terça-feira, 30 de junho de 2015

Adriano Nunes: "Pela saudade de um só dia"

"Pela saudade de um só dia" 



Eu, vovó, minha irmã Anita
Esperando pela marmita
Da minha tia. Meio-dia.
A saudade que se irradia
Pela saudade de um só dia
A mais que o meu verso define.
Arroz e camarão cozido,
Salada e carne assada, isso
Que a poesia serve, misto
De amor, arte, artefato íntimo.
Eu era um traquinas menino.
Minha avó já não há. Havia
Em mim ululante alegria.
Ah, Mnemosine! Ah! Mnemosine! 

Adriano Nunes: "Nos silêncios de silício da mente" - Para tia Socorro (In memoriam)

"Nos silêncios de silício da mente" - Para tia Socorro (In memoriam)


Depois, a hora passa, já se sabe.
E acorrentamo-nos à dor da perda
Porque é mesmo impossível revertê-la.
Devoram o céu nuvens cinzas. Tarde
É não nos abrigarmos na certeza
De haver outro começo, pois bem vale
A vida dada à verve das vontades.
Ninguém morre porque morre, só deixa
De abrir os olhos, ter algum propósito.
Porém presente está sempre, contente,
Nos silêncios de silício da mente.
Sempre está na memória, muito próximo
Do amor, porque é só o amor que faz, lógico,
Tudo renascer dentro, ser semente.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Czeslaw Milosz: "In Honor of Reverend Baka" (Tradução de Adriano Nunes)

"Em honra do Reverendo Baka" (Tradução de Adriano Nunes)


Oh aquelas moscas
Oh aquelas moscas
Que improvisam voos estranhos,
Conosco dançando,
Senhor, Senhora,
Na beira do báratro.

Não tem pernas o báratro,
Não tem um rabo,
De costas está deitado
Da trilha ao lado.

Ei lá, damas aladas,
E senhores com asas!
Eles jamais saberão
Sobre vocês, então
Façam isso outra vez.

Sobre o esterco das vacas
Ou sobre a marmelada
Vocês têm truques e escapadas
Têm as suas escapadas.

Não dá leite o báratro,
Não precisa de copo ou prato.
O que ele faz? Ele aguarda.


Czeslaw Milosz: "In Honor of Reverend Baka"



In Honor of Reverend Baka

Oh those flies
Oh those flies
What strange moves they improvise,
Dancing with us,
Mister, Missus,
On the edge of the abyssus.

The abyss has no legs,
It doesn't have a tail,
It's lying on its back
Alongside the trail.

Hey there, fly-girls,
And fly-gentlemen!
Nobody will ever know
About you, so
Do it once again.

On the turds of cows
Or on marmalade
Have you tricks and escapades
Have your escapades.

The abyss gives no milk,
It needs no cup or plate.
What does it do? It waits.

MILOSZ, Czeslaw. Selected and Last Poems 1931-2004. Ecco Press, 2011.

Thomas Carew: "The Unfading Beauty" (Tradução de Adriano Nunes)

"A imperecível beleza" (Tradução de Adriano Nunes)


O que ama a rósea face,
Ou lábio coral estima,
Ou do brilhante olhar dá-se
A ter gás pra a sua chama:
Gasta o Tempo tudo, então
Suas chamas cessarão.

Mas a leve e firme mente,
Magna ideia, calmas vontades,
Peito e amor contiguamente,
Acendem chamas pra sempre.
Onde isso não há, descarto
Meigos faces, olhos, lábios.



Thomas Carew: "The Unfading Beauty"


The Unfading Beauty


He that loves a rosy cheek,
Or a coral lip admires,
Or from star-like eyes doth seek
Fuel to maintain his fires:
As old Time makes these decay,
So his flames must waste away.

But a smooth and steadfast mind,
Gentle thoughts and calm desires,
Hearts with equal love combined,
Kindle never-dying fires.
Where these are not, I despise
Lovely cheeks or lips or eyes.



