segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Adriano Nunes: "Sobre o poema"

"Sobre o poema"


Nenhum pedaço
De ti ficou.
Nem a migalha
Que sempre dava
O ar da graça.
Nem mesmo a sobra
Aqui se nota.
Nenhum resíduo,
Nenhum vestígio
Pra pôr à prova.
Nenhum farelo
Do amor, decerto.
Nada se esquema.
Mas a palavra
Desejo paira
Sobre o poema.

Adriano Nunes: "O que me basta"

"O que me basta"


Para alguns, tantos,
O ouro todo,
As gemas raras,
Contas em bancos
Abarrotadas
De verdes notas,
O que parece
Que não é breve,
Que nunca acaba,
Os louros, glórias,
Os paraísos,
E não só isso,
Todo o possível
Poder, os títulos,
Fechados círculos.
Para mim, digo-lhes,
Basta-me um ritmo
Preciso, um verso
Em mim disperso,
Aquela rima
Bem construída,
Como a que se
Segue e me aquece.

Adriano Nunes: "Quantum satis"

"Quantum satis"



T u D o P o R t U d O
n E s S e E s C u R o
N a D a P r O c U r O
e M e D e S c U b R o
E c O o C o B r U t O
t U d O p O r T u D o

domingo, 30 de agosto de 2015

Marianne Moore: "A Jelly-Fish" (Tradução de Adriano Nunes)

"Uma água-viva" (Tradução de Adriano Nunes)



Visível, Invisível,
Um flutuante charme,
Uma âmbar ametista
Habita-a; teu braço
Apropínqua-se, e
Ela se alarga e 
Retrai-se;
Tens tencionado
Capturá-la,
E ela escapa;
Deixas de lado
Teu intento -
Ela se alarga e
Retrai-se e tu
Alcanças-a -
O azul
Em seu redor
Nebuloso cresce, e
Ela pra longe flutua
Da mão tua.


Marianne Moore: "A Jelly-Fish"


A Jelly-Fish

Visible, invisible,
A fluctuating charm,
An amber-colored amethyst
Inhabits it; your arm
Approaches, and
It opens and
It closes;
You have meant
To catch it,
And it shrivels;
You abandon
Your intent—
It opens, and it
Closes and you
Reach for it—
The blue
Surrounding it
Grows cloudy, and
It floats away
From you.

MOORE, Marianne. Complete poems. New York: Penguin Classics, 1994  p. 180.

sábado, 29 de agosto de 2015

Adriano Nunes: "De cada palavra"

"De cada palavra"


Sertaneja Esparta
Apresento a todos.
"Bata pra matar!
Pra tirar o sangue!"
Era assim o canto
Das brigas, o estímulo
Entregue aos meninos
Da infância perdida,

Instintivo instante.
Sim, os mais crescidos
Colocavam os
Mais novos no círculo
Para tudo ou nada,
Por motivos tolos.
Eu, de tudo solto,
Só queria os mapas,
As pedrinhas, talas
De coqueiro, chimbras,
As tardes infindas
Ante o Velho Chico,
E, com alegria,
Acompanhar o
Meu irmão e primos
Numa pescaria.
O meu corpo frágil
Denunciaria
Que eu não seria
Bom pra aquelas rixas.
Pouco adiantava!
E estava eu lá
Entre socos e
Pontapés, ouvindo
O hino terrível
Da torpe torcida:
"Vai apanhar é?
Bata pra matar,
Pra sangrar até!"
Sem entender se
Eu tinha vencido
Ou tinha perdido,
Saía chorando.
Pra mim foi difícil
Ter que aceitar, claro,
O vínculo mórbido
De que era isso
Desenvolvimento.
Agora me prendo
Às palavras ditas,
À memória aflita
Das insanas brigas
Que travei além
Das brigas não tidas.
E, ali, percebi,
Tenso, tolo, tímido,
Quão importa a vida.
Eu era um menino
Que mapas amava
E os suaves sons
De cada palavra,
Ritmos do inaudito.

Adriano Nunes: "Lua alheia"

"Lua alheia"


Lua alheia
Fez-se teia.
Por que não
És só minha?
Lua alada
Fez-se arte.
Por que não
Escarlate?
Mesmo o nada a
Incendeia.
Por que em vão
Mais caminhas?
Lua alheia
Faz-se cheia.

Adriano Nunes: "Vez ao versos"

"Vez ao versos"


Eu não irei usar
A palavra cansado,
Pois ela deve estar
Cansada de até ser
Bastante utilizada.
Nem na folha irei pôr
A tal palavra amor
Que deve estar mudada
Por tudo que passou.
Portanto qual palavra
Empregar, para dar
Vez aos versos, se só
Vem às sinapses o pó
Dos signos demais gastos?

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Adriano Nunes: "A Poesia"

"A Poesia"


Para Erato voltar diga.
Peça para ouvir a
Harmônica lira
Outra vez. Outra vez,

Abra as portas,
Abra as janelas.
Escolha-a.
Espere-a.

Espreite-a.
Escute-a.
Espelhe-se nela.
Entre no labirinto 

De cada ignoto signo.
É a hora! É a hora!
Ela nunca demora.
Abra esses olhos.

Abra esses poros.
Orelhas ponha em alerta.
Ela sempre tem pressa.
Ela é sempre esperta.

Esqueça as ideias.
Esquente as palavras
Para o tudo-ou-nada.
Utilidades ela dispensa.

Acolha-a.
Abrigue-a
Na folha anêmica.
Deleite-se.

