terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Adriano Nunes: "A vida, toda ela, no mínimo"

"A vida, toda ela, no mínimo"



Agarro-me aos gritos de silício
Das laringes do infinito e lanço-me, 

Bem antes que me ataquem, ao lápis.

Não vingo de aplauso ou paraíso.
Porque abrigo o amor nas Leis de Newton,
Não me fere a intempérie do íntimo.

Que risco 
desvendar o meu canto
Em único ato! O que me faço
É dar-me a ser  outro mais arisco,

Entregue a quem está ao meu lado.
Há muito, do que me penso, vejo-me
Liberto, leitor. Mas isso, o verso,

Vive violentamente comigo,
Sempre me amalgama em seu mistério:
A vida, toda ela, no mínimo.



Adriano Nunes: "Na euforia de um tempo diverso"

"Na euforia de um tempo diverso"




Entre livros e discos eu vivo,
Co' imensa alegria, atado ao verso
E à música, inteiramente imerso
No que quero, das musas cativo.

É desse cosmo contemplativo
Que parto de mim e me disperso
Na euforia de um tempo diverso:
Ai, não me tragam o sedativo!

Depois? noutro infinito me invento,
Liberto da dor, rente ao instrumento
De luz: lanço-me ao lápis e risco

- Em silêncio, permaneço atento -
A folha da memória e me arrisco
A fazer, quem sabe, um livro, um disco.








Adriano Nunes: "A ilusão que em mim o tempo já fora"

"A ilusão que em mim o tempo já fora"



Às vezes, preciso à vida dar o
Mágico sortimento, o instante raro.
Às vezes, é preciso fazer o
Verso resistir ao que tanto quero.

Ai, por que não sei mais onde pôr a
A ilusão que em mim o tempo já fora?
Será que o amor poderá vir à
Tona, sem medo, mancada ou mentira?

Não vês? Qualquer palavra me captura!





segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Adriano Nunes: "Oráculo" - Para Péricles Cavalcanti

"Oráculo" - Para Péricles Cavalcanti



Ai, devolvam Helena! A ilicitude
Da ilusão violentamente se ocupa
Do envaidecer.

Por que insistir em alterar o mundo,
A cada segundo, além do futuro,
Para sofrer?

Como supor o amor, sob tal perjúrio,
Enquanto muito distante dos muros,
Pouco há pra ser?

Por que tentar então mudar o rumo
Do auspício se, no fundo, nada muda
Para valer?

Como refazer as horas, de súbito,
Antes que adentrem Troia e queimem tudo,
Só por prazer?



domingo, 26 de fevereiro de 2012

Adriano Nunes: "Ocaso"

"Ocaso"


Acaso venhas,
Tudo estará
Como devia:

O sol pra sempre
Se pondo e pondo
Grave alegria

No coração
(Algaravia?)
De um outro dia!








Adriano Nunes: "outra valsa avulsa" - Para Paulo Sabino

"Outra valsa avulsa" - Para Paulo Sabino



Às três para as dez,
Ela se despede
De si, dessa sede
Íntima. Talvez,

Encontre o seu par,
À parte da pausa
Da valsa... O que causa
Certo mal-estar:

O salão vazio
Fê-la se servir
De dúbio devir,
Raiva e... Rodopio!

Às doze, por pouco
Não pira (que dor
pode-se supor
Agora?) por pouco...

Rasga a manhã tudo
No instante que surta
- A noite foi curta! -
Ante um mundo mudo.



sábado, 25 de fevereiro de 2012

Adriano Nunes: "para a vida a gravidade me puxa"

"para a vida a gravidade me puxa"



não me traga essa vassoura de bruxa;
não me trate às avessas com seu voo;
serafins, querubins, tudo isso enjoo...
para a vida a gravidade me puxa.

já cansei dos desvãos da metafísica;
não me privo das metáforas cruas;
aprisiona-me o vácuo das ruas
e nada me atravessa ou modifica.

tentei-lhe explicar razões sem feitiço,
fincando raízes em toda a terra.
- o céu que a tudo fere não cobiço,

pois nessa esfera etérea o ser emperra -
não me prometa um mundo movediço...
às vastas quimeras declarei guerra!





