segunda-feira, 6 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Tirésias" - Para Alberto Lins Caldas

"Tirésias" - Para Alberto Lins Caldas



I

Certamente já sou mulher agora.
Seria duma deusa aquela cobra
Perversa que esmaguei em Citorão,
E, por isso, meus órgãos até são
Distintos, a pele, o tórax, as mãos,
O desejo potente, o claro espírito,
O catamênio vivo a escorrer do íntimo,
A malícia, a intuição que se redobra?
Co' os quais convivo em Tebas que lhes digo?
Terei que fingir ser outra pessoa,
De longe, que chega aflita, de abrigo
À procura, escondendo jeitos, gestos,
Enquanto o destino duro revoa,
Assombrando o meu ser com seus mistérios?

II

Dizem que fui por homens recolhida,
Levada à Tebas, sangrando por poros
Da alma e do corpo. Junto a mim, viva,
Imensa víbora a vigiar outra,
Já morta, com a cabeça esmagada.
Perguntam-me, neste instante, que faço
Agasalhada em roupas de Tirésias.
Acusam-me. Tonta, assusto-me com
As vozes atadas ao estranho tom
Que impregna a algaravia. Que embaraço
De ser quem sequer mais me penso e sinto!
Preciso voltar a casa. Que casa?
Erguem-me. Em silêncio, apenas observo
De volta à Tebas o amado trajeto.

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