CAREW, Thomas. "The Unfading Beauty".In:____. The Oxford Book of English Verse 1250-1900. Chosen &  Edited by Arthur Quiller-Couch. London: Oxford At the Clarendon Press 1912, p. 299.

domingo, 28 de junho de 2015

Robert Herrick: "To Electra" (Tradução de Adriano Nunes)

"A Electra" (Tradução de Adriano Nunes)


Pedir um beijo não ouso,
Não ouso rogar-te um riso,
Para não ter nada disso,
Ser poderia orgulhoso.

Não, não, a máxima parte
Do meu desejo será
Apenas beijar o ar
Que outrora esteve a beijar-te.


Robert Herrick: "To Electra"


To Electra

I dare not ask a kiss,
I dare not beg a smile,
Lest having that, or this,
I might grow proud the while.

No, no, the utmost share 
Of my desire shall be 
Only to kiss that air 
That lately kissed thee.



HERRICK, Robert. "To Electra".In:____. The Oxford Book of English Verse 1250-1900. Chosen & Edited by Arthur Quiller-Couch. London: Oxford At the Clarendon Press 1912, p. 267.

John Donne: "Daybreak" (Traduzido por Adriano Nunes)

"Aurora" (Traduzido por Adriano Nunes)


Fica, ó delicadeza, e não zarpes!
A luz que brilha vem dos teus olhares;
O dia não rompe: é meu coração,
Porque nós devemo-nos apartar.
Fica! senão morrerão meus prazeres
E findarão na primavera deles.


John Donne: "Daybreak"


Stay, O sweet, and do not rise! 
The light that shines comes from thine eyes; 
The day breaks not: it is my heart, 
Because that you and I must part. 
Stay ! or else my joys will die 
And perish in their infancy.




DONNE, John. "Daybreak".In:____. The Oxford Book of English Verse 1250-1900. Chosen &  Edited by Arthur Quiller-Couch. London: Oxford At the Clarendon Press 1912, p. 225.

sábado, 27 de junho de 2015

Adriano Nunes: "Como seria até louvável"

"Como seria até louvável"


Já dizia um clássico bardo:
Como seria até louvável
Se qualquer poeta, um amigo
Nosso, de meus versos, vos digo,
Abrigo fizesse, mas, honesto
Fosse, ao mudá-los, e, de resto,
Como escárnio, honrasse-me com
Uma epígrafe, o que já bom
Seria. O plagiário, mudo,
Pelo contrário, faz de tudo,
Pra esconder provas do seu furto,
E, com sua trapaça, altera
Pouco o metro, o ritmo, o sentido,
Iludindo seu tolo público.
Não tarda e é desmascarado
Pela História da Arte. O gênio
Criador não tem. Vive, coitado,
A esperar poemas alheios
Pra arquitetar os seus - que meio
De sofrer estranho, que ingênuo!
Pois, com seu íntimo fracasso,
Deixemo-lo. E que ele leia
Meu poema e veja que a veia
Poética a defendê-lo se presta,
Quebrando dos dois últimos versos a métrica.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Adriano Nunes: "Errado" - Para Mauro Sta. Cecília

"Errado" - Para Mauro Sta Cecília


Eu queria ser surfista.
E quase fui sofista.
Eu fiz uma enorme lista
Do que eu queria ser.
Mas ser tanta coisa é
Mesmo só ter o prazer
De escrever apenas uns
Poemas, sem leis ou lemas.
Hoje até sou em mim fixo.
Não sou sofista ou surfista.
Minha praia já é outra.
Talvez eu seja um sufixo
Que ainda precise ser
Livremente definido.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Adriano Nunes: "Com o surgir da Arte" - para a minha mãe

