domingo, 31 de maio de 2015

Adriano Nunes: "De alvoroços e dos gozos álacres"

"De alvoroços e dos gozos álacres"


Descobri-te em minha solidão.
Eras a carne tesa e a vontade
De sempre só ser. Eras o mar
E toda a amplidão azulada,
O movimento e o sal. Mas eu não
Sabia que mais te amalgamar
Iria em meus olhos, porque cada
Gesto teu, cada dita palavra
Eram o corpo de tantas tardes,
De alvoroços e de gozos álacres .
E tua língua a roçar o amar
Como se dissesse: já não há
Nada no mundo que nos separe!
E abrigamo-nos nessa ilusão.

Adriano Nunes: "Inter alia"

"Inter alia"


Madrugada.
Tudo passa
Pela lei
Da memória.
Cada lágrima
Que deixei
Cair só
A mim prova
Quanto nítido
Deva ser
Meu sorriso.
Tudo calha
Pela vasta
Lei do olvido.
Cada lágrima
Que deixei
Cair mostra-me
Qual ditame
Mais importa, e
Que viver
Dá-se inscrito
Em meu íntimo.
Tudo abarca
Tudo e alastra-se.
O que errei,
Meu se fez -
Quase carne.
Cada lágrima
Que evitei
Pôr na cara,
Foi-me cara.
Pus na alma!
Era o risco.

sábado, 30 de maio de 2015

Adriano Nunes: "Lido" - para André Marques

"Lido" - para André Marques


Grego voo
Sobre a Gávea.
Salto incerto,
Sobre os prédios
De conceitos...
E os concretos
Sóis do amor.
Ante a álea
Do que calha
Em um olho.
E perpassa
Ipanema
E o Leblon.
Que rasante em
Botafogo!
E não há
Mais ninguém.
Tudo é só.
Nem lugar
Que não passe
Pela rota
Semiótica.
Tudo importa.
Mesmo o ar
Das sinapses!
Elos soltos,
Pelos sons.
Depois, pousa
Para a prosa.
Pausa para
Novos gozos
Rente às nuvens.
E ressurge
Claro sobre o
Redentor.
Eis o voo
Do grã Pégaso.
Dizem ser
Feito um verso
Que ficou
Por ser feito.
Porém, digo-vos,
Bom leitor,
Que só pode
Ser o próprio
Verso, este,
Vede, ao norte,
Que passou
Quase agora,
Para a Grécia
Já de volta.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Adriano Nunes: "In totum"

"In totum"


Aqui,
Estou:
Despido
De véus
E vínculos,
Tentando
Fazer
Uns versos.
Até
De mim
Tão pouco
Restou.
Talvez
O amor
Mais solto,
Confesso.
Enfim,
Quem sabe,
Com arte,
De vez,
Eu passe
A ter-vos
No cerne
De um gesto
Complexo,
Composto
De enigmas
E tempos,
Pra que
Tenhais,
Só vosso,
O elo,
O ser
Que penso
Que sou,
Não menos -
De todos
Meus ais,
Propósitos
Estéticos.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Adriano Nunes: "Amor"

"Amor"


Que me importa
Se o meu fígado foi dilacerado
Por corvos ignotos?
Que me importa
Se a pedra que ergui
Agora rola veloz para baixo?
Que me importa
Se irei mergulhar no lago sem volta?
Ser Prometeu, Sísifo ou Narciso...
Quando se é. É só isso. É sério.
Tudo é tão óbvio!
Quânticos fígados!
Quantos esforços!
Quantos reflexos!

E beijei a face do meu amor,
Hoje, pela manhã, e em mim detive
A certeza de que não sou mais triste.

Adriano Nunes: "Aos meus quarenta anos"

"Aos meus quarenta anos"


Daqui
A pouco
Serei
Um outro.
De mim
Mais próximo,
De mundos
Mais solto.
Daqui
A alguns
Minutos,
Um moço
Com olhos
Marcados
De átimos
E Ítacas,
Serei.
Proteu,
Protótipo
Que fica.
E não
Terei
Apenas
Quarenta.
Contente,
Cantante,
Comigo
Carrego
Uns versos,
Mistérios
E vírgulas,
Pra quando
Nao mais
Preciso
For ser
Só velho,
O mesmo.
Daqui
A pouco,
Sorrindo,
Verei
A vida
Menino
Saudar-me.
Sou todos!
Ninguém
Duvide
De um vate!

