domingo, 27 de novembro de 2011

Adriano Nunes: ‎"Sorteio"

"Sorteio" 



O amor, o inaudito 

Ou isso que se 
Condessou em leis 
E livros, ou esse 
Vínculo propício,
Pleno, irresistível,
De desafiar 

O infinito, de 
Tecê-lo, acertando o
Recheio do ser


Alheio, no seio,
Por ser o que for,
Contrato, conflito,
Receio ou recreio,
Um cálculo exato,
Um rito, um sorteio
Entre tara e tédio,

Tragédia e temor,
Intrigas e medos,

Insônia e desejos...

Mesclado aos vexames, 

À verdade e aos vícios,
Entre devaneios,
Astúcia e artimanha, 

Misto de desculpa, 
Descuido, destino,
Porvir garantido,
Sonho, sangue, signo e 

Sentido tão íntimo,
Confesso: provei-o!




sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Adriano Nunes: ‎"às laringes de grafite" - Para Manuel Bandeira

‎"às laringes de grafite" - Para Manuel Bandeira



lanço-me às mil intempéries
do meu âmago, à mobília
disforme, do que me penso.
(como regressar à Ítaca?)

lanço-me a fazer um verso...
que reis não se renderão
às laringes de grafite,
aos silêncios de silício,

à minha ágil solidão,
à vez, sobre a escrivaninha?
que rompante romperá
os vis grilhões do infinito

esculpido na ilusão
de que enfim certo dará
toda essa investida, o sonho?
(como voltar à Macondo?)

quando as pálpebras pesavam,
quando as paredes pulsavam,
quando o impossível pendia
sobre a vida, uma armadilha:

a poesia arriscava-se
a vir, fragmentada, incógnita.
a sua efígie frágil ia
além dos rabiscos, riscos,

entrelinhas, entreveros,
instintos, instantes, íntimos,
em fuga. as folhas foram-se
(Como retornar à Atlântida?)

acumulando, alvas, ( pontes
para outro desassossego )
soltas, revoltas, fundidas
às tentativas vãs, quando

nada mais me interessava,
a não ser fazer um verso,
apenas um verso. insone,
atirei-me no vernáculo

à beira do catre, em busca
de algum resgate, a quimera
mágica: eis a tal palavra!
('Vou-me embora pra Pasárgada')







Adriano Nunes: "Do olvido, efígies frias"

‎"Do olvido, efígies frias"



Disseste, Euterpe, que tinhas
O infinito e dar-mo-ias,

Sem grunhidos ou gracinhas.
Contente, a sonhar, contente,

Entreguei-te as ladainhas,
Riscos, rimas, planos, patifarias,

Porque supus que vinhas,
Tão luzente, ligeira, ubíqua, urgente,


Inadimplente rainha,

Pra alicerçar, com ritmo, os meus dias.

Agora as ervas daninhas
Do olvido, efígies frias

Dos báratros dos acasos, violentamente,
Vingam e vibram, porque não vieste. E

Entre o mar de motes e as entrelinhas,
Ainda espero, alegre,  o que não me darias.





terça-feira, 22 de novembro de 2011

‎Adriano Nunes: "Ao imaginar que tudo isso é somente sonho"

‎"Ao imaginar que tudo isso é somente sonho"



Ao vale quando vou, Favônio me acompanha.
Levo a lira e a lembrança da jovem Erato
Em todo pensamento (o amor é mesmo exato!)
E canto o cosmo afora, a paisagem: a montanha,

Os campos, os desertos, o vivo regato,
O horizonte... A alegria é suprema, tamanha.
Euterpe e sua flauta têm-me (que façanha!)
E domam-me. Alguns Faunos veem-me estupefato

Diante dessa mágica música, aflito
Ao imaginar que tudo isso é somente sonho,
Artimanha de Baco, do vinho, do mito

(Esse tímido escrito que agora componho?)
Adormecido em mim, esculpindo o infinito
Que o grafite traduz, com um medo medonho.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Adriano Nunes: ‎"deleite" - Para Leo Cavalcanti