Adriano Nunes: "E não mais que isso"

‎"E não mais que isso"



Dar-te o infinito
Impresso, solto,
Em um sorriso e
Não mais que isso.


Depois ser claro
E esquecer mesmo o
Sol do teu corpo
Em qualquer outro,


Ante desejos
Descomedidos,
Saber-me inteiro,
Intacto, vivo.







quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Adriano Nunes: "Em único lance"

"Em único lance"



Apenas perdura
O amor... Entre o instante
Raro, resultante
Da aparência dura

Do animado amante, e
A mesma loucura,
A potência pura
De um flerte ofuscante.

O infinito? Tudo
Em único lance,
Mas fora do alcance.

Ó amor te saúdo!
Que teu sol avance
Multívago, mudo!








quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Adriano Nunes: "Desvendando a essência dura"

"Desvendando a essência dura"



Dar àquele instante a luz
Do amor que em todos produz
A alegria, dar à vida
A parte ainda sortida,
Ter, à tez do sonho, o tanto

De infinito de algum canto.
Dar à existência, o montante
Do ser: tudo é sufocante.
Deixar à vista o prazer
De poder se refazer

Do tédio do dia-a-dia.
Dar àquele cosmo o tom
De um gozo, do que é bom.
Soltar-se do medo, desse
Que só desgasta o interesse.

Romper a fronteira do âmago,
Esquecer qualquer estrago
Feito pelo coração.
Ai, que violenta emoção
Invade d'alma a estrutura,

Desvendando a essência dura
Do que outrora se desfez!
A saudade... Dessa vez
Dar ao pensar a leveza
De um verso, toda a beleza.






Adriano Nunes: "Deste instante raro"

"Deste instante raro"



Do teu corpo à tez
Do gozo, talvez
Exista um prazer
Pra nos refazer

Deste instante raro,
Co' o qual me deparo
Agora: é um dado
Muito complicado

Sobre o coração.
Apenas eu sei
Com qual emoção

Validar a lei
Da ilusão, mas não,
Nunca to direi!


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Adriano Nunes: "Eu não sei cantar cidades"

"Eu não sei cantar cidades"



Eu não sei cantar cidades.
A minha é bela.
Que bom para ela.
Possui pássaros tantos
De variados cantos,
Peixes exóticos que expressam ódio,
Pedras que gritam
Pelas pontas dos dedos,
Planaltos de altos e baixos,
Planícies de disse-não-disse,
Becos de palavras distraídas,
Ruas que precisam ser digeridas,
Uma ponte pênsil,
Postes postos em prontidão,
Praças que abraçam alegrias
E graças - Às vezes,
Algum incidente que machuca.
Gente?
Eu não sei cantar cidades...
A minha é bela.
Que bom para ela.


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

ADRIANO NUNES: "o infinito ou nem isso"

"o infinito ou nem isso"



alguns nascem para os esforços físicos
outros para estímulos do intelecto
alguns almejam os mais altos títulos
outros travam conflitos somente íntimos
uns vivem de razão
outros só de ilusão
muitos vivem à-toa
aqueles vivem só
uns têm sorte pra tudo
outros lançam-se ao mundo
alguém tem que sonhar
alguém tem que sofrer
alguém tem que se dar
alguém agora acaba de morrer

e os dias seguem suaves, pra todos
e os dias seguem árduos, para todos
e os dias nos tornam uns, alguns, outros,
alguém, muitos, aquele...

uns nascem para os esboços do corpo
outros surgem pra os apegos do gosto
uns atiram as pedras
outros flertam as flores
uns escondem tesouros
outros pulam o muro
um tem trauma cervical num mergulho
outro tem todo o tempo para tudo
alguns só somam, somem, se consomem
outros ainda precisam de um nome
alguém acende a luz
alguém entrega o ingresso
alguém está por perto
alguém agora aguarda mil porquês

eu? eu vingo de susto
vez ou outra me faço
na folha em branco, canto
o infinito ou nem isso -
apenas solto um grito...
em meu silêncio de silício, busco
palavras, peles de palavras, restos
de palavras, os sonhos das palavras...
os fósseis de palavras
e mais nada, nem vida
nem morte, nem sorteio
nem forca, nem revólver:
não me interessa nada
a não ser a palavra

mágica que me salve
do espetáculo inútil
de ser só quem me sinto.