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Adriano Nunes: "Remendos"

"Remendos"


Querendo ou não, ficou
A lembrança doída
Do que era pra ser
O amor.
As horas sem remédio,
Sonhos sem direção,
Fel que se alastraria
Dentro do coração.
De vasta covardia
Esse buraco negro.
Pois, leitor, tudo mesmo
Pode verte-se em verso e,
Aqui, alguns estão.
O que em ti não se deu.
Fincou-se em minha carne
Aquela rebeldia,
O que em mim tanto arde,
A bola já na trave.
Outro nó.
E eu
Só.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Adriano Nunes: "Sobre mim"

"Sobre mim"


Febre baixa,
Tosse pouca
E coriza
Que não para.
A voz rouca.
Ante a estante
Minha cama.
Que moleza!
Que enrascada!
Faço nada.
Bem de longe
Alguns livros
Botam olhos
De rapina
Sobre mim,
Como se
Perguntassem:
'Por que não
Estás dando-nos
Atenção?'
Outro espirro,
Comprimidos,
Um chá morno
De hortelã.
Quanto estorvo!
Pouco a pouco,
Ergo o corpo.
Analgésico,
Antitérmico,
E a manhã
Sequer pinta
Entre as frestas
Da janela.
Meia-noite,
Sono foi-se.

domingo, 24 de maio de 2015

Adriano Nunes: "Pra que a voz vingue"

"Pra que a voz vingue"


Para dizer o que tanto sinto,
Não preciso de metro preciso.
Eu sei bem disso.
Para expor quem eu somente sou,
Não busco as imprescindíveis rimas.
De mim, que dizem
Senão a plena perplexidade
De haver um suave som que cabe
Em um verso virgem?
Para engendrar quem mais me imagino,
Não procuro irresistíveis ritmos.
Pra que paraísos?
E, sob a solidão desta tarde,
Decassílabos tecer evito.
Tudo é olvido.
Eis que subitamente me atingem
Teus olhos sedentos e famintos
De nós e esfinges.
Vasculho os báratros do meu íntimo...
Só há restos de signos e mitos,
Silêncios vivos.
E oferto-te o que agora me invade:
Oito estrofes de densa saudade...
Pra que a voz vingue.

sábado, 23 de maio de 2015

Adriano Nunes: "Logo é nada"

"Logo é nada"


Na vida, que é tão fácil?
Não me respondas rápido!
Outras ilusões passam
Por baixo do farpado
Arame das esperanças
Que fere, fura e rasga
A carne do amanhã,
Como se fosse vã
A hora mais pensada.
Não me ofertes metáforas!
Como cansa dançar
A mesma dança inválida,
A que nos leva, lá,
Com os trôpegos passos,
Onde o sonho não calha.
Mas esta chuva abraça
Minhas métricas lágrimas,
Uma por uma, para
Que o verso delas parta.
Percebe: logo é nada.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Adriano Nunes: "Átimo"

"Átimo"

( I )

Solto
Do
Ser,
Só,
Dou-me
Aos
Vossos
Laços.
Vejo
Que
Riscos
Vingam
Mesmo
Válidos.

( II )

Como
Ter
De
Volta
Todos
Os
Versos
Que
Fiz
Para
Vós?
Como
Ler-vos,
Rápido?

