quinta-feira, 25 de junho de 2015

Adriano Nunes: "Com o surgir da Arte" - para a minha mãe

"Com o surgir da Arte" - para a minha mãe


Eram duas ou três caixas
De madeira, daquelas
Que usam os feirantes
Para colocar frutas,
Minhas gavetas, cômoda
Em que guardava os livros
E as poucas roupas velhas -
A ilusão é a de antes!
Numa rua da Cambona,
A criança traquinas
Qu' eu era via festa
Em tudo: nos arames
Do muro, nas lagartixas
Esquisitas, no nada.
Hortaliças plantava
E aguava-as com o plástico
Dos soros descartados,
Com equipos usados
Do perigoso e exposto
Lixo da Santa Casa.
Inocente eu era.
Feliz demais eu era.
Ali, envolto pelo
Barulho do trem, pelo
Conforto do colchão
No chão, tive alguns sonhos,
Os do menino pobre
Que vê ser ouro o cobre
Dos fios descascados,
Que bem guarda pedrinhas,
Revistas de novelas,
Mapas, o metal prata
Do termômetro - a graça
De poder contentar-se
Com o surgir da Arte,
O que nem mesmo sabe,
No tapete da sala.



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