Adriano Nunes: "Proeza XIX" - Para Haroldo de Campos

"Proeza XIX" - Para Haroldo de Campos



Vem ver o ver-
So se dis sol-
Ver nes se sol,
Sol to vi ver.

Vem ver o sol
Nas cer, re ver-
Ter tu do: ver-
So e se dis sol-

Ver (que fa zer?)
Num fler te, o ser
Teu, des fa zer-

Se, por só ser-
Vir ao pra zer...
O que é pra ser?



Adriano Nunes: "O corpo de Heitor" - Para Haroldo de Campos

"O corpo de Heitor" - Para Haroldo de Campos



O corpo de Heitor
Acha-se no chão,
Aos pés do varão
Grego, usurpador,

Sem vida. Supor,
Aqui, dar razão
A Aquiles é vão.
Arrasta-se, em dor,

Príamo, o pai, mas não
Choremos. Se for
A gosto de Apolo,

Heitor volta ao solo
De Troia. A intenção
Tem intenso amor.


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Adriano Nunes: "O poema" - Para Ferreira Gullar

"O poema" - Para Ferreira Gullar


O poema é
Essa sala de estar
Onde - desafiando o
Infinito -
Umas às outras, as palavras
Passam a se conhecer
Perigosamente melhor.








quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Eduardo Galeano: "Ventana sobre la utopía"

"Ventana sobre la utopía" - Eduardo Galeano



Ella está en el horizonte – dice Fernando Birri - .
Me acerco dos passos, ella se aleja dos passos.
Camino diez passos y el horizonte se corre diez
passos más allá. Por mucho que yo camine, nunca, nunca la alcanzaré.

Para qué sirve la utopía? Para eso sirve: para caminar.



"Janela sobre a utopia"
(Tradução de Adriano Nunes)


Ela repousa no horizonte - diz Fernando Birri -.
Percorro dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e todo horizonte corre dez
passos mais além. Por muito que eu caminhe, jamais, jamais a alcançarei.

Para que convém a utopia? Para isso convém: para caminhar.







In: GALEANO, Eduardo. “El Viaje”. Mini Letras/ H KliCZKOWSKI, primera edición: 2006., p. 61.

Eduardo Galeano: "Ventana sobre el cuerpo"

"VENTANA SOBRE EL CUERPO" - Eduardo Galeano


La iglesia dice: El cuerpo es una culpa.
La ciencia dice: El cuerpo es una máquina.
La publicidad dice: El cuerpo es un negocio.
El cuerpo dice: Yo soy una fiesta.



"Janela sobre o corpo"
(Tradução de Adriano Nunes)


A igreja afirma: O corpo é uma culpa.
A ciência afirma: O corpo é uma máquina.
A publicidade afirma: O corpo é um negócio.
O corpo confirma: Sou uma festa.






In: GALEANO, Eduardo. “El Viaje”. Mini Letras/ H KliCZKOWSKI, primera edición: septiembre de 2006., p. 21.

Adriano Nunes: "A pequena cidade" - Para José Mariano Filho

"A pequena cidade" - Para José Mariano Filho



Outra noite... Apenas
Pirilampos e postes põem-se à vida.
As laringes de grafite
O meu tédio abriga,
Esqueletos de ócios, as faíscas 

Da memória. Há
Uma singela alegria lá fora,
Talvez as estrelas
Ou breu ou o brilho 

De algum olho, outro
Brilho... Mas não sei,
Não sei, não sei não.
Pouquíssimo importa.
É noite. É noite. 