Bem aproveite.
Versos escreva.
Pode ser que ela lhe
Diga que perigo é esse.

César Vallejo: "Babel" (Tradução de Adriano Nunes)

"Babel" (Tradução de Adriano Nunes)


Doce lar sem estilo, fabricado
de um único golpe de uma só peça
de cera tornassol. E nesse lar
ela estraga e conserta; às vezes diz:
"O hospício é bonito; aqui não mais!"
E outras vezes põe-se a prantear!


César Vallejo: "Babel"

Dulce hogar sin estilo, fabricado
de un solo golpe y de una sola pieza
de cera tornasol. Y en el hogar
ella daña y arregla; a veces dice:
"El hospicio es bonito; aquí no más!"
¡Y otras veces se pone a llorar!



VALLEJO, César. "Buzos". In: _____. Obra Poética Completa. Lima: Francisco Moncloa Editores, 1968, p. 70.

Adriano Nunes: "Todo mundo" - para Ricardo Silvestrin

"Todo mundo" - para Ricardo Silvestrin


Já está estabelecido
Que todo mundo nunca é todo
Mundo, nunca é. Pois pode até 
Parecer esquisito, mas
Quando é dito "todo mundo"
O todo logo é excluído.
E ninguém quer parte fazer
Do todo toda vez, é justo.
Ao sentenciar todo mundo
Quer, pode, gosta, curte, ama,
Só mesmo o utópico emissor
Não vê o que em si se passou
E quanto, por todos, se engana.
Cada quimera em cada galho:
Todo todo é desnecessário.
Todo todo é todo impreciso.
Todo todo todo a ser, claro.
Então resta desaprender
Que todo todo é mesmo todo.
Digo: nem todo tolo é tolo.
Porém aquele livre pássaro
A voar carrega em si, dentro,
Mais que todos os pensamentos,
O indecifrável infinito.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Adriano Nunes: "Outro"

"Outro"


Eis
O
Novo
Nem
Gema
Nem
Clara
Nem
Casca
Nem
O
Óbvio
Do
Ovo
O
Que
O
Olho
Solto
Do
Que
For
Ab
Sorto
Ab
Ovo
Do
Oco

Adriano Nunes: "Talvez este eco que agora ecoa"

"Talvez este eco que agora ecoa"


Não ouso traduzir minha pessoa.
Se ela quiser um dia
Que vire poesia numa boa.
Sem artimanha faria,
Talvez, este eco que agora ecoa,
Entre as frestas da alegria.
Não ouso sequer, pois mesmo à toa
O engenho tolo seria.
Muito mal me conheço, e o que me soa
Para nada serviria.
Portanto apenas canto essa pessoa
Que não sou: alegoria
Vã de um ser outro que de mim destoa,
O espelho que me iludia.

E. E. Cummings: "love is more thicker than forget" (Tradução de Adriano Nunes)

"amar é mais denso do que esquecer" (Tradução de Adriano Nunes)


amar é mais denso do que esquecer
mais ralo do que lembrar
mais raro que aquosa a onda por ser
mais frequente que falhar

é mais louco e mais lunático
e menos não deve ser
do que todo o mar que só
é mais fundo do que o mar

amar é menos fixo que vencer
nunca menos do que vivo
menos imenso que o menor início
demais pequeno do que perdoar

é mais sensato e insolado
e mais não pode morrer
do que todo o céu que só
do que o céu é bem mais alto


 E. E. Cummings: "love is more thicker than forget"


love is more thicker than forget
more thinner than recall
more seldom than a wave is wet
more frequent than to fail

it is most mad and moonly
and less it shall unbe
than all the sea which only
is deeper than the sea

love is less always than to win
less never than alive
less bigger than the least begin
less littler than forgive

it is most sane and sunly
and more it cannot die
than all the sky which only
is higher than the sky


CUMMINGS, E. E. "50 Poems". In:____. Complete poems 1904-1962. Revised, corrected, and expanded edition. Edited by George J. Firmage. New York: Liverignt Publishing, 1994, p. 530.

Diego Hurtado de Mendoza: "Epitafio a Narciso" (Tradução de Adriano Nunes)

"Epitáfio a Narciso" (Tradução de Adriano Nunes)


Aqui está sepultado envolto em flores
a flor que fruto algum não tem levado,
o mais tolo de tolos amadores,
Narciso, de si mesmo enamorado,
que fugindo, de soberba, outros amores,
por amores loucos fora acabado.
Ó, tu, que estás mirando o monumento,
toma de sua vida o entendimento!


Diego Hurtado de Mendoza: "Epitafio a Narciso"


Aquí está sepultado vuelto en flores
la flor que fruto alguno no ha llevado,
el más vano de vanos amadores,
Narciso, de sí mismo enamorado,
que huyendo, de soberbio, otros amores,
por sus amores locos fue acabado.
!Oh, tú, que estás mirando el monumento,
toma ya de su vida el escarmiento!



MENDOZA, Diego Hurtado de. Poesía completa. Edición, introducción y notas de José Ignacio Díez Fernández. Barcelona: Planeta, 1989, p. 298-289.