"Com o surgir da Arte" - para a minha mãe


Eram duas ou três caixas
De madeira, daquelas
Que usam os feirantes
Para colocar frutas,
Minhas gavetas, cômoda
Em que guardava os livros
E as poucas roupas velhas -
A ilusão é a de antes!
Numa rua da Cambona,
A criança traquinas
Qu' eu era via festa
Em tudo: nos arames
Do muro, nas lagartixas
Esquisitas, no nada.
Hortaliças plantava
E aguava-as com o plástico
Dos soros descartados,
Com equipos usados
Do perigoso e exposto
Lixo da Santa Casa.
Inocente eu era.
Feliz demais eu era.
Ali, envolto pelo
Barulho do trem, pelo
Conforto do colchão
No chão, tive alguns sonhos,
Os do menino pobre
Que vê ser ouro o cobre
Dos fios descascados,
Que bem guarda pedrinhas,
Revistas de novelas,
Mapas, o metal prata
Do termômetro - a graça
De poder contentar-se
Com o surgir da Arte,
O que nem mesmo sabe,
No tapete da sala.



Adriano Nunes: "εἰρωνεία"

"εἰρωνεία"

Muitas vezes,
É preciso
Ser irônico
Para ser
Mesmo irênico.
Qualquer canto
Que se quer
Canto, deve
Bem disposto
Estar, claro, a
Ver-se em risco,
Riso e pranto,
Todo o oposto,
Mira e rima,
Ser rabisco.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

William Shakespeare: "Love" (Tradução de Adriano Nunes)

"Amor" (Tradução de Adriano Nunes)

Diga-me onde é feito o Delírio,
Ou no coração ou no juízo?
Como criado, como nutrido?
Fale, fale.
Ele é engendrado nos olhares,
Com flerte farto; e o Delírio esvai-se
No abrigo onde ele relaxe.
Deixe-nos tocar do Sonho o sino:

Irei começar, - Din, don, tinindo.
Todos. Din, don, a tocar o sino.


William Shakespeare: "Love"

Love

Tell me where is Fancy bred,
Or in the heart or in the head?
How begot, how nourished ?
Reply, reply.
It is engender'd in the eyes,
With gazing fed ; and Fancy dies
In the cradle where it lies.
Let us all ring Fancy's knell:
I'll begin it, —Ding, dong, bell.
All. Ding, dong, bell.


SHAKESPEARE, William. "Love". In:____. The Oxford Book of English Verse 1250-1900. Chosen & Edited by Arthur Quiller-Couch. London: Oxford At the Clarendon Press 1912, p. 180.

Walter Raleigh: "The Silent Lover" (Tradução de Adriano Nunes)

"O amante silente" (Tradução de Adriano Nunes)


Comparam-se paixões bem a cheias, correntes:
O ordinário murmúrio, e muda a profundeza;
Então, quando a afeição gera palra, aparenta
Que vêm da profundeza, mas do raso chegam.
Tão ricas em palavras, em palavras antes
Pobres descobrem-se pra engendrar um amante.



Walter Raleigh: "The Silent Lover" 



PASSIONS are liken'd best to floods and streams:
The shallow murmur, but the deep are dumb;
So, when affection yields discourse, it seems 
The bottom is but shallow whence they come. 
They that are rich in words, in words discover 
That  they are poor in that which makes a lover.




RALEIGH, Walter. "The Silent Lover". In:____. The Oxford Book of English Verse 1250-1900. Chosen & Edited by Arthur Quiller-Couch. London: Oxford At the Clarendon Press 1912, p. 102.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Anna Akhmátova: "My3A" (The Muse") (Traduzido por Adriano Nunes)

"A Musa" (Tradução de Adriano Nunes)


Quando à noite espero por sua chegada,
A minha vida parece inerte. Indago-me:
Que são louros, juventude ou liberdade, 
Ante esta estimada amiga e sua flauta?
Vê, ela está vindo! Ela o véu levanta
E para mim olha com grã vigilância.
Eu digo: "Foste tu quem ditou a Dante 
As páginas do Inferno?" "Fui", ela fala. 


Anna Akhmátova: "My3A"  - "The Muse" (Translated from the Russian by Stanley Burnshaw)


When in the night I await her coming,
My life seems stopped. I ask myself: What
Are tributes, freedom, or youth compared
To this treasured friend holding a flute?
Look, she's coming! She throws off her veil
And watches me, steady and long. I say:
"Was it you who dictated to Dante the pages
Of Hell?" And she answers: "I am the one." 


