domingo, 30 de setembro de 2012

Adriano Nunes: "Carpe diem"

"Carpe diem



Guilhotina, espingarda,
Foice, estricnina, adaga,
Elétrica descarga,
Gás, forca, bomba agá,

Palavra por palavra,
Até que o verso valha,


O tempo irei matar!

Adriano Nunes: "Ictus cordis" - Para Paulo Sabino

"Ictus cordis" - Para Paulo Sabino


Quando Homero morreu,
Algo em mim se desfez
Antes mesmo de eu ter nascido.
Depois o sumiço de Horácio e Virgílio, o fim
De Dante, Pushkin, Chekhov,Turgenev, Cervantes e...
Nada mais seria como antes.
Shakespeare, grande mistério,
Vieira, Camões, Pessoa, os Rosas, Haroldo, os Ramos, 

Sem os conhecer... Por que tanto os amo? Amo-os!
Baudelaire, Borges, Brodsky, Bandeira,
Akhmatova, Tsvetaeva...
Quanta perda!
Jorge de Lima, João Cabral, Jorge Amado, José
Paulo Paes, Pasternak, Piva, Pound,
Mandelstam, Mallarmé,
Drummond, Dostoiévski, Eliot...
Waly, Wilde, Whitman
Yeats...
Rilke.
Leminski.
Repito o que eu disse:
Algo em mim não seria o que é.

sábado, 29 de setembro de 2012

Adriano Nunes: "Não disseram que o amor é cego?"

"Não disseram que o amor é cego?"

Qual meteoro pronto para
Fundir-se à habitável esfera,
À procura de ti dispara
O coração, muito acelera:
Cem, cento e sessenta, duzentos...
Como contá-los e contê-los,
Não sei. Arranquei meus cabelos!
Ai, são tantos os batimentos!
Não é fácil, mas não me entrego.
Que passe o tempo e o porvir vingue.
Não disseram que o amor é cego?
Fugir da batalha, do ringue?
Feito reflexo pronto para
Chocar-se ao espelho - quem dera! -
Em busca de ser, cara a cara,
Quem sou me acerta: és quimera!

Adriano Nunes

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Adriano Nunes: "Pesam as quimeras, claro" - Para Lêdo Ivo

"Pesam as quimeras, claro" - Para Lêdo Ivo 


Os dias passando rápido,
O sentir a mil por hora...
Pesam as quimeras, claro,
Porque o enigma me devora.
Feliz, sigo o itinerário
Do amor: o universo em volta.
Talvez, meus olhos, cansados
De clichês, finquem-se, agora,
Em outro olhar, sem demora.
Ai, tudo está mesmo dado
Ao inesperado, de sobra.
Os dias passando rápido...
Pensar já? Para que lógica
Ante um sorriso, um abraço?


Adriano Nunes

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Adriano Nunes: "Vernáculo" - Para Manuel Bandeira

"Vernáculo" - Para Manuel Bandeira


Falta uma palavra.
Ela não se adapta
À página
Virada.
Falta uma palavra.
Ela não se enquadra
Nas máximas
Da casa.

Falta uma palavra.
Ela não se dá
Por fácil,
Pensada.
Falta uma palavra.
Ela não se encaixa
Na Faixa
De Gaza.
Falta uma palavra.
Ela não se agrada
De grades,
De nada.
Falta uma palavra?
Rapte-a d'alma, cante-a,
Refaça-a,
Qual mágica.
Falta uma palavra...
Ai, e tudo encalha
Na fala.
Que ingrata!

Adriano Nunes: "As tais horas dedicadas" - para José Mariano Filho

"As tais horas dedicadas" - para José Mariano Filho


Não precisei contar as
Tais horas, eram tão raras,
Tão minhas, dadas à vida
Disso em que me verti, da
Mágica, claro, da mágica
De haver múltiplos em mim,
Num êxtase: a Poesia.

Tais horas eram tão raras!

Adriano Nunes: "ai, as musas, as musas!" - para Péricles Cavalcanti

"ai, as musas, as musas!" - para Péricles Cavalcanti


estamos distantes,
um do outro,
para os íntimos,
amigos, poetas
do cotidiano, gente 
que amo, tantos,
eu e a poesia, mas
não brigamos,

abrigamo-nos,
eu, numa busca ininterrupta
pela palavra-pérola,
ela,
nas vísceras das musas.
ai, as musas, as musas!

estamos distantes,
sim, um pouco,
antípodas,
minto,
bárbaro bruto e
cocote grega, enquanto
o mundo é bem mais
e mais nos tentamos,
eu, por infinda angústia,
ela, por letra, lira e ritmo
ante o infinito,
peremptória,
precisa, além
do além e da vida.