Adriano Nunes: "Por trás de cada verso"

"Por trás de cada verso"


Por trás de cada verso,
Um istmo, plena ponte.
Se estiveres disperso,
Talvez, de ir ao longe,
Chances percas. Se imerso,
Porém, em seu complexo,
Sóis de ritmo e horizontes,
Misto de mares métricos,
Quem sabe, a tua fome
De signos e sons some,
E, em teu âmago, encontres
Os gemidos de Eros,
Sentidos, outros nomes,
Nova Ítaca, elos.

domingo, 23 de agosto de 2015

Lizette Woodworth Reese: "August" (Tradução de Adriano Nunes)

"Agosto" (Tradução de Adriano Nunes)


Sem vento, sem ave. O rio qual bronze arde.
Nos dois lados, rendidos como com um átimo
De silêncio, os vales fulgem . Na grama grave,
Focando estradas sob pó, deitam qual punhados
Caem de folhas murchas de árvore e galho.
Ao longo da cerca do pomar e ao portão,
Forçam tochas de açafrão através da calma,
Lírios brilham, e abelhas zunem cedo e tarde.
Cúprica a esquálida roseira alta não
Deixou Rosa. A aranha fixa o tear lá
Perto das raízes, e sob o sol maquina
De seda uma teia de ramo em ramo. O ar
Cheio está de ardentes cheiros. Sobre a colina
Vaga a nuvem só do meio-dia, alva, calma.

Lizette Woodworth Reese: "August"

August

No wind, no bird. The river flames like brass.
On either side, smitten as with a spell
Of silence, brood the fields. In the deep grass,
Edging the dusty roads, lie as they fell
Handfuls of shriveled leaves from tree and bush.
But ’long the orchard fence and at the gate,
Thrusting their saffron torches through the hush,
Wild lilies blaze, and bees hum soon and late.
Rust-colored the tall straggling briar, not one
Rose left. The spider sets its loom up there
Close to the roots, and spins out in the sun
A silken web from twig to twig. The air
Is full of hot rank scents. Upon the hill
Drifts the noon’s single cloud, white, glaring, still.


REESE, Lizette Woodworth. This poem is in the public domain. Published in Poem-a-Day on August 22, 2015, by the Academy of American Poets.

Adriano Nunes: "Ela, a mente"

"Ela, a mente"


Sem censura
Ela a mente
Elucubra
Eloquente
Sem demora
Elucida
Elabora
Elo e vida
Sem rotina
Elimina
Erro e atina
E ilumina

sábado, 22 de agosto de 2015

Adriano Nunes: "Desnegócio"

"Desnegócio"


Tão seu sou
Que sou só.
Pouco noto
O caos móvel
Em redor.
Tão seu sou
Que sou solto
Do ser só
Que sou: códigos
Que em mim foco.
Ó teus corpos
De sons, formas
Rigorosos!
Ó teus cosmos
De propósitos!
Não te cobro
Nada. Agora,
Se me tocas
Fundo, absorvo-te,
Vingo novo.
És o ouro, o
Gozo ótimo
De oximoros
E memória,
Mais que força!
Vê: que posso
Contra o sol
Que és, contra
Os teus olhos,
Tua fome?
Tão seu sou
Que só sou
O escritor
De um deôntico
Desnegócio:
Alguns poucos
Versos ouso
Tecer, por
Labor, por
Conter outros.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Adriano Nunes: "Et cetera et cetera"

"Et cetera et cetera"


Não é justo, grita
A vista já aflita.
Não é nada, sente
O peito dolente.
Não é isso, atesta
A mente perplexa.

Sem saber, ao certo,
Aonde me leva
Isso, teço versos,
Por estar imerso
Em mim, nessa lida...
Et cetera et cetera.

Adriano Nunes: "O que cantamos"

"O que cantamos"


Às vezes, quando
Pensamos em
Desistir de
Tudo, ressurge
Aquele canto
Contra a invencível
Inquietude
Que n'alma incide,
Pra que de tudo
Não desistamos.
Então nos damos
Conta de que
O que mais conta
É o que nos serve
De risco e rumo.
Mesmo sabendo
Que é só a ponta
De um iceberg
O monumento
Da dor, virtudes
Buscar tentamos,
A sonhos damo-nos.
E como estranhos
A nós nos vemos!
De lá, do fundo
Do poço, um mundo
Novo traçamos
Em nossos âmagos:
"O amor é quântico!,
O amor é tanto!"
É o que, súbito,
Ecoa adentro.
E percebemos
Que o que cantamos
É o próprio tempo!

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Adriano Nunes: "Não é mais nada"

"Não é mais nada"


Diz o pensamento: basta!
Desdiz o que sinto: nada
Que fiz fora instinto, nada
Que pra pensar baste basta.

Diz o sentimento: nada!
Desdiz o que penso: basta
O ir do pêndulo, basta
Um só momento pra nada.

Fecha as pálpebras. Já passa.
Tudo passa. Quanta graça
Depois! Saber isto, basta.

Acalma-te. A vida abraça.
Que sofrer mesmo não passa?
Constata: não é mais nada!

Adriano Nunes: "Ante a mecânica do nada"

"Ante a mecânica do nada"


Não somos senão qualquer tralha.
Que pode a máquina da vida
Ante a mecânica do nada?
Quem mais quer alma mais se arrisca.

Ó maquinário de carne e carma!
Ó carroça a ser preenchida
Por esperanças demais gastas!
Ó palco de dramas e ditas!

À mercê do que nos assalta
Estamos, sem uma saída.
E com as presas afiadas
O acaso nos rasga e mastiga.

Ó mecanismo de corte e cláusulas
Desde muito estabelecidas!
Ó cruel arena de lástimas
Em que sermos cobaia é sina!