From "World Poetry: An Anthology of Verse From Antiquity to our Time," edited by Katharine Washburn and John S. Major (W.W. Norton: 118 pp).

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Adriano Nunes: "Ars Poetica" - Para Antonio Cicero

"Ars Poetica" - Para Antonio Cicero



Enquanto quebras a cabeça
Em busca dos ditames áureos da razão,
Aventura-se a vida a ser a mesma.
Mas eis que, subitamente, a ti vem
A quântica certeza
De que, ali, sobre a mesa, descansando,
Estáticos estão
Lápis e muitas folhas - o infinito em branco
A esperar por movimentos, lentos e rápidos,
Da tua afoita mão.
E, com prazer, escreves
Versos leves, sem medo
Das possibilidades da imaginação.
Misturas os metros mais rígidos
À liberdade do teu coração.
Guardas-te para o alegre momento
Da contemplação. Vês
Que vêm a palavra amada,
A ordem certa,
O sentido preciso,
Sobre os montes do olhar mais longe, 
Sobre as casas da Trácia,
Além-mar-do-amar-além,
Além do que sequer há,
Para o teu ser trazendo, 
Ilesos,
Domados,
O Tempo
E Pégaso.
Agora
Já podes
Voar,
Lançar-te
À sorte 
Dos elos,
Beber 
Do álcool 
Mais forte
Da Arte.




Adriano Nunes: "O quantum do amor"

"O quantum do amor"


Preciso saber o quanto
De nós dois há em nós dois.
Não o quanto de ti há
Em mim nem quanto de mim
Há em ti. Todo o amor é
Uno enquanto amor, até
Quando se veste de espanto,
Como agora, pra valer
A hora que sem demora
Passa e deixa-me a verter
O êxtase do prazer
Em estética memória.
O quanto de nós dois há
Em nosso amor pra cantar.

Adriano Nunes: "Mesmo o infinito"

"Mesmo o infinito"


A poesia -
Mesmo o infinito. 
Como preciso,
Diversas vezes,
Do resto, o mínimo
Pra minha sede
De timbres íntimos
Saciar, isso
Que dá sóis, ritmos
Ao que me peso,
Ao que me penso.
Regras e rito.
Um verso só,
E já me sinto
Um arquiteto,
Pronto pra o início
Da criação
Do que parece
Ser impossível. 
Basta um só verso,
Para que esqueça
Que a vida é breve,
Que há certezas.
E, num só verso,
Dar-te bem possa
A hora nova 
Do amor, o risco
De ter às mãos
O que irradia
Da poesia -
Mesmo o infinito.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Adriano Nunes: "Todo o amor"

"Todo o amor"


Rio abaixo,
Rio acima,
A remar,
E remando,
Tu sorrias,
Co' a alegria
De reter
Nas retinas
O que iria
Virar mesmo
Poesia,
A das ruas
Já ruídas
Por propósitos
Movediços,
De alguns reinos
Em ruínas,
Corações,
Imagino.
Sonhos nossos.
E sorrias
Como se
Mais quisesses
Esquecer
Que deixaste
Passar a
Grande chance,
Loteria.
Quase arte!
Rio abaixo,
Rio acima,
Nesse barco
Que ser dizem
A existência
Bem seguimos.
Dos desejos,
Das delícias,
Dos delírios
Nos cardápios
Da ilusão,
Que nos tenta e
Atormenta
Mais, servimo-nos.
Porém não
Adianta
O princípio
Protetor.
Temos fome
De montão.
Adiante,
Tudo ou nada,
Águas bravas,
Cataratas -
Todo o amor.

Diego Hurtado de Mendoza: "Canción" (Tradução de Adriano Nunes)

"Canção" (Tradução de Adriano Nunes)


Pois não vale morrer,
amar, nem bem querer,
que me há de valer?
Serviços bem empregados,
porém mal agradecidos,
tal sou eu que ides perdidos
por onde outros vão ganhados;
que minha sina minguada
e inimiga de meu bem
traído os tem ante quem
pouco é muito e muito é nada;
visto que ao fim da jornada
o tempo de merecer,
o servir não vale nada,
o amar que há de valer?


