quinta-feira, 30 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Ultrassináptica"

"Ultrassináptica"


Aqui o eu
É mesmo voo

Vasta avenida
De mil saídas

Que vai ao outro
Do que só sou

A passarela
Que a tempos leva

O elevador
Que sobe a Júpiter

Que tudo ilude
Que desce ao Hades

Do que mais arde
Pelas vontades

De em mim fluir
De ser-me enfim

Becos e pistas
O que se trilha

Entre o som e
O ritmo e a rima

O que se deu
Enquanto amor

Meu eu, não diga
Que se encerrou

Em si pra sempre
Que nada mais sente

Mas que sim fora
Um bate-boca

Estranha intriga
De algum neurônio

Motor da via
Ultrassináptica

Dessa alegria
Que à vez exponho

Por causa da
Palavra alada

Que em versos meus
Nunca pousou.



Adriano Nunes: "Inocentemente"

"Inocentemente"


Minha irmã, atenta
À tevê, bem vê,
Com vasto prazer,
Tantas guloseimas.
Quer todas pra ela
E pede pra tela,
Como se atendida
Fosse, na medida,
Pela propaganda.
Mas nada adianta.
A cena termina
No comercial.
Mal sabe a menina
Do lado de lá
Que do lado de
Cá outra menina
Há, menina linda,
Que abalar não se
Deixa, tem seu norte,
Mesmo que seja forte
O estorvo mental.
Rindo sem igual
Olhando pra gente,
Inocentemente,
Para todos diz:
"Não deu nada a mim!"
Uma grande pena
Minha irmã não ter
Como até entender
Que fiz um poema
Pra que viva feliz
Pensando somente
Nas tais guloseimas.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Ao primo sinal"

"Ao primo sinal"


E foi, mesmo assim,
Ao primo sinal,
Que eu percebi
Que apenas em mim
Era o amor total.

Entre sóis, crisântemos
E o quanto nos demos
Um ao outro, pouco,
Talvez, resta: o corpo
E as marcas do jogo

Dos acasos óbvios,
Os loucos negócios
Do desejo, os erros
Que agora percebo,
Na ilusão de um beijo

Que se desprendeu
Do qu' era só meu:
Todo o pensamento
Que o olvido esqueceu
De apagar adentro.

Adriano Nunes: "Ficção do silêncio"

"Ficção do silêncio"


Ele e ela e o que
Houve entre eles.
E o que há e houver. 
As dores sem hora,
As farpas sem farsas,
A engasgada fala
Que nunca diz nada.
O beijo abraçado,
O Abraço beijado.
A centelha acesa
Do ciúme, o que
Vinga. Ninguém sabe.
A ferida arde.
A carne do alarde
Arde. Tudo arde.
Talvez as sinapses
Sem controle, sob
Controle de Eros.
Um engano sério,
E tudo foi pelos
Ares. A chantagem
Barata. A desculpa
Já mesmo sem graça.
A cor do cabelo?
Um outro defeito?
Vinte para as dez.
Cada um bem se ajeita
No canto da cama.
O silêncio emana
Do que irá depois
Ser estranho norte..
O sono é que chega
E apaga a centelha
Da raiva. São dois
Amantes? Os de
Antes? Toda luz
Cessa. O amor traduz
O tempo tão gasto,
A tímida chama.
Tática específica
Para a perda. Acaso?
Porém, por debaixo
Dos lençóis, dos nós
Das máscaras, alto
O sol da paixão
Aquece. E, lá fora,
A noite devora
O momento breve
Que ilumina a vida.


Adriano Nunes: "Cecil, o rei do Zimbábue"

"Cecil, o rei do Zimbábue"


Um leão reina absolutamente
Sobre as suas leoas e os seus
Leõezinhos - não há pedra em seus
Caminhos, se nestes não há gente.

