segunda-feira, 31 de maio de 2010

Adriano Nunes: "Claro Enigma" - Para Carlos Drummond de Andrade

"Claro Enigma" - Para Carlos Drummond de Andrade


Ó, Esfinge, silêncio!
Quer despertar o verso
Do seu sono de pedra,
Do seu coma profundo?

O verso não precisa
De pálpebras abertas,
De pupilas atentas,
De estado de vigília.

Deixe o verso fugir
De algum feixe sináptico,
Sem pressa. Deixe-o vir
À tona, feito enigma.

Claro, à luz da razão,
Sem receio dos ecos
Das imagens... De si,
E só, precisa o verso.


domingo, 30 de maio de 2010

Adriano Nunes: "Sobressalto"

"Sobressalto" 


É tarde! Tarde, tarde!
Grita aflito o relógio
Na parede do quarto.
É tarde! T
arde, tarde!

São quase quatro horas
Da madrugada. E nada.
Outro desejo 
encalha 
No travesseiro. E agora?

A minh' alma a hibernar
De amarras se liberta.
O infinito lá fora
Forja-se no silêncio


Que aterroriza e arde.
Em mim a mesma vida
Dá outra volta e volta
A ser a grande espera.


Estou muito cansado....
É tarde! T
arde, tarde!
Flecha-me o cego Ego
.
Penso em parar... Avanço,

Paro. Avanço. Não mais
Paro. Assim sigo e sangro:
Que instante raro, álacre!
Vibro. Vingo. Devolvo-me


Ao que em mim se renova.
Tudo é pólvora. E carne.
Que susto! Quem me sabe?

Como caber no espectro

Doutra finalidade e
Ir além, mais além...

De medos e mistérios?
É tarde! Tarde, tarde!

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Adriano Nunes: "Aniversário"

"Aniversário"

Eu quero 

De volta a
Fatia
Da infância

Tirada 

De mim,
O sol
Daquele 


Instante
Tão mágico, 
O sonho
Da véspera,


De ver 

Os velhos
Brinquedos 

Trocados,

E tendo
Que em mim

Soprar
As velas

Com números
E cor,
Furar
Bexigas,


Cantar 

O 'Para-
Béns pra 
Você'

E nunca 

Saber
Porquê
Crescer


Um dia.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Adriano Nunes: "Retrato-falado" - Para a minha mãe

"Retrato-falado" - Para a minha mãe


Tantos palhaços no centro da praça,

Outrora. Eu era criança... Lembro-me 
De que um grande circo ali se instalara, 

Entre as batidas do meu coração.

Era a alegria imensa. Era festa 
De primos e parentes e amiguinhos 

Da minha rua. Era uma alegria e

Eu não sabia o que significava 
Ter Alegrias. Ela nunca passa.

Ela finge que passa, passa. Pássaro 

Pra longe voa. Por que pedra não 
Canta? Que canto? Por que pedra não 

Grita? Ela jamais responde nada.

Ela não me maltrata. Ela diz
Que quer mais. Ela sequer me arquiteta

De vez. A mesma vida vista. A vida.

A lida moldada em casa, pelos olhos 
De minha mãe, por comedida graça.

Era portento preso ao coração.

A língua solta da empregada, aquela 
Repleta de quimeras, de namoros 

À porta. A vida era a porta, era 

A janela, o sorriso dos rapazes,
Piscadela e flertes. Era o que era...

Cinderela, sempre à espera, mais real.

Banguela, sorrir ela não sabia, 
E sorríamos por ela. Sorríamos 

Tentando vê-la sorrir. Pressa tínhamos.

(Temo que em mim perceba que a tristeza 
A impedir-me de ver com a leveza

Dela, a vida, sem dentes, sem sorriso,

Sem sua língua solta) Ela tinha 
Planos e muitos retratos mofados

Guardados na gaveta do criado-
Mudo. (Que mundos havia em seu quarto?)
Ela sabia dizer 'I love you'.

Por enquanto, ela insiste em dizer
Que está cansada da velha batalha 
Diária de panela e prato e pia.

Ela está cansada de tudo. Ela 

Deu-se ao infinito, ao deus-dará, levando a
Vida no verso da vida do lar.

Ela é gigantesca. Ler Pessoa, 
Camões, Padre Vieira. Vez ou outra
Arrisca-se e recita Homero e Horácio.

Ela vinga em mim. Nada é mesmo fácil.
Tantos palhaços no centro da praça...
Agora se desdobra o tudo ou nada.




quarta-feira, 26 de maio de 2010

Adriano Nunes:" Regra cotidiana" - Para Betina Moraes

"Regra cotidiana" - Para Betina Moraes


Esquecer quem sou, claro.
Desligar-me de tudo.
Sobre o criado-mudo
Pôr o sonho, amar o

Instante raro, obter
Dessa lida, um poema:
Felicidade extrema,
Importante prazer.

Depois, andar à-toa,
Sem pressa, por aí,
Degustar açaí
E ser outra pessoa.