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Paul Verlaine: "Il pleure dans mon coeur" (Tradução de Adriano Nunes)

"Chora no meu coração" (Tradução de Adriano Nunes)


Chora no meu coração
Qual chove sobre a cidade;
Que languidez é então
Que adentra em meu coração?

Ó doce rumor da chuva
Pela terra e sobre os tetos!
Para um coração em tédio,
Ó a cantiga da chuva!

Chora sem qualquer razão
Neste coração cansado.
O quê! Nenhuma traição?...
Este luto é sem razão.

É mesmo a pena pior
Desconhecer o porquê,
Sem ódio e sem todo o amor,
Meu coração a sofrer.


Paul Verlaine: "Il pleure dans mon coeur"


Il pleure dans mon coeur
Comme il pleut sur la ville;
Quelle est cette langueur
Qui pénètre mon coeur?

Ô bruit doux de la pluie
Par terre et sur les toits!
Pour un coeur qui s’ennuie,
Ô le chant de la pluie!

Il pleure sans raison
Dans ce coeur qui s’écoeure.
Quoi ! nulle trahison?…
Ce deuil est sans raison.

C’est bien la pire peine
De ne savoir pourquoi,
Sans amour et sans haine,
Mon coeur a tant de peine!



VERLAINE, Paul. "Romances sans paroles". In:____. Oeuvres poétiques complètes. Paris: Robert Laffont, 2010.

sábado, 15 de agosto de 2015

Adriano Nunes: "Escape"

"Escape"


Entre a metalinguagem
E a mera linguagem,
A mesma língua age.
Não lhe falte a sinapse
Capaz de atestar que
Som seja quase quase
Verdade. Ou mais que
Liame ou liberdade.
Mas que a si não só baste
O que baste: tal parte
Do que aqui morre e nasce,
Mira, gema e miragem,
No frasco ao mar, mensagem:
Amar também é arte.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Adriano Nunes: "Gratidão" - Para Carmen Silvia Presotto

"Gratidão" - para Carmen Silvia Presotto


Ela, a Aurora
Do que agora
Faz-se ver
Felicidade. 
A amiga
Que vale
A passagem
Para Ítaca.
A novidade. 
O bálsamo. 
O aprendizado. 
O hiato que
Levou meu ser
Da dor ao prazer
De viver
A escrever.
Pela poesia
Que nos lia

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Adriano Nunes: "Já devia ter mesmo"

"Já devia ter mesmo"


Primeiro era o amor
Para ser o primeiro
Amor, era o primeiro
Erro a ser um amor
Primeiro. Eu não tive
Receios. Encarei-o, e
Outro poema veio
Feito um enfeite. Era
O primeiro amor. Eu
Já devia ter mesmo
Uns dezessete anos.
E larguei tudo neste
Ano. Era o primeiro
Ano de um amor nítido
Que se fez o primeiro
Engano entre tantos.
Mas hoje discordamos
De tudo, eu e o canto
De amor de outrora. Era
Amor, embora não
Fosse amor, bem brilhava,
E iludia o meu peito.
Para a posteridade
Deixava a sua marca,
Memória das mancadas.

Adriano Nunes: "Da Fortuna"

"Da Fortuna"


Não te enganes,
Grande Dante,
A Fortuna
Dá e tira,
Tal qual antes,
Sem medida.

Não te iludas,
Caro Homero,
Ela muda
Para o lado
Que só quer,
Que imprevista!

Não te zangues,
Bom Cervantes,
Sempre amiga
Dos acasos
Impensáveis
Tudo arrisca.

Não te irrites,
Mestre Milton,
Com a roda
Da Fortuna
Que pra si
Mesma gira.

E tu, bardo
Adriano,
Vê que estranho:
Estás triste?
Já te apruma
E bem fica!

Adriano Nunes: "Sem rumo"

"Sem rumo"

Arrasta-se,
Sem fim,
O instante
Que adapta
Ao tudo
Ou nada
A vida.

Sem rumo,
Pergunto-me:
Expulso
De mim
O absurdo,
Com que
Medida?

Adriano Nunes: "Amor"

"Amor"

O que foi,
O que fica
De nós dois...
Gozo e vida,
O que brilha
Mais depois.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Adriano Nunes: "Tages" - para Alberto Lins Caldas

"Tages" - para Alberto Lins Caldas


Arávamos os campos, tínhamos pressa.
Ardia ainda o verão sobre os vales
Da Toscana. Tórtis, o lavrador,
Escavava a terra - que arte essa
Possuíam seus braços! Que vos fale

Dos portentos nosso olhar de surpresa
Ante aquela descoberta e dos males
Que nos causam até hoje! E que exale
O voo de aves, vísceras de presas!
E dos báratros do arado, o adivinho

Salta sujo de barro e planta, Tages,
Para espanto de todos, com a face
De criança e as grãs virtudes de um velho
Sábio. E ensinou-nos a tudo prever:
O amanhã, guerras, da dor ao prazer.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Adriano Nunes: Áureos Octogenários"

"Áureos Octogenários"


Degusto  Augusto.
Gullar  engulo.
Entre os mais vivos
Grã poesia
Qual a dos dois
Não há, afirmo.
Pois tudo raia
Na Viva Vaia!
E raia tudo
Nos Versos Sujos!