Adriano Nunes: "Oração" - Para José Paulo Paes

"Oração" - Para José Paulo Paes 


desapareça tristeza
desapareça tristez
desapareça triste
desapareça trist
desapareça tris
desapareça tri
desapareça tr
desapareça t
desapareça

pare de ser
conc
-reta
em min-
ha cabeça

Adriano Nunes: "O que se esvai" - Para meus irmãos

"O que se esvai" - Para meus irmãos



O que se deixa perder,
Perde-se,
Pó de ouro
Sobre a ardente areia
Da praia,
Lente de contato
Que se esvai 
No mergulho profundo,

Amor sem amarras
Em busca
De mundos,
A estrela cadente,
Por trás dos arbustos,
Segundos atrás.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Adriano Nunes: "Esperança" - para a minha mãe

"Esperança" - para a minha mãe



Vestígios da alvorada
Devoraram o galo,
O ruído esperado,


A vasta algaravia
Do que até restaria,
O sonolento sol.

Somente o turvo véu
Do porvir, por rasgar-se,
Arde, mas


Para quê?

Adriano Nunes: "Mais-valia" - Para a minha mãe

"Mais-valia" - Para a minha mãe



Muita calma, 

Nessa hora, 
Toda a calma.

Essa vida em 
Volta, a vida
Tudo envolve

E devora.

Alguns vêm 

Com sorrisos
De sol, outros 
Seguirão, 
À socapa,
Em silêncio,
Dada a hora.


Eis o som

Do existir,
Longe, aqui,
A ecoar,
Além, lá 
Fora: a vida
Que se prova.

Sem esp'ranças,
Uns vêm com 

Os olhares
De sal, outros 
Vão, sem mágica,
- Quem os sabe? -
Dão-se ao agora,

Na ilusão

Muito imergem,
Sem um trauma,
Cantam mundos,
Cantam medos,
Cantam mágoas,
Dão-se à obra.

Alguns poucos

Vêm com beijos 
De céu, outros 
Partem feito
Uma máquina 

Sem conserto,
- Quem os nota? -



Muita calma,
Nessa hora,
Toda a calma.

Hiperquântica
Roda-viva,
A vida não 
É tão nova.




Adriano Nunes: "A Poesia" - Para Carlito Azevedo

‎"A Poesia" - Para Carlito Azevedo


seta sem forma,
a poesia,
perpassa,
atravessa
a sala,
o quarto,
o inabitável,
revira as gavetas
do armário,
voraz, 
veloz,
perfura o in-
visível
e acerta o

íntimo:
dardo sem fins,
a poesia,
ultrapassa
a conversa e
o cerne do silêncio,
perfura a frágil folha
da existência,
às cegas,
salta
do imprevisto, 
sobre as sobras
do infinito
e crava-se em

algum sentido:
lança sem freio,
a poesia,
traspassa,
dispersa-se,
sem código de barras
ou marca d'água,
afunda-se
no istmo do que se saiba,
faca afiada, pronta
pra tudo 
ou nada,
finca-se 
em si.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Adriano Nunes: "Sumo"

"Sumo" 



Lua
cheia.
Sete e
meia,
rua
quase
vácuo.
Passos,

Passos
Passos...

Quem
vem
perna,
braço,
riso
solto ao
longe,
mais
que
sol?

Abro o
olho,
fixo o
flerte.
Penso o

verso.
Sinto o.
Quero o, e
tudo o
mais

é

sombra
sonho
soma
de
âmagos
que
me en
volvem

frag
men
tos
de
um
i
men
so
a
mor

Adriano Nunes: "um eu qualquer" - Para Antonio Cicero

‎"um eu qualquer" - Para Antonio Cicero 


dentro da gente
há muitos, tantos,
que o pensamento
pode sequer
bem calcular.

o que se sente,
quem sente? canto-os
e assim me invento,
um eu qualquer,
sem rumo ou lar.

dentro da gente
há vários... quantos?
neste momento,
um outro quer
se revelar.

domingo, 23 de setembro de 2012

Adriano Nunes: "Balanço" - Para Adriana Calcanhotto

"Balanço" - Para Adriana Calcanhotto 



Afinal de contas, consta na entrelinha
Da linguagem, alguma coisa só minha,
Alguma quimera mágica, perdida,
Entre as páginas reviradas da vida?

Enfim, que conta mesmo no fim da linha,
Da picada, além dessa regra mesquinha
A pôr outro ponto, a dar um basta à lida
Que a nada mais se liga, por ser medida?

No fim das contas, a soma não continha
A exata textura da existência, e a minha
Voz desfez-se com os tantos ecos, tímida,
Com nós, atada à chance de ser ouvida.