Nota-se o corre-corre a se esvair,
Disperso no ar, 

Nada do rastro dos monstros ainda.
A pequena cidade se despede
Da algaravia constante que a tudo 

Mais consome. O meu coração adentra
A estranha entranha dos silêncios de silício:
É preciso dar-me 

A tanto. Rapaz, por onde? Por onde?
Por que afagas o pranto das vitrines 

Despidas dos flertes,
Do comércio ululante, da existência 

De cores, transeuntes e transtornos?
Ai,  meu coração agora me esmaga!


É noite, e a treva se atrela ao cinema

Do inesperado, ao grã clichê das chances,
Ao farol do que me penso e corrói-me,
Fragmenta-me, finge 

Ser possível cantar-te, desenhar-te.
Ó noite, violenta noite sobre a cidade!
Ó vilarejo de medos e corvos!
Não vês, ó rapaz,
Tantas peripécias 

Feitas, as armadilhas, as quimeras,
Os assaltos de sombras, sacrifícios,
Pra dar-te, dessa pequena cidade,
O luar, o além?
Não vês? Já é noite!



Eduardo Galeano: "Primeras letras" (Tradução de Adriano Nunes)

"Primeras letras" - Eduardo Galeano



De los topos, aprendimos a hacer túneles.
De los castores, aprendimos a hacer diques.
De los pájaros, aprendimos a hacer casas.
De las arañas, aprendimos a tejer.
Del tronco que rodaba cuesta abajo, aprendimos la rueda.
Del tronco que flotaba a la deriva, aprendimos la nave.
Del viento, aprendimos la vela.
¿Quién nos habrá enseñado las malas mañas?
¿De quién aprendimos a atormentar al prójimo y a humillar al mundo?



"Primeiras letras"
(Tradução de Adriano Nunes)


Co' as toupeiras, aprendemos a fazer túneis.
Com os castores, aprendemos a fazer diques.
Com os pássaros, aprendemos a fazer casas.
Com as aranhas, aprendemos a tecer.
Co'o tronco que rolava encosta abaixo, aprendemos a roda.
Com o tronco que boiava à deriva, aprendemos o barco.
Co' o vento, aprendemos a vela.
Quem nos tem ensinado os muitíssimos males?
De quem aprendemos a atormentar ao próximo e a humilhar ao mundo?






In: GALEANO, Eduardo. “El Viaje”. Mini Letras/ H KliCZKOWSKI, primera edición: septiembre de 2006., p. 26.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Adriano Nunes: "Pelo ácido de algum instinto" - Para Andre Vallias

"Pelo ácido de algum instinto" - Para Andre Vallias



Há pouco, dei-me por vencido.
Não sou mais sequer quem me sinto
E até me perdi no lab'rinto
Íntimo do violento olvido.

Depois de encontrar-me roído
Pelo ácido de algum instinto
- Brincam mil dragões no recinto
Do coração - Quanto alarido!

É que, agora, as laringes são
De grafite e gozam por ser.
Ai, meu ser de nada se ser-

Ve! Tudo é mesmo para ver-
Ter em viva alegria, em ver-
So, surto, sorteio e ilusão.




segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

José Gorostiza: "La luz sumisa"

José Gorostiza: "La luz sumisa"


Alarga el día en matinal hilera
tibias manchas de sol por la ciudad.
Se adivina casi la primavera,
como si descendiera
en lentas ráfagas de claridad.

La luz, la luz sumisa
( si no fuera
la luz, la llamaran sonrisa )
al trepar en los muros, por ligera,
dibuja la imprecisa
ilusión de una blanda enredadera.
¡Ondula, danza y trémula se irisa!

Y la ciudad, con íntimo candor,
bajo el rudo metal de una campana
despierta a la inquietud de la mañana,
y en gajos de color
se deshilvana.

Pero puso el Señor,
a lo largo del día,
esencias de dolor
y agudo clavo de melancolía.

Porque la claridad, al descender
en giros de canción,
enciende una alegría de mujer
en el espejo gris del corazón.