A alcateia até vinga contente,
Mesmo numa reserva, mas seus
Descendentes - e somente os seus! -
Do leão-rei vivem dependentes.
Indiferente a tudo, valida
A regra o que é sorte ou despedida.
A sina leonina tem um lado:
Da cria alheia outro tira a vida,
Se por algum dardo envenenado
O rei do grupo é exterminado.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Adriano Nunes: "A Paz"

"A Paz"


Não só
A paz
Estética, 
Não só
A paz
Agora
Que tudo
Conserva,
Não só
A paz
Depois
Da guerra,
Não só
A paz
Interna,
Aquela
Que aplaca
Qualquer
Desejo,
Não mesmo
A paz
Apenas
Das horas
De trégua,
Não só
A paz
Primeira,
Imposta,
Após
A bomba
Atômica,
Das grãs
Fronteiras
Do horror
A paz
Mimética,
A paz
Forjada
À força
Dos átomos
De urânio,
A paz
Já pronta,
Dos átimos
Das áleas,
A paz,
Sob máscaras,
Sob regras
Jamais
A paz
Letal
Das câmaras
De gás,
Dos campos
Do Reich,
Do mal
Banal,
A paz
Ferida,
Sem ética,
Não mais
A paz
Que sai
Por cordas
Vocais
Políticas,
A paz
Das farsas,
Da lábia
E das
Espertas
Promessas,
A paz
Falida,
A mesma
Paz das
Mentiras
Vestidas
De paz,
A paz
Inócua,
A paz
Retórica,
Já velha,
Não mais
A paz
Sem paz,
Patética!
Queremos
Sem tempo
A paz
Total,
A paz
Perpétua,
A paz
Sem rédeas.


segunda-feira, 27 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Ars poetica"

"Ars poetica"


Podetudoopoderquepodetudo
Podetudoopoderquepodetudp
Podetudoopoderquepodetupo
Podetudoopoderquepodetpod
Podetudoopoderquepodepode
Podetudoopoderquepodpodes
Podetudoopoderquepopodese
Podetudoopoderqueppodeser
Podetudoopoderquepodeserq
Podetudoopoderqupodeserqu
Podetudoopoderqpodeserque
Podetudoopoderpodeserques
Podetudoopodepodeserquese
Podetudoopodpodeserquesej
Podetudoopopodeserqueseja
Podetudooppodeserquesejau
Podetudoopodeserquesejaum
Podetudopodeserquesejaump
Podetudpodeserquesejaumpo
Podetupodeserquesejaumpoe
Podetpodeserquesejaumpoem
Podepodeserquesejaumpoema
Podpodeserquesejaumpoeman
Popodeserquesejaumpoemano
Ppodeserquesejaumpoemanov
Podeserquesejaumpoemanovo




Stephen Crane: "LXV [Once, I knew a fine song" (Tradução de Adriano Nunes)

"Uma vez, sabia bela canção" (Tradução de Adriano Nunes)


Uma vez, sabia bela canção
- É sim verdade, acreditem em mim, -
Ela era totalmente de pássaros,
E eu os abriguei numa gaiola;
Quando então eu abri a portinhola,
Ó céus! Eles todos foram embora.
Chorei, "Voltem, pequenos pensamentos!"
Mas eles riram somente.
E voaram
Até que tal qual areia
Foram lançados entre mim e o céu.


Stephen Crane: "LXV [Once, I knew a fine song"


Once, I knew a fine song,
—It is true, believe me,—
It was all of birds,
And I held them in a basket;
When I opened the wicket,
Heavens! They all flew away.
I cried, “Come back, little thoughts!”
But they only laughed.
They flew on
Until they were as sand
Thrown between me and the sky.



*Publicado em The Academy of American Poets, em 25/07/2015. This poem is in the public domain. Stephen Crane 1871- 1900

Adriano Nunes: "Liberdade" - para a minha mãe

"Liberdade" - para a minha mãe


Outra manhã chuvosa...
Parece que Favônio
Para brincar já pronto 
Está, batendo à porta
Da minha casa, agora.
Como de portas gosta!
Como de fugir pelas
Grãs frestas das janelas
É tudo que lhe importa!
Não para, vem, vai, volta,
Gira, não fica tonto.
Folhas e lápis logo
Lançam-se ao vácuo do
Seu movimento rápido,
E, ao chão, arremessados
São, sem qualquer propósito.
Sorrio, porque entendo
Ser isso a liberdade,
O que dela se sabe.
E deixo escapar de
Meu ser meus pensamentos.
Vê! São eles, lá fora,
Brincando com o vento,
Nesta manhã chuvosa!