Adriano Nunes.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Adriano Nunes: "Estratégia"

"Estratégia"



Mas era 

Pra ti
O trem
O trilho o in- 
Finito a
Viagem

Bagagens
Bagunça o
Rondó
O disco 
Roído
Do Chico o

Retrato 
Antigo
Da gente

Naquele 
Domingo
O vento

O troco
A hora 
Incerta
O adeus
O beijo
O amor

O outono o
Liame 

Secreto o
Buquê
De rosas 

Vermelhas

O doce
De ameixa
O sol
Já quase 

Sumindo a
Matéria 

O risco
O livro
De Cor

a Cor
Ali
Na a vez

Da vida
Num verso

O tédio
Não era 

Pra ter-te
Apenas

Tecido
Só isso.
O que um 

Poema
Esconde em
Seu  íntimo?






segunda-feira, 24 de maio de 2010

Adriano Nunes: "Por isso é importante compor" - Para Caetano Veloso

"Por isso importante é compor" - Para Caetano Veloso

Atravesso o tempo sem ter-
Minar aquele antigo ver-
So: era tecer a lida, ver-
Tê-la do sonho e tudo ter.

Que mais querer eu poderia
Além de sóis, do ver, da qui-
Mera mágica viva, aqui,
Dentro de ululante alegria?

Deve haver um sumo-sentido
Guardado no coração, por-
Que um batimento é permitido

Quando o anterior cessa. Por
Isso, um poema ainda é lido,
Por isso  importante é compor.





sexta-feira, 21 de maio de 2010

Adriano Nunes: "Sem tempo"

"Sem tempo"

O tempo... O tempo
Passa, perpassa.
A tempo, o tempo
Tudo ultrapassa.

Às vezes, para longe vai.

E, quando acha 

De repousar
Sobre o pensar,

Faz-se borracha...

E apaga-se. Não durará,


Parece. E falta.
E fere a vida,
E faz a vida,
E a vez exalta.




quinta-feira, 20 de maio de 2010

Adriano Nunes: "Depois de horas" - Para Nydia Bonetti e Lou Vilela

"Depois de horas" - Para Nydia Bonetti e Lou Vilela

Agora me atravesso...
Ponte para o horizonte,
Ponte para estar longe,
Ponte pra mais além.

Lá fora me desperto
Para o tempo - que tédio!
Para a lida - que medo!
Para o verso - que amor!,

E um silêncio revolto
Captura-me... O meu ego
A temer o papel-
Alvo, o que sempre vem.




sexta-feira, 14 de maio de 2010

Adriano Nunes: "De porcelana, a vida" - Para José Mariano Filho

"De porcelana, a vida" - Para José Mariano Filho


Pálida, a pele dela.
De porcelana, a vida
Da boneca sem vida
Vinga inerte, bela.

Sua veste, de renda,
Reveste a arquitetura
Pétrea, plácida, dura,
Estática, estupenda.

A pequena menina,
Artefato da China,
Possui alma mecânica.

Assim ela se cobre
De luz, de metal nobre,
De alegria galvânica.




terça-feira, 11 de maio de 2010

Adriano Nunes: "O cérebro"

"O cérebro"


Desço dos assombros sinápticos
Desiludido e deserdado.
Preciso dar-me ao inalcançável,
O meu tédio remediar


Com alguma vasta vontade,
Com alguma pirraça prática,
Escrever um verso e lançar-me
Aos liames do coração,


Debruçar-me sobre as calçadas

Da memória, enquanto a voz sangra,
Entregar-me ao descanso, ao salto
Dos sentidos, ser mais um náufrago

E fundo afundar-me nas montanhas,
No cerne do corpo, e cantar,
Impregnando sóis e os arquétipos,
Por bastar o flerte, a impressão


Da sustentação vertebral,
A medula, a máquina, as tantas

Medusas e Medeias mordazes,
A ideia, sim, a ideia, e mais nada.





sábado, 8 de maio de 2010

Adriano Nunes: "Silêncio. Meu coração vibra" - Para a minha amada mãe

"Silêncio. Meu coração vibra" - Para a minha amada mãe



É manhã. Nunca saberia
Dizer-te plenamente tudo
Com palavras. Assim me iludo,
Tentando-te dar a alegria

Através destes versos e sonho
O momento raro da vida,
Ficção ali... N'água fervida,
O café, sem açúcar, ponho. 

Sirvo-te e conversamos em
Silêncio. O meu coração vibra
Ao ver-te, Senhora de fibra,
De garra, de rugas também.

É manhã. Teu dia de festa,
Dia de ser filha, avó, pai,
De largar pratos, prantos... Ai!
É, mamãe, tudo amar nos resta.




sexta-feira, 7 de maio de 2010

Adriano Nunes: "Vida-verso" - Para Nydia Bonetti.

"Vida-verso" - Para Nydia Bonetti


Resta o verso.
A lida é
Nada, é tudo.
A lida é
Todo o resto.
Não me iludo.

Resta, o ver-
So. A vida é
Tudo, é nada.
A vida é
O reverso.
Que cilada!



quinta-feira, 6 de maio de 2010

Adriano Nunes: "De versos e vez"

"De versos e vez"

Meu coração dis-
Para: a lida fez
De versos e vez.
Silêncios, não quis.


terça-feira, 4 de maio de 2010

Adriano Nunes: "Matéria-prima" - Para José Mariano Filho

"Matéria-prima" - Para José Mariano Filho


Procurar o
Momento raro,

Proclamar a
Vida, não para

Dá-la assim a
Datas. Acima

De tudo, vê-la
Brilhar, estrela,

Matéria-prima,
Melhor poema.