Si ayer vimos la luna, desleída
sobre un alto silencio de montañas...
si ayer la vimos derramarse en una
indulgencia de lámpara afligida,
y duele desnatar en las pestañas
el oro de la luna.


"A luz submissa"
(Tradução/transcriação de Adriano Nunes)


Alarga o dia em matinal fileira
tíbias manchas de sol pela cidade.
Adivinha-se quase a primavera,
como se viesse à vera
em lentas rajadas de claridade.

A luz, a luz submissa
(se não era
a luz, sorriso tal premissa)
ao trepar sobre os muros, tão ligeira,
delineia a imprecisa
ilusão de uma branda trepadeira.
Ondula, dança, e trêmula se irisa!

E a cidade, com íntimo candor,
Sob as badaladas do metal rude
desperta da manhã a inquietude,
e em galhada de cor
muda amiúde.

Porém possa o Senhor,
ao transcorrer do dia,
essências de uma dor
e agudo cravo de melancolia.

Porque a claridade, ao se converter
em giros de canção,
acende uma alegria de mulher
em tal espelho gris do coração.

Se ontem vimos a lua, diluída
sobre um alto silêncio de montanhas...
Se ontem a vimos derramar-se em sua
indulgência de lâmpada afligida,
e pesa desnatar nessas pestanas
o tesouro da lua.






In: GOROSTIZA, José. "Poesía y Poética". Madri: ALLCA XX, 1996, p. 22 e 23.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

José Gorostiza: "Vuelvo a ti"

"VUELVO A TI" - José Gorostiza


AMADA, vuelvo a ti como de un largo viaje
con la frente ceñida por un buen pensamiento
y en los ojos ilusos mi ansiedad de paisaje,
Yo soy como un celaje
en las manos solemnes y rústicas del viento.

Y regreso a contar mis horas de fatiga
con esta voz opaca de extrañas lentitudes,
si junto a la ternura piadosa de la amiga
mi dolor es apenas un llanto de laúdes.

Y regreso, divina fontana de inocencia,
a tus nobles rediles,
mientras silban y cantan dos flautas pastoriles
los ensueños remotos y tristes de mi ausencia.

Porque es grato a los hombres reposar su tristeza
en un viejo poniente de labios de cereza
donde hilvana la Vida los hilos de su tul.
Y a la sed del viandante un recuerdo muy vago
es como la rivera cristalina de un lago
azul, azul, azul!

Y así, mientras mi canto más hondo se dilata
al arrullo de lentas penumbras vespertinas,
el amor en sus límpidos surtidores de plata
pondrá la voz y un rayo de luz en sus piscinas.

Pondrá un amor la voz de simples enseñanzas
y la luz de su estrella sobre el dulce regreso,
en tanto por mi boca trémula de esperanzas
despierta la sonrisa lejana de algún beso.

Porque un dolor oculto va conmigo de viaje,
todo pide y anhela descansar un momento.
Esta nube retorna al antiguo paisaje,
y yo soy un celaje
en la manos solemnes y rústicas del viento.



"Volto a ti"
(Tradução/transcriação de Adriano Nunes)


AMADA, volto a ti como de longa viagem
com a fronte cingida por um bom pensamento
e em olhos iludidos minha ânsia de paisagem.
Eu sou como miragem
nas palmas imponentes e rústicas do vento.

E torno a contar minhas horas de fadiga
com esta voz opaca de estranhas senectudes,
se bem juntinho à ternura piedosa da amiga
minha dor é apenas um pranto de alaúdes.

E regresso, divina nascente de inocência,
a teus nobres umbrais,
quando silvam e cantam duas flautas pastorais
os sonhos antigos e tristes da minha ausência.

Porque aos homens pousar sua tristeza graceja
em um velho poente de lábios de cereja
onde se tece a Vida dos fios de seu tule.
E a sede do viandante um lembrar mui vago
é como o perímetro cristalino de um lago
azul, azul que azule!