Adriano Nunes: "Agora"

"Agora"


Sonha com o harém
Que virá além.
Quer o paraíso
Acima dos riscos.
Todos, ímpios, podem
Ser seus inimigos,
Só não esse norte.
Acordou disposto
Às quatro e dezoito.
Às cinco, pra Meca
Volta-se e assim reza.
Não tem tanta pressa.
Não tem mais o medo
De dar-se a si mesmo.
O metrô lotado,
Gente a todo lado.
Segue, passo a passo,
O que lhe foi dito,
Sem um embaraço.
Pressente até perto
Ao céu seu ingresso.
Distraído esbarra
Numa mulher árabe.
Diz: 'Alah bem sabe!'
Escuta-se a rádio
Local. Tudo calmo.
Dá-se à própria sorte
E, súbito, explode.


NUNES, Adriano. "Agora". In:____. Revista Brasileira Fase VIII - Abril - Maio - Junho. Ano IV. N° 83. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2015, p. 255.

sábado, 25 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Porque o infinito visita-me agora"

"Porque o infinito visita-me agora"


Pudesse à folha dar o que me sinto,
Violar o alvo espaço, propondo
A exatidão do que sou, todo o estrondo 
Em mim, o que me atesta, o labirinto
De enigmas e enganos tantos, ao sonho
Ingênuo de entregar-me, carne e instinto,
Em palavras, a voz que à vez consinto,
Intacto, certo de que me componho.
Que sorte poder ver o sol que brota
Em cada signo, dado à rima e ritmos,
Em um poema, atento, alegre e vivo,
Como sempre quis ser, quanto possível!
E o que não pode haver não me apavora...
Porque o infinito visita-me agora.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Todo desejo"

"Todo desejo"


Todo desejo -
Como evitá-lo,
Como contê-lo?
Por trás dos talos
Dos grãs bambus,
O corpo nu
De Atena afaga
Da fonte a água.

Tolos amantes!
Sequer o medo
Para Tirésias
De contemplar
Tanta beleza.
Assim deseja
Por desejar.
É tudo ou nada.

E, junto às Ninfas,
Na água límpida,
Mesmo com raiva,
Já protegida,
Palas Atena,
Uma palavra
Não diz. Apenas
Tirésias cega.

Adriano Nunes: "Nos poços de vós"

"Nos poços de vós"


Aqui tudo é dor.
Os olhos são dor.
As duas mãos dor são. 
Mesmo o coração,
Que forte dizia
Ser, sente que não
Tem outra razão.
É dor. Como tudo.
O sorriso súbito.
Toda a algaravia
Que vingara um dia.
Os pés esgotados.
Até os sapatos!
O que se forjou
E o que fora em vão.
Os laboratórios
De astúcias e ódios.
Os negros negócios
Da alma. A palavra
Dor o instante abarca.
E sequer há mais
Que dor. Eis o mundo
Exposto, desnudo.
Pra sempre, pra todos.
De que em vós gostais?
Do alheio? Do outro?
Em vós tudo é dor.
Porque desististes
Da realidade,
Da carne que arde
Nos poços de vós,
A adaga persiste
Em vos perfurar.
A libido triste.
A lamúria em riste.
O marmóreo mar
Do que mal se disse
Do amor. As desculpas
Vãs, esfarrapadas.
Paródias, pancadas,
Outra vez. A culpa
De querer compor
Vossa vida, à custa
Somente de máscaras.
Mas, sabeis, dor passa!


quinta-feira, 23 de julho de 2015

Edgar Allan Poe: "To Helen" (Tradução de Adriano Nunes)

"A Helena" (Tradução de Adriano Nunes)


Helena, tua graça faz-me atentar
Para os barcos de Niceia, de outrora,
Que suaves, sobre fragrante mar,
O exausto e esgotado errante na rota
Puseram da própria nativa orla.