(III)

Solto
De
Mundos,
Salto -
Ágil
Átimo
Que
Vai,
Súbito,
Aos
Báratros
Íntimos -
Para
Tudo.


segunda-feira, 18 de maio de 2015

Adriano Nunes: "A ti, à essência"

"A ti, à essência"


Sentenciado,
Tenho a cumprir
Estranha pena:
Tudo sentir,
Por teu amor,
Todo o devir,
Pelo embaraço
De estar atado
A ti, à essência
Do que restou
De algum esquema.
Puro poema
Que, astuto, li
Em teu abraço.
E que em mim acho-o.
Átimo e lábios!
Encarcerado
Por teu fulgor,
Lanço-me ao báratro
Do que só sou.
Delito máximo,
Sim, cometi:
Este de amado
Não ser por ti,
E, amar-te, amor!

domingo, 17 de maio de 2015

Gertrude Stein: "Tender Buttons [A Long Dress]" (Tradução de Adriano Nunes)

"Ternos butões" [Um longo vestido] (Tradução de Adriano Nunes)


Que é a corrente que faz maquinaria, que a faz crepitar,
que é a corrente que apresenta uma longa linha e uma cintura necessária.
Que é esta corrente.
Que é o vento, o que é ele.
Onde está a serena extensão, está lá e um sombrio lugar não é um
sombrio lugar, só um branco e rubro são pretos, só um amarelo e verde são azuis, um rosa é escarlate, um laço é tanta cor. Uma linha o distingue. Apenas uma linha o distingue.


Gertrude Stein: "Tender Buttons [A Long Dress]"


What is the current that makes machinery, that makes it crackle, what is the current that presents a long line and a necessary waist. What is this current.
What is the wind, what is it.
Where is the serene length, it is there and a dark place is not a dark place, only a white and red are black, only a yellow and green are blue, a pink is scarlet, a bow is every color. A line distinguishes it. A line just distinguishes it.


STEIN, Gertrude. Tender Buttons. New York: Dover Publications, 1997.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Adriano Nunes: "Outras fomes"

"Outras fomes"


Um querer
Pelo outro,
Feito troco
Ou dilema,
Qual um jogo.

Alvoroço
Pela pena,
Ou apenas
O giz grosso
De um esquema
Que não se
Apequena,
Por fazer-se.
Oximoro
De porquês
Que, tão logo,
Tudo encena.
Mesmo o óbvio
De um poema
Não é pouco.
Porque só
O poema
É que pode
Dar o norte
Pra o prazer.
Entre notas
Sem um tema e
Rasgos, nós
De propósitos
A romper-se.
Ó, labor,
Que dais gosto
De exercer!
Como posso,
Sem vós, ter-me?
Como provo
De mim, todo,
Sem saber
Que em vós, solto, o
Verso corre
Dos meus olhos
E, pra longe,
Foge? Como
Esquecer
Toda a hora
Em que exponho o
Mover do
Lápis - o esboço
Do meu ser -
Com amor?
Que propor
Senão novos
Horizontes,
Outras fomes
Ao leitor?

Adriano Nunes: "Não sairemos de lá?"

"Não sairemos de lá?"


Estou exausto. O balanço
Do barco, o destino manco
A vagar pelo mar, cada
Segundo que não passava.
E o medo. Sim, todo o medo
De os gregos desapontar,
De não valer a missão
Que irei, a pouco, dar cabo.
Egeu, meu pai adorado,
Deve a Zeus agora estar,
Uma por uma, levando
As preces. Este lugar
Assusta-me. Porém não
Devo temer mesmo nada.
Seis moços e sete damas
De mim dependem. E mais.
Atenas, meu coração!
Daqui, ainda do cais,
Vejo o edifício afamado.
Pedra sobre pedra, alto
Cárcere de curvas, quântico
Labirinto onde há
De Minos o Touro, o alvo
Do empreendimento dado
A mim. Que insólita imagem!
Pavor e glória interagem
Em meu ser. E a liberdade,
Estrela mor da viagem,
Dessa terceira viagem
À Creta. E, decerto, atado
A labirintos me acho.
Em mim há veredas tantas!
Sol a pino. O meu olhar
Volta-se a todos do barco.
Logo, juntos, ofertados
Seremos à aberração.
Que portento nos alcança
Senão fios de esperança
A unir o agora à amplidão
De viva interrogação:
Não sairemos de lá?