Diego Hurtado de Mendoza: "Canción"


Canción


Pues no vale morir,
amar, ni bien querer,
qué me ha de valer?
Servicios bien empleados,
aunque mal agradecidos,
tal soy yo que vais perdidos
por donde otros van ganados;
que mi ventura menguada
y enemiga de mi bien
os ha traído ante quien
poco es mucho y mucho es nada;
pues al fin de la jornada
y tiempo de merecer,
el servir no vale nada,
el amar qué ha de valer?



MENDOZA, Diego Hurtado de. Poesía completa. Edición, introducción y notas de José Ignacio Díez Fernández. Barcelona: Planeta, 1989, p. 185.

Adriano Nunes: "Basta uma canção"

"Basta uma canção"


Ficou a lembrança mesclada
De perdão.
Ficou a vontade suspensa
Pelo não.
Ficou a cobrança pra nada
Da razão.
Ficou a saudade tanta,
O amor não.

Agora deixo abertas portas
E as janelas.
Agora vejo a vida infinda
Ser por ela.
Agora não mais me queixo
Das mazelas.
Agora só ligo pra estética
Que me vela.
Agora, Erato, dá-me a lira
E a voz bela!

Porque, sei, basta uma canção,
O que só ela em si encerra.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Idea Vilariño: "No - 27" (Tradução de Adriano Nunes)

"Não - poema 27" (Tradução de Adriano Nunes)




Que grande coisa a vida
que grã coisa que dom
que carga que viagem
de areia grossa que
pedregulho de Sísifo
por empregar alguma
já mal acentuada
- toda a métrica a métrica -
metáfora elegante.


 Idea Vilariño: "No - 27"


Qué gran cosa la vida
qué gran cosa qué don
qué carga qué vïaje
de arena gruesa qué
roca de Sisifó
por emplear alguna
aunque mal acentuada
- la métrica la métrica -
metáfora elegante. 





VILARIÑO, Idea. "No". In:____. Poesía Completa. Montevideo: Cal y Canto, 2012, p. 289.

sábado, 13 de junho de 2015

Adriano Nunes: "E em meu ser caio"

"E em meu ser caio"


Atordoado,
De lado a lado,
Percebo, claro,
Que hoje é sábado, 
E em mim reparo
O tempo gasto
Outrora. E amarro-o
Ao lance mágico
Do olhar. E guardo-o
Assim. Meu lábio
Marfim, tão pálido
Pelo disparo
Do cerne cárdio
Ante os teus passos
A mim... Que faço? 
Encantado
Estou? Bem acho.
E, sob os átimos
Do inesperado,
Sinto os teus braços
Em volta do
Meu tórax, laço
Ardente e vasto.
Apaixonado
Estou? Num lapso,
De ilusão, saio
Já do parágrafo
Imaginado
Do livro ao lado
E em meu ser caio:
Sonho findado
Ou começado? 
Romance ou fato
Mesmo narrado? 
Ficção ou ato
Prático? E o sábado
Perpassa elástico
Num folheado
Escrito, rápido, 
Enquanto pasmo
Fico só - bardo
A inventar o
Ser adorado.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Adriano Nunes: "Porque te amo tanto"

"Porque te amo tanto"


Amo-te, mesmo estando
Ferido o coração.
Amo-te de amor quântico,
De amor mor e ilusão,

Porque o amor, esse espanto
De existência e amplidão,
Não se contenta, enquanto
Amor, em dar-se em vão.
Namorados, então,
Somos, graças ao encanto
Da aceitação, mas não
Por leis de convenção.
Aqui, na solidão
Do quarto, teço um canto
Com quadras, co' emoção,
Porque te amo tanto.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Juan Felipe Herrera : " Let Me Tell You What a Poem Brings" (Tradução de Adriano Nunes)