Em mares aflitivos a vagar,
Teu jacinto cabelo, a face etérea,
Teu ar de Náiade deram-me ao lar
Para a glória que fora mesmo a Grécia,
E à magnificência que Roma fora.

Ó, nesta janela-nicho vistosa
Tal qual estátua contemplo-te ereta,
A luz de ágata nas mãos apertas!
Ah, Psiquê, dos recantos 
Que são Sítios Santos! 


Edgar Allan Poe: "To Helen"


To Helen 


Helen, thy beauty is to me
   Like those Nicéan barks of yore,
That gently, o'er a perfumed sea,
   The weary, way-worn wanderer bore
   To his own native shore.

On desperate seas long wont to roam,
   Thy hyacinth hair, thy classic face,
Thy Naiad airs have brought me home
   To the glory that was Greece,      
   And the grandeur that was Rome.

Lo! in yon brilliant window-niche
   How statue-like I see thee stand,
The agate lamp within thy hand!
   Ah, Psyche, from the regions which
   Are Holy-Land! 

POE, Edgar Allan. "To Helen".In:____. The Oxford Book of English Verse 1250-1900. Chosen &  Edited by Arthur Quiller-Couch. London: Oxford At the Clarendon Press 1912, p. 809.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Lord Byron: "For Music" (Tradução de Adriano Nunes)

"Para Música" (Tradução de Adriano Nunes)


Não há qualquer das filhas da Beleza
Com equivalente magia a ti;
E tal qual música nas correntezas
É tua voz suave para mim:
Quando, como se o som fosse causando
A encantadora pausa do oceano,
As ondas quebram calmas, brilham tanto,
E os ventos embalados já sonhando:
Da meia-noite a lua está fiando
Sobre o fundo enferrujada corrente;
Cujo peito palpita ternamente,
Tal qual uma criança quiescente:
E o espírito inclina-se ante ti,
Para ouvir e adorar somente a ti,
Com total mas delicada emoção,
Qual ondas de oceano de Verão.




Lord Byron: "For Music"


For Music


There be none of Beauty's daughters
With a magic like thee;
And like music on the waters
Is thy sweet voice to me:
When, as if its sound were causing
The charmed ocean's pausing.
The waves lie still and gleaming,
And the lull'd winds seem dreaming:
And the midnight moon is weaving
Her blight chain o'er the deep;
Whose breast is gently heaving,
As an infant's asleep:
So the spirit bows before thee,
To listen and adore thee;
With a full but soft emotion,
Like the swell of Summer's ocean.




BYRON, George Gordon. "For Music".In:____. The Oxford Book of English Verse 1250-1900. Chosen & Edited by Arthur Quiller-Couch. London: Oxford At the Clarendon Press 1912, p. 689-690.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Ôrthios nomos"

"Ôrthios nomos"


Aqui, de pé na popa, Apolo, poupa-me
Da artimanha desses nefastos homens,
Ouve o meu canto de dor e de assombro,
O mar revolto amansa, porque pronto
Para o salto estou. E como fui tolo
Contratando, sem saber, esses lobos
Famintos pelo ouro, o lucro todo
Que tive ditirambos a tal povo
Ensinando! Poupa-me, Deus dos Corvos,
Do líquido destino, sob meus olhos,
Leva-me de volta a Corinto, outro
Canto permite-me dar-te, em louvor,
Pra que saibam de Aríon, o cantor,
Que da morte foi salvo por Apolo!

Adriano Nunes: "A vez do amor"

"A vez do amor" 


A flor de mim
Diz-te que sim.
Dirá, dirá,
Se fores lá

Onde o que sou
Por ti soou
Outrora, e agora
Por sóis implora.

A vez do amor 
Tão promissor, 
Cantei por ti,
Quando parti.

Virás? Virás? 
E a canto mais
Em mim! Que sim
Dizes-me, enfim!

Chegas, amor,
Para o que sou,
Na melhor hora.
E tudo doura!