Adriano Nunes: "Solidão" - para a minha mãe

"Solidão" - para a minha mãe


Às vezes, sozinho,
Vejo qual caminho
É bom pra seguir.
Sem titubear,
Súbito, decido:
Parto, destemido,
Por trilhas de mim,
Porque, vejo, assim,
Posso desvendar
Quem me penso e sinto.
E, do labirinto
Do mundo, já livre,
Vou-me descobrindo e
Meus passos seguindo.

domingo, 10 de maio de 2015

Adriano Nunes: "Ode ao verso"

"Ode ao verso"


Aquela dor intensa
Aquela dor que dizes que sentes
Aquela dor que dizes que é intensa
Aquela que não mais aguentas
Cessa já
Cessará
Tudo digo tudo
Tudo tudo tudo
Aquela magna mágoa
Aquela mágoa que afirmas que tens
Aquela mágoa que afirmas que é magna
Aquela que não é de mais ninguém
Findará
Finda já
Tudo tudo tudo
Tudo digo tudo
Aquela raiva estranha
Aquela raiva que exaltas na fala
Aquela raiva que exaltas que é tanta
Aquela que parece à alma atada
Passa já
Passará
Tudo digo tudo
Tudo tudo tudo
Aquele amor exemplar
Aquele amor que exalas nas calçadas
Aquele amor que exalas ser mesmo eterno
Aquele amor que te tira do sério decerto
Sumirá
Some já
Tudo tudo tudo
Tudo digo tudo
A madeira o mármore o aço e o ferro
As estátuas o status o Estado o estilo
Os reinos repúblicas dinastias governos impérios
A pele a gordura a carne o osso o sangue o nervo o íntimo
Tudo digo tudo
Tudo tudo tudo
Rui já
Ruirá
Exceto o excelso verso
Que tudo tudo
Digo tudo
Tudo cantar

Adriano Nunes: "Está dito" - Para a minha mãe

"Está dito" - Para a minha mãe



Meu melhor
Verso tem
Três palavras

Que me são
Muito caras,
Vêm da alma:

Mãe, te amo
Tanto, tanto!
Eis seu filho

A tecer
Uns tercetos
De três sílabas.

Não estranhe
Se mais um
Acrescento,

Pra louvar
O momento
Que em mim há.

Outra estrofe
Pra o mais forte
Amor: amo-te,

Mãe. Seria
Infinito
O poema.

Mas eis que,
Com prazer,
Está dito!

Adriano Nunes: "De passagem"

"De passagem"


Um eu
Nunca é tido
Um ai
Nunca é tanto
Um ui
Nunca é todo
Um oi
É pra tudo

E o amor ia
Contente

sábado, 9 de maio de 2015

Adriano Nunes: "Tudo é começo" - para a minha mãe

"Tudo é começo" - para a minha mãe


À porta de mim sou só
Silêncios. E sons adentro.
Vez ou outra, peso e penso
Quem me sinto, este nó,
Os versos tantos que invento.
Sobra das horas o pó,
Porque jamais eu sou só,
Em mim há outros. E tempos.
Depois o pranto reverto
Em sonhos. Tudo é começo.
Que poderá ser maior?
Afago os meus olhos, deixo
Ainda o amor mais aceso:
Que poderá ser melhor?

Adriano Nunes: "Que é nada lembrar"

"Que é nada lembrar"


Entrego-me ao olvido,
Pra não ter mais que
Riscos correr, digo,
Pra bem te esquecer,
E afundo-me em livros
De poemas que
Lancem meu ser lírico
Pra além do esquecer.
O que for preciso
Canto, pois sei que
Tudo até possível
É pra te esquecer.
Dou-me inteiro ao íntimo,
Por acreditar
No certo alívio
Que é nada lembrar.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Adriano Nunes: "O amor à arte propenso"

"O amor à arte propenso"


Enquanto o poema penso,
Entrego-me à alegoria
De tudo que poderia
Ser, este oceano imenso
De paisagens e alegria,
O amor à arte propenso.
E louros e leis dispenso.
Escrever - que quereria
Mais? E imerso nesse universo
De rimas e metros, deito
O que me sinto no leito
Do que é incerto e diverso,
Mas que pode ser desfeito,
Para ser belo e perfeito.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Adriano Nunes: "Tristeza"

"Tristeza"


Por mais que tristeza indique,
A palavra triste triste
Não é. Nem mesmo sei se 
Há palavra que ser possa
Triste. Triste como estou
Agora. Certo é que rima
Com a imensidão de existe,
Que tem seis letras também.
Existem coisas que tristes
São. Mas as palavras não.
As palavras nos escapam
Sempre que podem. E podem.
E como nos deixam tristes!
Como nos deixam sem norte!