"deleite" - Para Leo Cavalcanti



de longe ao longo itinerário,
avançando, (voo ao âmago?) quântico,
para onde o sonho embrionário
salta à vista, um tímido cântico

atlântico. (sol? relicário?)
de leve ao lance ultra-romântico,
transcriando o corpo semântico,
o corpo, em gozo imaginário.

de lado a lado, o ser amado,
além do dicionário, (ufano?)
medido, sem meridiano,
paralelo, culpa ou pecado.

de lapso em lapso, o ser humano
lança-se ao inusitado, (instado?)
como se fácil fosse o fado
de acreditar no desengano.

de livro em livro, imenso hiato
é feito. (de feras, um bando?)
ou seria o homem se formando,
anônimo, afinal, abstrato?

de lida em lida, algum substrato
mágico fica à vida, a mando
do coração, (sempre o admirando?)
voltado ao olvido, animal, nato.



quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Adriano Nunes: ‎"eco-doppler" - Para a minha mãe

"eco-doppler" - Para a minha mãe


esse ruído rítmico
desesperado

- grito? -

é o meu coração
aflito, desafiando o

infinito.









Adriano Nunes: "Os bárbaros" - Para Fabiano Calixto

"Os bárbaros" - Para Fabiano Calixto




Os bárbaros
Abrigaram-se no báratro
Do meu cansado cérebro,
Deram-se às labaredas
Da vida,
Sem levantar bandeiras,
Sem um brinde qualquer.

Penso agora o silêncio
De silício - reerguido
Perante o emaranhado 

Desses circuitos íntimos, 
Condenados às constantes,
Aos conceitos da corte ,
Aos credores da morte,


Aos déspotas unidos,

Aos demônios dos dígitos -
E peso-o, agasalhando-me
Nos sóis do que me sinto.
Os bárbaros
Abarcaram os meus
Instintos, para tudo.

Desde os ofícios públicos
De fachada, fascista, à

Burocracia bruta
Dos bureaus literários
Água e cicuta, sempre
Dulcíssima, dos beat-

Níqueis comerciais,

Da crítica 

Antikantista, cítrica,
Dos deuses de grafite
Insuportáveis, mitos
Instantâneos dos atos
Repletos de  morfina e
Mofo, dos clichês chiques


À moda pós-moderna,
Disso, de mais e ainda 

Mais, do lixo, do nicho 
Mesquinho e 
Insalubre das salas
Das reuniões pra nada, 
Do surto psicoestético,
Salvaram-me



Os bárbaros.






Adriano Nunes: "À língua" - Para Hélio Pellegrino

‎"À Língua" - Para Hélio Pellegrino


De Sagres,
Singrava
O sangue
Ibérico.

O mar
Mostrava-se
Disposto a
Ser porto,

O lar
De um povo
Atlântico,
Além.





Adriano Nunes: "Como se não bastasse" - Para Antonio Cicero

‎"Como se não bastasse" - Para Antonio Cicero



No dorso móvel
Do monstro
Atlântico,

Verde-anil,
As três caravelas
Vão vagando.

Às vezes, as nuvens
Reverenciam o nume e
O infinito

Surge súbito
Sob formas diversas.
O caos

Causa ao lábio calcarino
Um medo líquido,
Ensolarado.

O corre-corre
(A via-crucis
Do convés), o salto

À vida, náufrago:
Até parece que
A bússola busca

Outro sonho magnético,
Outro solo submerso,
A Atlântida

Íntima,
Insólita, intensa.
Feito ímã,

Nasce a imagem
Da qui-
Mera mágica,

Através dos rumores
Da linguagem,
Enquanto o rumo

Dos barcos
Abriga-se no acaso
Temperado

Das intempéries.
Alimentados de além-porto,
Os marujos

Amarram-se a mares
Emaranhados,
Agora navegados.

Os sustos
Somam-se ao sumo
De tudo

E o mundo
Espelha-se miúdo,
Espúrio,

Na aventura prematura
De Portugal.
Singra o sangue

À procura da pátria
Tropical, sob a astúcia
De sagres.