Adriano Nunes: "Apesar disso"

"Apesar disso"


E neste sítio
Tão normativo
E restritivo,
Imperativo,
Impositivo,
Proibitivo
E prescritivo,
Tão punitivo,
Onde só reinam
Sistemas rígidos
De leis, princípios
Dúbios e mitos
Do livre arbítrio,


O amor, vos digo,
Apesar disso,
Indestrutível
Segue, sorrindo.


sexta-feira, 17 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Ouve! Ouve!"

"Ouve! Ouve!"


Estás triste?
Sim, estou!
E as estrelas 
Desta noite
Não te afagam,
Não te acalmam
Corpo e alma?
Não as vi.
Não as sinto
Mais em mim.
E os faróis
Dos veículos?
Sequer isso!
O que aguardas?
O que almejas?
Por que guardas-te
Tanto? Um canto?
Um soneto?
O que mesmo?
Que se espera
Da tristeza
É o que espero.
O mistério
De só ser?
Já nem sei
Se ser posso
O que sou!
Mas quem és?
Dizem que
Sou o amor
Que um amante
Desprezou.
Quem amaste?
Doce Erato!
Que a ti faço
Pra alegrar-te?
Bem melhora
Minha arte,
Pra que ela
Volte, antes
Da alvorada,
Pra que a lira
Mais harmônica
Meu ser ouça!
Vê agora!
Ouve! Ouve!
Porque sobre
O infinito
Do que sentes
É, sim, ela,
Tua amada,
Que por ti,
Leve agita
Cordas áureas!

Adriano Nunes: "Pra desafiar quem me peso e sinto"

"Pra desafiar quem me peso e sinto"


Quantas vezes afastei-me de mim
Para sentir-me mais e mais e fundo!
Quantas vezes abri portas, janelas
Para que as ilusões ao meu coração
Chegassem e ficassem para sempre!
De repente, a ti preso já estou,
A imenso amar distinto, amor por signos.
Ó, poesia, tens-me assim por quê?
Que buscas em meu ser, por que vasculhas
Minh'alma qual tufão, sóis devastando,
Revelando-me inteiro, ponto a ponto,
Como se me quisesses confessar
Que só posso viver se for compondo-te,
Pra desafiar quem me peso e sinto?

Adriano Nunes: "Que baste"

"Que baste"


A dor
De dente
Tão deles
A fome
Fantástica
Só deles
O frio
Que fere
A febre
Que ferve
A alma
A fúria
Das horas
Já neles
A sede
A sopa
De pedras
A pele
Sem roupa
Que preste
A peste
Levanta-te
Do teu
Sofá
O tempo
Não há
Que baste
A cólica
Constante
A câimbra
A cárie
A falta
De lar
A falta
De laços
O cancro
O quântico
Compasso
Do báratro
O fato
Exposto
O esgoto
A lama
A merda
A margem
A noite
O medo
A morte
Dispersa-te
Nas ruas
Vê vidas
Que não
São tuas
Desperta-te!
Pois ver
O outro
Não cega
As celas
Do ser
As selvas
Do âmago
O escândalo
Do ego
Sai dessa
Inércia
Bem cômoda
Tal conta
Tal culpa
Não vês
Também
São tuas
Que custa
O pouco
A ação
O amor
Ao próximo
A todos
O dar-te?

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Antes do ser"

"Antes do ser"



Portanto, quando a minha formosura
Causava-te incontrolável loucura,
Insaciável eras, áurea Aurora,
Amavas-me sem fim. És fria agora!

 A cada branco pelo, a cada ruga
Na face que em mim vês, como me julgas
Envelhecido e feio! Mas, outrora,
Era o desejo ardente, a tua glória, 

 Pois, decerto, o mais belo homem tinhas,
Até chegaste a Zeus pedir a minha
Imortalidade, cega, deveras,
Por beleza que em mim não mais se atesta!

 Hoje, ainda te ouço, de amor tonto,
Chamando-me: Titono! Meu Titono!
Esqueceste-me! E a grácil juventude
Já não há. Como os amantes se iludem!