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Adriano Nunes: "Da superficialidade"

"Da superficialidade"


Tão pouco se sabia, e agora
É que quase nada se sabe.
Batem no peito que já Nietzsche
Leram, mas, Lordes, acreditem,
Eles só sabem umas frases
Decoradas, em tradução
Precária. Não Leram Aurora!
De Shakespeare, dizem por aí
Tantas tolices. Vivem certos
De que da Odisseia de Homero
A ida tira pra Pasárgada.
Dos dicionários digitais
Aos tradutores virtuais
Evocam a sabedoria
Dos conhecimentos de massa.
Até o poema dos tigres
Do Lau juram ser da Clarice
Lispector. São doutos espertos.
Camisas sob sol no varal,
Morcegos em aquários, ratos
Pendurados pelo pé, rabo
São tidos como artes plásticas.
Decoram artigos de leis,
Sentem-se os juristas da vez.
Desdizem de Dice, e persistem
Em clamar que é um erro de
Português - que se escreve 'disse'.
Espalham amar demais Gal,
Mas sequer ouviram Fatal.
Tudo é copia, cola, passa
Adiante: a mercadoria
Da ignota ignorância seria
A grã passagem para a Ítaca.
Macondo deve estar além...
E gritam: quem vai e quem fica?
E indagam perplexos: de trem?


Adriano Nunes: "Quase linguagem"

"Quase linguagem"


Foste o teu corpo.
Eu, a moeda
De um vivo norte.
Já madrugada
Era, por sorte -
Tanto cansaço,
Tanta conversa
Nem sempre honesta.

Fica a ilusão
De qualquer dia
Explodir a
Vasta alegria
No coração,
Sem que se diga
Outra mentira
Pra tudo e nada.

A primavera
Virá em breve.
Que mais persegues
Além da tara
Voraz, metálica,
Certa, à socapa?
Espera! Espera!
Delícia eras!

Adriano Nunes: "Paquera"

"Paquera"

Deixa-me seguir a regra
Da minha vontade cega.
Pois, quem sabe, não me leva
À felicidade, a esta
Sensação de quase festa
Que no peito ainda resta.
Talvez, melhor seja a pressa

Pra alcançar a ardente meta
Que teu me faria, à beça,
Só ser, dos pés à cabeça.
Há um porém: não me vejas
Sem perícia, porque em pedra,
Qual Medusa, muito certa
A mudança será feita.

Adriano Nunes: "Eco"

"Eco"


Sem
Pre

Ver
Qual

Quer
Ver

So
Sol

To
Do

Meu
Eu

Sou
Seu

Som
E

Seu
Eco

O
O
O
O
O
O

O
Co

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Adriano Nunes: "Só a poesia"

"Só a poesia"


Eis que eu estou
Ainda sonhando.
São os teus abraços 
Mais que todo o Atlântico,
Mais que um verso métrico
Do Inferno de Dante.
Nada de rompantes!
Só a poesia
Do teu olhar quero
Guardar em mim, náufrago
Do que se passou
No instável instante
Do sumo do acaso.
Eis que estou singrando...
Tuas pernas técnicas
Embaralham rotas,
Regras, reinos, rédeas.
Tudo vinga em sóis
De êxtase e encanto.
Não, não estou só
Sonhando: decanto
O fruto dos nós
Quase desatados
No escuro do quarto.
E na arcaica Grécia
Sinto chegar, sendo
Levado por lábios
Que para beijar
Não são - mas o lar
Do que brilha adentro,
Do que dizem ser
Prático prazer,
Elo e entendimento.

Adriano Nunes: "Chance"

"Chance"


O silêncio profundo
A inundar todo o mundo
Que é só meu. Nós dois juntos,
Numa tapera, e o assunto
Do desejo rolando,
Sem receios, a mando
Do coração, da chance
De às mãos ter adiante
Um gozo como nunca
Tivera mesmo antes.
E entre mil perguntas,
Nosso cansaço, a alta
Madrugada, a mancada
De esquecer o infinito
Que não pode ser dito.

Adriano Nunes: "Cantada"

"Cantada"

Às vezes pode
Parecer simples
Perder o norte,
Saber que incide
Sobre o destino
Algum acaso
Demais querido,
Sonho somado
À cega sorte.
Às vezes é
Pra valer que
Todo o prazer
Dar mesmo pé:
Era você.

Adriano Nunes: "Do desejo"

"Do desejo"


Primeiro a visão
A coisa à vista
A beleza à vista 
A tentação e seus tentáculos
Depois a despedida
O não ver o não ter ainda
O pensar o silêncio pensável
A sorte sonhada somada
À carne do nada o ato lapso
Na solidão do quarto a vírgula
Quase cinema quase
Sinapse após sinapse
O corpo todo um outro
O fogo solto que arde arde
O que quer que se diga diga
Tolos antípodas
Um ponto de partida
Canções na vitrola laser
A vida como enfeite
Língua na língua

domingo, 2 de agosto de 2015

Adriano Nunes: “Um equívoco popular e o fulgor da Poesia” - Para Antonio Cicero

Um equívoco popular e o fulgor da Poesia”  - Para Antonio Cicero




Quando, em sua Poética, Aristóteles (ARISTÓTELES; 2008, p. 38-39) diz que:

Com efeito, as pessoas, juntando ao nome do metro a palavra poeta, chamam a uns poetas elegíacos e a outros poetas épicos, não os designando poetas pela imitação, mas pela semelhança do metro. E, se escrevem alguma obra em verso sobre Medicina ou sobre Física, costumam designá-los igualmente por poetas. Ora nada há de comum entre Homero e Empédocles a não ser o metro; por isso será justo chamar a um poeta e a outro naturalista, em vez de poetas.”,

fica evidente que, desde tempos remotos, nem toda pessoa que escreve versos é tomada como poeta. Logo, não é a estrutura formal que vai ditar as regras para classificar um escritor como poeta, porque se assim fosse, um engenheiro, um químico, um matemático que expressassem os seus cálculos, suas teorias, seus postulados em versos, seriam considerados poetas. Nessa possibilidade formal de redução, qualquer um seria então poeta pelo simples ato de tecer qualquer texto escrito em versos. Como as obras dos verdadeiros (entenda-se, aqui, a palavra “verdadeiro” no sentido do escritor que tem em si a consciência de ser poeta e que é reconhecido por outros poetas como poeta) eram, quase sempre, escritas ou recitadas em versos, com ritmo e métricas marcados, perceptíveis, convencionou-se chamar de poeta todo aquele escritor que faz versos para distinguir daquele outro que escreve prosa. O estorvo está aí, pois, como atesta belissimamente Antonio Cicero em Poesia e Filosofia (CICERO; 2012, p. 37):

"Escrever versos não é necessariamente escrever poemas. Pensa-se comumente que a palavra "poesia" é antônima de "prosa". Trata-se de um equívoco. "Poesia" não tem antônimo em português. Se quisermos falar do oposto à poesia ou ao poema, temos que usar algo como as expressões "não poesia" e "não poema".
É a palavra "verso" que é antônima de "prosa". Essa oposição pode ser esclarecida etimologicamente. "Prosa", do vocábulo latino "prorsus" e, em última instância, de "provorsus" que quer dizer "em frente", "em linha reta", é o discurso que segue em frente, sem retornar. "Verso", do vocábulo latino "versus", particípio passado substantivado de "vertere", quer dizer "voltar", "retornar", é o discurso que retorna."
 
Entretanto, se e somente se a diferença vulgarmente tida entre poesia e prosa se estabelecesse pela diferença entre verso e prosa, deixaria à poesia o perigo de ser tomado como poema todo e qualquer escrito em verso. Seria então todo escrito em verso um poema legítimo? Seria necessário que para ser um poema a construção deva ter a capacidade intrínseca de “voltar”, retomar um percurso antes trilhado, retornar? E o que dizer, destarte, dos textos em prosa versificados? Que outro recurso estético, formal e/ou material, poderia ser utilizado para evidenciar in totum as diferenças, talvez definitivas, entre prosa e poesia, ou melhor, diferenciar a poesia de qualquer escrito que não seja poesia? Há essa possibilidade estética? Antecipadamente, respondo: sim!

Para tanto, inicialmente, recorrerei a Samuel Taylor Coleridge que explicitou, como tantos, uma tentativa de estabelecer a diferença entre poesia e prosa, em seu aspecto formal, obviamente, pois, desde já, afirmo que materialmente/substancialmente não há diferenças entre ambas, pois tanto a prosa quanto a poesia podem tomar para si quaisquer assuntos, temas. Neste aspecto material, a diferença será de como o material fático, verbal, os signos serão usados, trabalhados. Então o uso deste material ainda assim é um critério formal. Vamos a Coleridge (COLERIDGE; 1917, p. 73):  “I wish our clever young poets would remember my  homely definitions of prose and poetry ; that is, prose =  words in their best order ; — poetry = the best words in  the best order.” Vejam que o poeta e crítico literário inglês dá uma dica para os jovens poetas, uma dica “caseira”, ou melhor, pessoal, para que eles percebam qual a diferença entre poesia e prosa. Aqui, não há dúvida de que também se trata de uma diferença formal, pois ao igualar a poesia a melhores palavras na melhor ordem, ele apenas expõe que para um texto ser poético as melhores palavras e a melhor ordem devem ser escolhidas, mas não diz como é essa ordem e nem quais palavras são as melhores, e, ainda que dissesse que ordem seria essa e quais palavras seriam essas, não eliminaria definitivamente o critério formal, porque teria que estabelecer um critério axiológico que fizesse o poeta escolher sempre aquela mesma palavra em determinada situação, o que seria embaraçoso e reduziria a amplidão estética que realmente possui a grande poesia. Aqui, posso aplicar, analogicamente, a tese de Ronald Dworkin (DWORKIN: 2011, p. 41-45) sobre o uso dos princípios no Direito, pois em caso de haver uma escolha entre palavras na elaboração de um poema e que sabendo que nenhuma palavra exclui em definitivo outra, mas apenas, momentaneamente, por uma questão estética, como um princípio no Direito não exclui um outro em definitivo, mas, sim, que pesa mais que outro em dados momentos, numa decisão concreta, por exemplo, pois não se pretende estabelecer condições que tornem obrigatória e necessária a sua aplicação. Concluindo: não há nenhuma palavra melhor do que outra num vernáculo, ainda que haja critérios para estabelecer que ordem seja pretensiosamente melhor. O quebra-cabeça se monta trocado, pois em vez de oferecer uma forte diferença, leva-nos a ter que estabelecer um critério formal praticamente impossível para esteticamente dizer que palavra é melhor do que outra numa dada ordem, supostamente melhor. Como saber então, ao menos, essa ordem? Seria ela determinada pelos elementos do ritmo e da métrica? Se só fosse o elemento simples e puro de ritmo e métrica, acredito que não, pois um texto em prosa pode ser ritmado e até mesmo metrificado. Elementos rígidos e fixos de ritmo e métrica? Talvez.