As dez naus
Avançam... ( Gaivotas
Gritam, fazem graça

Na calota azulada)
Sem mistérios,
As velas vibram

Enquanto, de vez,
Fecha-se
A caixa de Pandora.

Quase ao fim,
Abril
Aborta Cabral

E sua esquadra,
Como se não bastasse
Mais nada.

Terra à vista!
Em porto oportuno,
O Brasil.





segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Adriano Nunes: "D'uma maneira inconfessa"

‎"D'uma maneira inconfessa"



O verso, com sua seta
De amplidão, tudo atravessa.
Talvez, seja mesmo dessa
Vez que o poeta pateta

Pasme-se co'a luz impressa
Em cada linha, a secreta
Voz que se desengaveta,
Uma cumprida promessa.

Prêmios? Ao vate interessa
O infinito quando o afeta.
De uma maneira inconfessa,

Só, decrépito, decreta:
Para que tamanha pressa,
Se a vida se esvai completa?



quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Adriano Nunes: "QUASE PARNASIANO"

‎"QUASE PARNASIANO"




DOZE PEQUENAS PARTES, UM DODECASSÍLABO.
PERDIDA AQUELA LÁ, SOMAM-SE ONZE SÍLABAS.
PARA O SONETO SÁFICO, UM HERÓICO
MOVIMENTO DE NOVE PARTÍCULAS:

UMA A UMA SONDAM OITO SONS,
QUASE QUEBRANDO A MAIOR
DE TODAS AS SEIS FILHAS,
MENOR REDONDILHA.

QUATRO UNIDADES,
OUTRAS TRÊS.
DISSÍLABOS?

VERSO UM
A
UM.










Adriano Nunes: "Atonement"

‎"Atonement"


Um dia tive a
Impressão de que amava
O mundo

E amei-o,
Sem receio.
Outra vez,

Tive a certeza
Disso -
Mero compromisso

Íntimo,
Profícuo, profundo -
Então chorei.





quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Adriano Nunes: "a flertar o que quer que seja"

‎"a flertar o que quer que seja"



emerge do âmago da terra,
a torre de pedra, perfeita
síntese de silício, feita
à beira-mar, que o ver encerra.

salta do solo, sequaz serra
sempre dada ao longe, sujeita
à voz da violência, insuspeita,
das águas, dos ventos, tal guerra.

resta da arquitetura, à vera,
o pó-silêncio d'uma igreja
destroçada, pós-voraz era.

d'algum horizonte se veja
'inda a pétrea fronte, severa,
a flertar o que quer que seja.






Adriano Nunes: "agora é uma lágrima"

‎"agora é uma lágrima"




o lance raro
outra vez adiado...

a hora era de fazer brilhar o
estranho espetáculo - o mágico

incendiando a platéia - o recado
dado às pressas, claro:

o inesperado salto
do roedor, que trágico!

o instigante instante (amado
pelo público - o templo lotado! -

odiado por seu autor, tal palhaço)
desfeito em embaraço.

o momento caro
dessa vez - entre risos - ovacionado

sob súbito susto. de fato,
quem esperaria o ágil ato

inesperado - desesperado? -
nem mágico

nem gente pagante - rápido
pulo do peludo coelho, plástico,

do caixote mal lacrado,
por descuido, trabalho falho

do assistente, agora xingado
por rompante telepático,

nessa noite de sábado?
o instante raro,

tantas vezes imaginado,
pôde enfim ser captado.




segunda-feira, 7 de novembro de 2011

"o que ainda deles ressoa?" - Para Lidia Chaib

"o que ainda deles ressoa?" - Para Lidia Chaib




outrora a mágica e a miragem
envolvendo a vida, escavando-a,
por ver que o sonho não perdoa
clichês... as ideias interagem

entre si, criando uma imagem
imprecisa, talvez, à-toa.
o verso? mundos amontoa
e infinitos, feito bagagem,

dele emergem e nele cabem,
não mera mensagem que soa
no âmago de qualquer pessoa.

as quimeras? que delas sabem
os fósseis vítreos da linguagem?
o que ainda deles ressoa?