 Neste quarto lacrado, a Zeus imploro
Que me acalme o peito, seque meus olhos,
Liberte-me de mim, quebre as amarras,
E transforme-me em cantante cigarra.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Por um fio"

"Por um fio"


Apresento-vos a minha solidão.
Sem métrica certa. Para que serve a métrica
Numa hora dessas?
Sem ritmo preciso. Para que ritmo
Se só é possível andar em círculos?
Sem forma fixa. Para que forma
Se as ilusões me devoram?
Eis a solidão na qual o meu ser se finca.
Ela não tem nada
De especial. Não é a tal.
Faz o que quer de mim
Quando quer, entre as pedras
E o líquen dessa muralha-lar.
Ela, às vezes, toma-me
Por completo. Aí, ouço, ao longe,
O murmurar do mar,
O esvoaçar ao vento das velas...
Sois vós a chegar?
E quando imagino que cessa,
Ela me aparece sorridente,
Diz que a minha falta sente,
Que sente falta das horas
Em que me entristeço,
Em que em meus caminhos me perco,
Em que me deixo ir com o fluir,
Sem nem saber de mim,
Em que o sonho me ignora.
Apresento-vos esta
Que me abraça agora
Como se quisesse mesmo
Contar-vos algum segredo.
Dela sei bem. Juntos
Fazemos parte de cada corredor ignoto,
De cada percurso, de cada trilha,
De cada pista envelhecida.
Mas quem sois vós?
Por que não me enviais um arauto,
Um oráculo? Por que não me responde
A vossa inteligência
Se sou bicho ou homem?
Uma palavra,
Qualquer signo?
Quem sois vós que me deixais
Na expectativa de mais e mais?
Apresentai-vos, se for o caso.
Sois um outro perdido?
Um inimigo?
Sois o que sou?
Sois o bálsamo que aguardo
Enquanto do abandono salto
Pra esquecer que só sou um protótipo,
Em Cnossos, a gosto vosso?
Não sois ninguém?
Sou eu. E grito: sou eu
A doer porque me peso e sinto,
A estar preso ao íntimo labirinto,
A esperar desesperado por Teseu.
Eu, o Touro de Minos.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Um poema já"

"Um poema já"


Uns gostam de estar
Suspensos no ar.
Outros de nadar
Nas ondas do mar.
Uns preferem já
No solo pisar
E aí se fincar.
Uns de amor amar
Pra sempre, durar.
Outros de passar
O tempo, gozar
O instante de estar.
Uns não têm lugar,
Vivem a vagar.
Outros sequer há.
Quão certo é falar
Que o verso engendrar
Tudo pode, a par
Do próprio pensar!
E até dispensar
Tudo que só há,
Pra reinventar
Solo, mar e ar,
Momento e lugar,
Amantes e amar,
Pra ser - e será! -
Um poema já.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Os mapas" - Para a minha amada avó Raimunda

"Os mapas" - Para a minha amada avó Raimunda



Nasci numa cidade do sertão 
alagoano. Um oásis ante o calor 
e a seca. Mas não passei ali tempo 
suficiente a ponto de adotá-la 
como a cidade do meu coração. 
Pão de Açúcar poderia ter sido 
Tão doce mesmo para a minha vida. 
Entretanto, fora nesse lugar 
de incontáveis lembranças que me pus
a entrar no mundo do conhecimento. 
Na infância minha, os mapas do mundo
 eram os meus livros mais adorados.
 Geograficamente, pertenço a eles. 
Por isso não me sinto pertencer 
a lugar nenhum.  Sabia de cor 
todos os países e suas capitais. 
E só tinha cinco anos! Amava 
esses lugares presos ao papel 
como se neles até habitasse. 
A minha avó sempre comprava mapas 
para mim. E, nas feiras, às segundas, 
os vendedores de mapas e livros 
batiam à nossa porta. Fui náufrago 
no mar Mediterrâneo várias vezes. 
Como a Groenlândia era gigante! 
Como me sentia alegre a saber 
que a capital da União Soviética 
era Moscou! A Alemanha já era 
dividida - e não sabia o porquê. 
Estranho é lembrar-me de que eu não
 gostava de ir à escola. E aprontava 
todas para faltar às primas aulas.  
Pelas antenas da tevê subia 
para alcançar o telhado da casa. 
Ficava quieto, bem escondido, 
até que a hora de ir para o Bráulio 
passasse. O que mais me agradava era
 aprender com os mapas. Eles eram 
minha nau e, certamente, levaram-me 
a ser o que agora me penso e sinto.
Vate a vagar pelos desvãos do íntimo.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Milimetricamente"