É essa junção de metro, rima, ritmo, palavras, ordem, formas, todo este conjunto estético que tende a estabelecer uma certa diferença entre um texto poético e um texto em prosa. Atento a isso, Allan Bloom citado por Harold Bloom (BLOOM; 2005, p. 52) diz que "a poesia tende a mesclar os elementos naturais e convencionais das coisas; e consegue encantar os homens de tal maneira que estes deixam de enxergar as costuras que unem tais elementos."  Apesar de que possam vir com objeções, creio que posso dizer que a poesia é desde a sua origem um rito estético, pois lembremo-nos da narrativa de Herôdotos sobre o primeiro cantor de Ditirambos, Aríon, que antes de ser lançado ao mar, para ser morto por ladrões, pediu para antes de morrer recitar seus versos, trajando roupas típicas de aedos, ou seja, ele não cantou por cantar, mas teve que ritualmente visualizar-se como aedo em seus trajes de rito em honra de Apolo. (HERÔDOTOS, 1988, p. 25). Em homenagem a Aríon compus o poema* abaixo:


"Ôrthios nomos"


Aqui, de pé na popa, Apolo, poupa-me
Da artimanha desses nefastos homens,
Ouve o meu canto de dor e de assombro,
O mar revolto amansa, porque pronto
Para o salto estou. E como fui tolo
Contratando, sem saber, esses lobos
Famintos pelo ouro, o lucro todo
Que tive ditirambos a tal povo
Ensinando! Poupa-me, Deus dos Corvos,
Do líquido destino, sob meus olhos,
Leva-me de volta a Corinto, outro
Canto permite-me dar-te, em louvor,
Pra que saibam de Aríon, o cantor,
Que da morte foi salvo por Apolo!

Se outrora o rito poético era em honra de Apolo, hoje se pode dizer que é em honra do próprio poema. Não se deveria usar termos como “escravo da poesia”, “escravo da arte”. A arte também não deve ser vista como forma de libertação. No primeiro caso, não se deve dizer “escravo da arte ou da poesia” porque a poesia está voltada para a esfera do prazer. Mesmo os poetas, quando em suas tristezas máximas, sentem-se felizes e agraciados quando contemplam o fruto do seu labor poético. Tanto é que até no leito de morte muitos poetas escrevem versos. No segundo, porque ver arte como forma de libertação é dar uma finalidade a ela, o que não é possível enquanto arte, já que, por ser arte, é uma finalidade sem fim, conforme a estética kantiana (KANT; 2009, p. 71):  

“O prazer provocado por um objeto, pelo qual qualificamos este de belo, não pode basear-se na representação de sua utilidade, pois, caso contrário, não seria um prazer direto pelo objeto, condição essencial de juízo sobre a beleza. Em contrapartida, uma finalidade interna objetiva, quer dizer, a perfeição, se aproxima já muito do predicado da beleza, e isso induziu alguns filósofos famosos a considerá-la idêntica à beleza, embora com a nota restritiva de ser uma perfeição concebida confusamente. Por conseguinte, numa crítica do gosto, e de suma importância decidir se também a beleza pode dissolver-se no conceito de perfeição.”

Bem explicita o labor poético Hannah Arendt (ARENDT; 2013, p. 74) quando afirma que "a tarefa do poeta e historiador (postos por Aristóteles na mesma categoria, por ser o seu tema comum práksis) consiste em fazer alguma coisa perdurar na recordação. E o fazem traduzindo práksis e léksis, ação e fala, nesta espécie de poíesis ou fabricação que por fim se torna a palavra escrita." A poesia é a necessária linguagem para todos os corações e mentes que procuram pela infinita amplidão estética de cada palavra. Destituída de utilidade, a arte poética apenas acontece. É esse um instante de fulgor e de felicidade para o poeta quando emerge do seu labor e percebe que dali há a possibilidade palpável de brotar a beleza. Talvez seja por isso que a poesia não precise dar explicações sobre a que veio. Bastando a si, ela é o seu próprio fim e o seu próprio meio. E gera cosmos sem quaisquer receios de realidade. Seu horizonte é a prova nítida de que ela de tudo, para só ser poesia, se vale. A poesia é o único meio pelo qual uma palavra consegue realmente ser sentida, ser percebida, ter brilho e amplidão enquanto palavra. A fala e a prosa não denotam a palavra enquanto palavra: passam as palavras a ser um todo cujo resultado depende mais da ideia e do que se quer expor do que de uma palavra em particular. Na poesia, isso não acontece, pois uma palavra pode fazer gerar todo o universo e, por isso, ser notada como o gérmen, como a força criadora desse instante mágico.

A “melhor ordem”, dita por Coleridge, significa que há um requisito mínimo para que um texto seja um poema: ela nos leva à percepção de que a poesia requer para si determinada harmonia, certo arranjo estético em que cada palavra é evidenciada por si e brilha por si e todas elas reunidas fazem com que o brilho individual de cada palavra aumente mais. No texto em prosa, a palavra paga o caro preço de ser só mais uma palavra. Consequentemente, não devo considerar como poesia quaisquer vestígios em que na elaboração de versos não estejam presentes o fulgor e o impacto dos artifícios intelectuais cujo efeito final é, máxime, uma estrutura formal adequada esteticamente e tenha, no mínimo,  leve organização inteligível. A bela poesia necessariamente requer tais demandas estéticas que a arte proporciona. Logo, como supracitado, é na poesia que uma única palavra passa a ter potência e luz própria, que é visualizada em meio à miríade de palavras que compõem um vernáculo. É na poesia que a palavra pode representar in totum a beleza.