"Deixa-me dizer-te o que um poema engendra" (Tradução de Adriano Nunes)


Antes de ires mais além,
deixa-me dizer-te o que um poema engendra,
primeiro, deves saber o segredo, não há poema
para falar de, é um meio de atingir uma vida ilimitada,
sim, é mesmo fácil, um poema, imagina-me dizendo-te isto,
em vez de ir dia após dia contra as navalhas, bem,
os juízos, todos os tic-tac metálicos, uma jaqueta de couro
mensurando-te, o shopping, por exemplo, do lado
de fora  tu achas que estás sendo entretido,
quando entras, as coisas mudam, és surpreendido,
tua boca azeda, sentes sede, tuas pernas gelam
ainda eretas no meio de uma tormenta, um poema, claro,
está sempre aberto para negócios também, exceto, como podes ver,
não é exatamente negócios que lançam teu  espírito para
as águas alarmantes, lá podes banhar-te, podes brincar,
podes até juntar-se à algazarra - a bruma, isto é,
a bruma se torna central à tua existência.


Juan Felipe Herrera : " Let Me Tell You What a Poem Brings"

Before you go further,
let me tell you what a poem brings,
first, you must know the secret, there is no poem
to speak of, it is a way to attain a life without boundaries,
yes, it is that easy, a poem, imagine me telling you this,
instead of going day by day against the razors, well,
the judgments, all the tick-tock bronze, a leather jacket
sizing you up, the fashion mall, for example, from
the outside you think you are being entertained,
when you enter, things change, you get caught by surprise,
your mouth goes sour, you get thirsty, your legs grow cold
standing still in the middle of a storm, a poem, of course,
is always open for business too, except, as you can see,
it isn’t exactly business that pulls your spirit into
the alarming waters, there you can bathe, you can play,
you can even join in on the gossip—the mist, that is,
the mist becomes central to your existence.


HERRERA, Juan Felipe. Half of the World in Light. Tucson: The University of Arizona Press, 2008.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Adriano Nunes: "Do meu coração"

"Do meu coração"


Não mesmo te enganes,
Leitor apressado,
De modernos chamando
Os meus versos tantos.
Desde Homero os faço
E bem sei guardá-los
Nas auroras áureas
Da alma. Já nada
Posso te ofertar
Senão as palavras
Que já foram dadas
A Ulisses e Pátroclo.
Nem revelar a
Sentença mais cara,
Outra, além da água
Convulsa do mar
De Ítaca. Mas
Espero que saibas
Que deste meu canto
Poderá um átimo
De espanto brotar:
Talvez, assim, aches
Que, sem truques, amo
Totalmente a Arte, e
Da cápsula tátil
À carne, chamar-me
Possas, sim, de vate,
De poeta ou bardo.
Mesmo Aedo vale.
Se ao leres-me, à margem
De mim, nomear-me
Quiseres, por lapso,
De Safo, é claro
Que não estarás
Plenamente errado.
Sou todos e mais
Outros que virão
Do meu coração,
Depois de virada
A última página.


Adriano Nunes: "Caos"

"Caos"


Um
Útero
Único
Não
Devo
Mesmo
Ter.
Múltiplos
Moldes
De
Tudo,
Para
Tudo,
Até
Deuses,
Eus,
Em
Meu
Ser
Pro
Teu.

domingo, 7 de junho de 2015

Adriano Nunes: "Arte poética"

"Arte poética"


Primeiro, a pressa.
Depois, a prática.
Dessa maneira,
A poesia,
Em meus cadernos,
Aparecia.
Raio de sol
Sobre o que sou.
Nada de preces,
Regra e proezas
Mesmo supérfluas.
Só rima e metro
E estado estético
A dar sentido
Ao que era escrito.
Por fim, o íntimo
Destituído
Do próprio íntimo.
Uma alegria
Era poder
Ver as palavras
Ganharem, ávidas,
Asas, voarem
E repousarem
Na folha anêmica.
Quase cinema.
Na hora esperta...
Vem o poema.