"Milimetricamente"



Enquanto brigam egos,
Pra saber quem é mais
Milimetricamente
Poeta, teço esta

Segunda quadra, mas
Devo até ser prudente,
Sem me fingir de cego,
Pra admitir: nenhum presta

Bem à arte. Não nego
Que me dói ouvir gente
Proclamar que jamais
Teceria um soneto,

Que é coisa do passado
Mesmo. Também me afeta
Aquele que diz ser
O verso o que houver de

Ser, bastando, pra isso,
Misturar as palavras,
Num arranjo sem mínimo
Sentido. A esses lembro

O que Coleridge disse:
Poesia requer
As melhores palavras
Na melhor ordem, claro,

Não qualquer embaraço
De signos, por acaso.
Tudo bem, versos vêm
De dentro, mas também

O pensamento que os
Molda, que lhes dá brilho,
Beleza, desde Horácio
Até o bardo Carlos.

O poema, enfim, findo,
Rindo dessas tolices.
Porém, percebam bem:
Rima e ritmo são riscos!


segunda-feira, 6 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Quando em mim te componho"

"Quando em mim te componho" 



As palavras magníficas,
Pra ti, amor maior,
As melhores, pra quando
Vieres a ser canto
Ou memória que fica.
Que sirvam pra dizer
Aos outros do prazer
Que é poder te escrever,
Que iluminem quem amo
Enquanto te declamam.
Não sejam mero sonho,
Mas sejam este espanto
Quando em mim te componho,
Porque são nossas vidas.

César Vallejo: "Intensidad y altura" (Tradução de Adriano Nunes)

"Intensidade e altura" (Tradução de Adriano Nunes)



Quero escrever, porém só sai espuma,
quero dizer muitíssimo e me atolo;
não há cifra falada que não seja soma,
não há pirâmide escrita, sem broto.

Quero escrever, porém me sinto puma;
quero laurear-me, mas me encebolo.
Não há tosse dita, sem ir à bruma,
Sem porvir não há deus nem seu abrolho. 

Vamo-nos, pois, por isso, a comer erva,
carne de choro, fruta de gemido,
noss' alma melancólica em conserva.

Vamo-nos! Vamo-nos! Estou ferido;
Vamo-nos a beber o já bebido,
vamo-nos, corvo, a fecundar-te a fêmea.



César Vallejo: "Intensidad y altura"


Intensidad y altura


Quiero escribir, pero me sale espuma,
quiero decir muchísimo y me atollo;
no hay cifra hablada que no sea suma,
no hay pirámide escrita, sin cogollo.

Quiero escribir, pero me siento puma;
quiero laurearme, pero me encebollo.
No hay toz hablada, que no llegue a bruma,
no hay dios ni hijo de dios, sin desarrollo.

Vámonos, pues, por eso, a comer yerba,
carne de llanto, fruta de gemido,
nuestra alma melancólica en conserva.

Vámonos! Vámonos! Estoy herido;
Vámonos a beber lo ya bebido,
vámonos, cuervo, a fecundar tu cuerva.




VALLEJO, César. "Poemas humanos". In: _____. Obra Poética Completa. Lima: Francisco Moncloa Editores, 1968, p. 347.

Adriano Nunes: "Tirésias" - Para Alberto Lins Caldas

"Tirésias" - Para Alberto Lins Caldas



I

Certamente já sou mulher agora.
Seria duma deusa aquela cobra
Perversa que esmaguei em Citorão,
E, por isso, meus órgãos até são
Distintos, a pele, o tórax, as mãos,
O desejo potente, o claro espírito,
O catamênio vivo a escorrer do íntimo,
A malícia, a intuição que se redobra?
Co' os quais convivo em Tebas que lhes digo?
Terei que fingir ser outra pessoa,
De longe, que chega aflita, de abrigo
À procura, escondendo jeitos, gestos,
Enquanto o destino duro revoa,
Assombrando o meu ser com seus mistérios?