Sempre inteligente e com lucidez, Antonio Cicero (CICERO; 2012, p. 7) define o labor poético com elegante ironia:  

"A poesia é ciumenta e não aparece a menos que eu lhe dedique todo o meu espírito, todos os meus recursos, todas as minhas faculdades, sem garantia alguma de que, mesmo fazendo tudo o que ela exige, eu consiga escrever um poema. Não me basta trabalhar para que nasça um poema."


Por isso, em meu poema concreto “Ars poetica”, chamo a poesia de “poder que tudo pode”. Descontruíndo um único verso “podetudoopoderquepodetudo” e contruindo um outro verso dentro da própria desconstrução, evidencio que pode ser que surja um poema, ou seja, “podeserquesejaumpoemanovo”, porque, os poetas sequer sabem como findará o poema, a não ser que este lhes diga e oriente como a arte precisa alcançar um fim sem fim esteticamente luminoso:


 "Ars poetica"

Podetudoopoderquepodetudo
Podetudoopoderquepodetudp
Podetudoopoderquepodetupo
Podetudoopoderquepodetpod
Podetudoopoderquepodepode
Podetudoopoderquepodpodes
Podetudoopoderquepopodese
Podetudoopoderqueppodeser
Podetudoopoderquepodeserq
Podetudoopoderqupodeserqu
Podetudoopoderqpodeserque
Podetudoopoderpodeserques
Podetudoopodepodeserquese
Podetudoopodpodeserquesej
Podetudoopopodeserqueseja
Podetudooppodeserquesejau
Podetudoopodeserquesejaum
Podetudopodeserquesejaump
Podetudpodeserquesejaumpo
Podetupodeserquesejaumpoe
Podetpodeserquesejaumpoem
Podepodeserquesejaumpoema
Podpodeserquesejaumpoeman
Popodeserquesejaumpoemano
Ppodeserquesejaumpoemanov
Podeserquesejaumpoemanovo



 Adriano Nunes



Referências:



ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução de Mauro W. Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2013.

ARISTÓTELES. Poética. Tradução do texto grego de Ana Maria Valente. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.

BLOOM, Harold. Onde encontrar a sabedoria?. Tradução de José Roberto O'Shea. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

CICERO, Antonio. Poesia e filosofia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

COLERIDGE, Samuel Taylor. Table Talk and Omniana of Samuel Taylor Coleridge. With a note on Coleridge by Coventry Patmore. London:  Oxford University Press, 1917.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

HERÔDOTOS. História. Tradução do grego, introdução e notas de Mário da Gama Kury. Brasília: UnB, 1988.

KANT, Immanuel. Crítica da faculdade de julgar. Tradução de Daniela Botelho B. Guedes. São Paulo: Ícone, 2O09.

NUNES, Adriano. Quefaçocomoquenãofaço. Blog de poesia do poeta e tradutor Adriano Nunes. URL: http://astripasdoverso.blogspot.com.br/ . Acesso em 02/08/2015. 16:00.


sábado, 1 de agosto de 2015

Adriano Nunes: "Um poema" - Para André Marques

"Um poema" - Para André Marques

Pede o amigo
Um poema.
Sequer sabe
Ele que
Mais fácil
É, sem dúvida,
Dar-lhe os Arcos
De Paris
Ou da Lapa,
Toda pérola
Que no mar
Há, um tigre
Dente-de-
Sabre, as pétalas
Dos jasmins
Dos jardins
Da galáxia
Mais distante.
Um romance
Para ler.
Um dragão
Amarelo
Embrulhado
Pra presente,
Outro átimo
Diferente.
Porém não
Posso mesmo
Deixar de
Entregar-me
Ao que arde
No desejo
Dele de
Ter uns versos
Por mim feitos.
Claro é,
Caro André,
Que o poema
Vai também
Entregar-lhe
Tudo aquilo
Que acima
Foi descrito.



Georgia Douglas Johnson: "When I rise up" (Tradução de Adriano Nunes)

"Quando me elevo" (Tradução de Adriano Nunes)


Quando eu me elevo acima da terra,
E das coisas que me prendem desdenho,
Bato as asas no ar,
Ou repouso quieta,
Onda após onda de força potente
A mim vem qual incenso
Quando eu me elevo acima da terra
E das coisas que me prendem desdenho.


Georgia Douglas Johnson: "When I rise up"

When I rise up

When I rise up above the earth,
And look down on the things that fetter me,
I beat my wings upon the air,
Or tranquil lie,
Surge after surge of potent strength
Like incense comes to me
When I rise up above the earth
And look down upon the things that fetter me.


JOHNSON, Georgia Douglas. Bronze. With an introduction by Dr. W. E. B. Du Bois. Boston: B. J. Brimmer Company, 1922, p. 62.

Adriano Nunes: “As mulheres da Baviera”

“As mulheres da Baviera”


Ante os olhares do acaso, ali, elas
Deixam de lado todos os tecidos
Formosos, joias, livros sequer lidos,
E, nas costas, contentes, com cautela,

Colocam os seus filhos e os maridos.
Até o Duque atado é por fivelas.
Súbito o peito do Imperador gela
Ao ver gestos de valor atrevidos.

Lágrimas caem da face de Conrado
Terceiro, o assediador. Não pudera
Jamais pensar em ato tão honrado

Por essas mulheres da Baviera
Feito. Do coração, a primavera
Do perdão. Tudo então é perdoado.