
Que a mim importam todas as filosofias
Se, neste momento,
Pode o gatinho, sozinho,
Estar sofrendo?
Procuro, procuro, procuro -
Tudo se faz escuro - e nada,
Nada acho.
Talvez a solidão que me tem
Assombrado. Um dado.
Ou matéria para
O que possa vir
A ser um poema sobre gatos.
Gato pequeno
Aninhado em meu pensamento.

domingo, 5 de outubro de 2014

Adriano Nunes: "Ninguém! Respondera Polifemo ferido."

"Ninguém! Respondera Polifemo ferido."


Perdi um amor.
Se era ou não amor, isso
Agora é fator mínimo. 
Vou sempre tentar lembrar-me
De um dito antigo
Que mexe demais comigo
E faz tremer a carne,
Dando um Everest no umbigo,
E faz pôr os pontos nos is,
Como se dissesse: 'assim bem quis!'
Quanta coisa para arrumar na casa!
Quanta asa para dar à alma!
Quanto livro ainda para ser lido!
Tanto tempo para passar e
Curar a angústia de
Estar só, pequeno, sem mais
Correr o risco de perder um amor.
Impedi que se desabrigasse de mim
Uma miríade de gritos.
Não cortei os pulsos.
Não tomei cicuta.
Não fiz cenas de ciúme estúpidas.
Não deixei barato.
Lancei as lembranças, claro,
No báratro profundo
Do que aprendi com o mundo:
Para amor que fere muito,
Que insiste em impregnar o íntimo
Com seus vestígios,
Com o perigo das múltiplas desculpas,
Nada melhor do que o olvido.
Ninguém! Respondo cego, ferido.



sábado, 4 de outubro de 2014

Adriano Nunes: "Na voz que sou e persigo"

"Na voz que sou e persigo"


De tanto lutar comigo,
Sem saber se eu serei
Vencedor ou só vencido,
Sem mim e ferido sigo,
Lançado a ardilosas leis
De que sou meu inimigo.
Mas, além do que sou, eis
Que me ponho em mor perigo:
Tenho-me desconhecido,
Outro que não desvendei
Em mim, Narciso perdido
Na voz que sou e persigo.
E porque de mim não sei
Nada, afogo-me no olvido.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Adriano Nunes: "Casca e cerne"

"Casca e cerne"


Eros! Eros!
Para que
Tanta pressa?
Por que tens
No olhar esse
Triste aspecto?
Que mal fez
O meu peito
A ti? Vê,
Mesmo atento,
Em mim tenho
Muita fresta
Viva, aberta,
Dessas flechas
Que carregas.
Para que
Mágoa e medo?
Por que negas
Sobre a testa
A evidência
De que resta
Um momento
Pra o prazer?
Então, vem,
Fere a pele,
Carne e cérebro,
Casca e cerne,
Quem me penso,
Quem me peso.
Vê, é leve,
Sempre leve,
O desejo
De amor ser.
Eros! Eros!


Adriano Nunes: "Do sol do raro engenho"

"Do sol do raro engenho"


Ó manhã de portentos!
Outra rubra rosa arrebenta-se adentro.
Não será a ululante alegria de
Poder fazer um verso,
De o fulgor vingar ver
Do sol do raro engenho,
Estar de Eros perto,
E furtar-lhe todas flechas
Na hora certa, sem
Temer o que poderá acontecer,
Amalgamar-se pra sempre no silêncio
De silício da palavra transcender?
Manhã de sonhos densos!
Colher a rosa do ser e dá-la a alguém.