II

Dizem que fui por homens recolhida,
Levada à Tebas, sangrando por poros
Da alma e do corpo. Junto a mim, viva,
Imensa víbora a vigiar outra,
Já morta, com a cabeça esmagada.
Perguntam-me, neste instante, que faço
Agasalhada em roupas de Tirésias.
Acusam-me. Tonta, assusto-me com
As vozes atadas ao estranho tom
Que impregna a algaravia. Que embaraço
De ser quem sequer mais me penso e sinto!
Preciso voltar a casa. Que casa?
Erguem-me. Em silêncio, apenas observo
De volta à Tebas o amado trajeto.

domingo, 5 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Da astúcia dos gregos"

"Da astúcia dos gregos"


De cavalo a calote,
A Grécia tudo pode,
Não se enganem, pois quem
O Ocidente fundou,
Funda a si, não se afunda
Numa crise profunda
Que ela sequer criou,
Mas tem culpa também.
Perdoemos os gregos
Falidos e seus erros.
Terra que inventou mitos
Tantos não deve, afirmo,
Correr riscos de ir
Para o fundo do poço e
De lá não mais sair.
Pra a pátria que Homero
A todos deu, quão pouco
Dinheiro ser devia!
Há séculos - eu ouso
Dizer - nenhum Homero
Vê-se por estes dias.

Adriano Nunes: "Elegia"

"Elegia"


Vem da noite
Leve canto.
Não há nada
Ante o átimo
Da palavra.
Só o espanto
De o Amor ser
Que me afaga.
Deve ser
Mesmo Eros
Que chegando
Vem, afoito,
Vem voando,
Vem cantando,
Com esmero,
Os mistérios
Do amar, certo
De que amando
A ti tanto
Estou. Vem
Pra flechar-me,
Alma e corpo,
Pra cegar-me.
Dele corro?

quinta-feira, 2 de julho de 2015

William Wordsworth: "The Rainbow" (Tradução de Adriano Nunes)

"O arco-íris" (Tradução de Adriano Nunes)


Meu coração saltou quando eu vi
Um arco-íris ao longe:
Então foi quando a vida teve aurora.
Então sou homem agora;
Que seja quando velho for o ser,
Ou deixe-me fenecer.
A Criança é pai do Homem;
E que fossem atados os meus dias
A ambos por piedade almejar poderia.


William Wordsworth: "The Rainbow"


The Rainbow

MY heart leaps up when I behold
A rainbow in the sky:
So was it when ray life began;
So is it now I am a man;
So be it when I shall grow old,
Or let me die!
The Child is father of the Man;
And I could wish my days to be 
Bound each to each by natural piety.



WORDSWORTH, William. "The Rainbow".In:____. The Oxford Book of English Verse 1250-1900. Chosen & Edited by Arthur Quiller-Couch. London: Oxford At the Clarendon Press 1912, p. 607- 608.

Adriano Nunes: "Do vácuo da alegria"

"Do vácuo da alegria"


Sem saber se pegava
Um ônibus ou um trem
Ou um disco-voador,
Abri o sol da casa.
Na rua, há ninguém.
Só nós da poesia
Do silêncio, a que iria
Levar-me a ti, amor,
Nesta vã madrugada.
Eis que a ilusão te rapta
De mim: versos me vêm
Constatar que voou
A almejada palavra
Pra além do ser-além
Do vácuo da alegria.
Nada me atormentaria
Tanto se em ti, amor,
Fosse mesmo a chegada.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Co'as asas do acaso"

"Co'as asas do acaso"


O hoje que pode
Só ser a memória
No futuro, que pode
Ser mesmo a memória
Do passado agora,
Que o agora ser pode
Sobre o que à vez sobra
Bastante me assombra.
Vê: a hora voa
Co' as asas do acaso.
Quanto me transtorna,
Tem-me já mudado?
Com olhos em volta, o
Carpe diem de Horácio.