E assim, enquanto meu canto fundo se dilata
sob o arrulho de lentas penumbras vespertinas,
o amor em seus límpidos mananciais de prata
porá a voz e um raio de luz em suas piscinas.

Porá um amor a voz de simples ensinanças
e a luz de sua estrela sobre o doce regresso,
em tanto por minha boca trêmula de esperanças
desperta de algum beijo esse sorriso inconfesso.

Porque uma dor oculta vai comigo de viagem,
tudo pede e anseia descansar um momento.
Esta nuvem retorna à remota paisagem,
e eu sou tal miragem
nas palmas imponentes e rústicas do vento.





In: GOROSTIZA, José. "Poesía y Poética". Madri: ALLCA XX/SCIPIONE CULTURAL, 1996, p. 100.

Adriano Nunes: "Iunet Mehet"

"Iunet Mehet"


o sol se dis sol-
ve na li sa pe le...
áu reo pa pel e
vin ga o gi ras sol.

o sal des se as fal to
os as sal ta, sal-
ge ma la cri mal,
o pris ma mais al to.

do cos mo co bal to
ao grá cil fa rol,
cris tal ma ti nal

so bre o es tra nho sal to
da es tre la - la belle
de jour - o deus sol.




quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Adriano Nunes: "Pra tudo" - Para Fernando Pessoa

"Pra tudo" - Para Fernando Pessoa



Todos os dias,
Apareciam-me muitas perguntas,
Premeditadas,
Pensadas,
Sonhadas,
Sentidas,
Dadas ao tudo-nada,
Desenhadas,
Enfileiradas,
Enraizadas,
Juntas,
Sobre tudo.

Eu tinha nove anos e já
Sabia
- Ai, como eu sabia! -
A única resposta

Pra tudo:
Poesia.





Adriano Nunes: "Sem nenhum freio"

"Sem nenhum freio"



Assim estou,
Sem nenhum freio.
Outra luz veio,
Outro som. Ou...

Quem sabe mesmo?
Aquele tom,
Outrora bom,
Um sonho a esmo...

Quanto ecoou?
Enfim, eu vou.
Corvo me leio:

Sem fins, eu voo
Do cosmo ao meio.
Quanto me sou?



Adriano Nunes: "amor amor"

"amor amor"



imerso em mim
esse amor mor
amor amor
em verso enfim

amor melhor
amor marfim
imenso? sim
amor maior

e se só for
invento? amor
ainda assim

eu vou supor:
amor sem fim
haver em mim.




Adriano Nunes: "De um verso"

"De um verso" 



Estava 

A ver 
A tática
Atar-se 

À lida
De um verso.

Às vezes, 

Só era 
Preciso
Bater

Na trave,
Estar 


Disposto
A ter-
Minar 

O ver-
So, dar-se
Inteiro 


Ao ver-
So, estar

Entregue
A tudo,
A nada,
Pra ver-


Ter tudo

No vasto
Prazer
De um verso
Fazer.
E pronto:


Ver a
Estrela 

Maior 
Verter-se
Em mágica,
No íntimo,


Ter mesmo 
A vida
À mão,
Rascunho

Passado
A limpo.




Adriano Nunes: "Palavra ainda"

‎"Palavra ainda"



Palavra dita. A
Parede abriga
A imagem tímida
Da lagartixa.


Não se imagina
Que se agiliza

Uma descida,
Uma subida.
Transdita, rítmica,
Transita, à risca

Da réptil vida,
Atenta, arisca.

E, assim, arrisca a
Palavra, ainda.
E risca e rima e
Reinos rabisca.


Sons em perigo,
Ante o sentido,

O lance à  Língua,

Outra armadilha 

Sequer prevista.

O signo mínimo
Não se intimida

Perante a crítica.

E muda a métrica,
E mescla-a ao rito
Do que é preciso,
Logo em seguida:

A lâmina translúcida
Captura - que loucura! -
Libélulas belas,
Drosófilas tolas,


Pirilampos, à-toa,
Que voam, voam, voam...
Mas não se sabe, nesta tarde,
O que toda existência povoa.