Adriano Nunes: "o amor" - Para Marlos Barros

"o amor" - Para Marlos Barros 


poucoapoucoalmaecorpo
poucoapoucoalmaecorp
poucoapoucoalmaecor
poucoapoucoalmaeco
poucoapoucoalmaec
poucoapoucoalmae
poucoapoucoalma
poucoapoucoalm

poucoapoucoal
poucoapoucoa
poucoapouco
poucoapouc
poucoapou
poucoapo
poucoap
poucoa
pouco
pouc
pou
po

Adriano Nunes: "Tão pouco importa agora" - Para Marcelo Diniz

"Tão pouco importa agora" - Para Marcelo Diniz 


Tão pouco importa agora
Se o tempo passa ou para,
Se a vida é áurea e rara,
Tão pouco importa, embora,

Daqui, do caos, dar, à
Minh'alma, densa aurora,
Livra-me do que outrora

Era só tédio e tara.

Nada calha? Lá fora,
Entre a memória e a cara
À mostra, outra pletora

Toda palavra cora,
Sonda, encarcera e encara:
Tão pouco importa agora!

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Adriano Nunes: "Solidão" - para Antonio Cicero

"Solidão" - para Antonio Cicero



Na solidão da minha casa,
Cada coisa está acompanhada.
Garfo e faca,
Sala e sofá,

Terno e traça, 
Rádio e rack,
Medo e máscaras. 

Para lá, 
Para cá,
Só eu ando 
Procurando
Os fragmentos da minha alma
Perante as pétalas das dálias
Do grande jardim que não há,

Para ir ter comigo, para
Ter-me como o meu próprio par.
Na solidão da minha fala,
Vê, é quase
Tudo ou nada!
A palavra 

Velada, a palavra que vale,

A palavra
Relida, a palavra lacrada,
Palavra que parece dar
Outra palavra, um canto, mas,
Súbita, sagaz, à socapa,
Essa
 palavra que se traça
Logo escapa.




Adriano Nunes: "espelho"

"espelho"


pensava ser eu
pra sondar-me tático
pra soltar-me todo
pra sonhar-me tanto
pra entregar-me a tudo
pra enxergar-me o tal

mesmo meio tonto

mesmo meio tenso
mesmo meio tímido
mesmo muito terso
mesmo muito tátil
para só ser eu.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Adriano Nunes: "artimanha"

"artimanha"


bem mais solto
bem mais leve
bem mais grácil
bem mais dado 
bem mais louco
bem mais dócil
bem mais pronto
bem mais perto
bem mais livre
bem mais lúcido
bem mais forte
bem mais tático
bem mais belo
bem mais tátil
bem mais sério
bem mais cego
bem mais prático
bem mais ágil
bem mais plácido
bem mais apto
bem mais mágico
bem mais novo
bem mais outro
bem mais claro
bem mais fácil
bem mais digno
bem mais vivo
bem mais cético
bem mais íntimo
bem mais óbvio
bem mais seu.

Adriano Nunes: "Sináptico encontro"

"Sináptico encontro" 


O neurônio aferente,
sensível,
quase um tricô.

Abrupto,
quase um robô,

o neurônio motor.

No cinza medular,
o encontro, o sexo,
o arco reflexo.

Adriano Nunes: "Depois da solidão, tudo"

"Depois da solidão, tudo"



Depois da solidão, tudo
Poderá acontecer, vai
Que de mim alguém bem goste,
Que essa espera se esfacele,
Que enfim eu diga: não mais
Engano-me nem me iludo,
Chega de ser tolo inseto
Perante o clarão do poste,

Trôpego, bêbado, tonto,
Cego do miolo à pele, 
E até que, solto, me aprumo,
Estando de mim repleto,
Pleno, prolífero, pronto, e
Arquiteto um novo rumo.

Depois da solidão, tudo
Poderá acontecer, ai,
Vai que todo o ser se dobre,
Que o meu coração se mostre,
Que eu diga assim: jamais
Vou voltar a dar-me, mudo,
Às tantas quimeras, quieto,
Ante a comoção, e apele
Para a razão, bruto, a ponto
De muito revirar sumo,
Sangue, sonhos, o trajeto, 
O corpo, o clima, o confronto, e, 
Sozinho, (Não me acostumo?)
Todo alegre me revele.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Adriano Nunes: "para tanto" - Para Caio Fernando Abreu

"para tanto" - Para Caio Fernando Abreu 


as sobras do que me penso
assombram-me,
somam-se às sombras
do que me sinto e
soltam-se de si,
dessa miríade de cores de um só sonho,
do sumo sulfúrico
do que me componho,

em silêncio,
em sintético silêncio,
às cegas.

certa vez,
abriguei em meu âmago
um tempo distante,
um lugar ausente,
algo sem nome, talvez,
com outro nome,
todos os nomes.
que era?
a palavra por dizer,
aquela falta,
aquela angústia

a rasgar o tórax,
a expandir as jugulares,
a pôr lágrimas na face,
a afastar-me da tez da felicidade,
mesmo tarde,
mesmo nas tardes
de sol e de risos e de encontros
íntimos. alma e corpo
desfeitos, feitos
um para o outro,
quase dor.