Adriano Nunes: "Álea"

"Álea"


Olhares trocados -
As nossas ações
Lançadas na tábua
Do acaso. Talvez,
Seja a minha vez
De pôr o desejo
À prova. São nove
Horas da manhã,
E sequer pensei
Ser a paixão vã.
Ah, outra rodada!
E os dados percorrem
As vastas estradas
Desse tudo ou nada
Preso ao coração.
Novos lances, novos
Jogos de ilusão.
Decerto, evitamos
Dizer por dizer,
Que nós nos amávamos
Tanto. Feito regra
Que era, mentimos
Para o nosso íntimo,
E perdemos tudo.
A língua, carente
De insólitos verbos
E saliva, fica.
A perspectiva
Duma outra chance
Rimada ou rompante
Salta da intenção.
E a dor, bem de leve,
Astuta, nos trisca
E grita: 'É a vida!'

Adriano Nunes: "Inescusável"

"Inescusável"


Querer que se acredite
Nessa imensa tolice
Da farsa esfarrapada.
As imagens exalam
A verdade, validam
A crua covardia,
A que eu não teria.
Depois, nada de lágrimas.
Depois, nada de impor
Ao fato incontestável
Que ele se enganou.
O peito até suporta
A primeira mentira.
Tira-a de letra e fica
Por isso mesmo, mas
A traição abjeta,
Torpe, dissimulada,
Que faz da gente nada,
Não pode ficar só
No teatro do amor.
Portanto, muito serve
Quando se é frio e breve
Na conclusão: já basta,
Dessa vez, acabou.

domingo, 3 de maio de 2015

Adriano Nunes: "À tua carne tesa, ao sal"

"À tua carne tesa, ao sal"


Como expande-se a madrugada...
Entre Ítacas e Pasárgadas,
És a vontade que não passa,
O delicioso pensar
Em não querer pensar em nada.
Mar de movimentos e olhares
Que se amalgama na palavra
Tara. E atiro-me à antiga tática
De num poema eternizar-te.
Treme a minha existência álacre.
E temo não poder lançar-me
À tua carne tesa, ao sal
Do teu infinito - O total
Êxtase da Arte ao cantar-te.

sábado, 2 de maio de 2015

Adriano Nunes: "E tudo eu só sentia"

"E tudo eu só sentia"


Quando de uns nós livre era,
Sentir era a Poesia.
E tudo eu só sentia 
E escrevia. Não havia
Momento pra a inspiração
Nem lugar certo. Não era
Como agora, com receios
E preocupação com ritmo
Preciso, e a métrica à testa.
Rimas ricas, como esta.
Nem sabia da existência
Da estranha palavra estética!
Cada verso meu calhava,
Súbito, na folha alva,
Qual chamado no portão
Da minha casa. Alegria
Era correr até lá,
Pra ver se era um amigo
A querer brincar comigo.
E como os versos ainda
Comigo brincam e brincam,
Quando penso que a canção
Na próximo instante finda!

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Adriano Nunes: "É mesma a Arte" - Para Quintus Horatius Flaccus

"É mesma a Arte" - Para Quintus Horatius Flaccus


E uma a uma,
Desabrocham as minhas crianças.
Perigosas, quânticas e tantas.
Fênix diária,

A existência, que me fere e afaga,
Revela-as para
A velha máquina
De escrever. Tudo é máscara e tarda,

Silêncio e ânsia,

Enigma e tática.
Erram raras rimas e metáforas
Pela folha em branco. Não me amansam.

E elevo o meu verso a um patamar
Que nenhum outro pode alcançar -
É mesma a Arte
Que de mim vale-se.