segunda-feira, 30 de julho de 2018

Adriano Nunes: "Enfim, só sei que demais eu quis"

"Enfim, só sei que demais eu quis"


Já faz tanto tempo que perdi
O rumo que me levava a ti.
Sequer sei se fora um risco, um vício,
Enfim, só sei que demais eu quis
Livre ser e seguir por aí.

Mudei de lar, de lua, de lei,
Dei para sonhar comigo apenas.
Refiz canções  e rasguei poemas...
Na roda do rock do Infinito 
Entrei: dancei mesmo solto, vivo.
Assim que em mim me experimentei.

Ah, faz tanto tempo que adquiri
O sumo de tudo que há aqui.
Não sei se agora arrisco -  é isso! -,
Ou dou o fora... Sou mais feliz!
Certo é que irei me divertir.


Adriano Nunes

Adriano Nunes: Para a arte" - para Hélio Eichbauer (in memoriam)



Para a arte" - para Hélio Eichbauer (in memoriam)



Cada ato,
Cada gesto 
Mesmo gráfico.
Cada tela,
Cada área...
Tudo estreia!

Cada verso,
Cada imagem
No universo
De haver palco.
Do Estrangeiro 
A Abraçaço,

Até  às 
Caravanas.
Da grã verve
Tudo emana.
Do teatro
Mais dramático

Ao espetáculo 
Musical.
Quem os viu
Bem dirá:
Nada há 
Mesmo igual!

E, de lá,
Do profundo
Da saudade,
Rei da Vela,
Rio de Imagens,
Eis a lágrima. 


Adriano Nunes

Adriano Nunes: “Non sponte”

Non sponte


Não procuro a solidão 
Por gosto. Já decidido
Estava mesmo em mim, não 
Por opção, mas por Cupido.

As flechas gritavam: “ido
É o instante, pois só são 
Dos deuses vez e sentido.
Corre, que o amar é aflição!”

Não busco satisfação 
Que perdure além do Olvido.
Já me vi demais ferido
Por dizer sim, dizer não.


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Dize-me quem sou, oh dor!"


"Dize-me quem sou, oh dor!"


Oh, dia tenso e pleno de vazios dilacerantes!
A tensão tangenciou uma tristeza voraz  e transcendente. 
Perguntei-me, angustiado, se sempre tem que ser assim, se sempre tem que ser com muita dor e dificuldades, 
Se tem que roçar o nosso limite, a nossa existência. 
Nessa hora escura, dos corvos e das expectativas asfixiantes, 
O que fazer, onde buscar um bálsamo? 
Como procedem os sábios ante a tormenta do agora, 
Que ditam os manuais de virtude e sabedoria,
Onde a nossa humanidade mais intacta 
Se acha, para não nos deixarmos ficar
Abalados com as intempéries do acaso 
Ou do determinismo cruel das divindades? Fechei os olhos. Lembrei-me de Cristo,
Shakespeare, Montaigne, de Gracián, 
Do sábio de Concord, de André Comte-Sponville, 
De Sêneca e Cicero, de Kant e Nietzsche, de Jó, 
Das máximas e sentenças de La Rochefoucauld e 
Goethe, dos ensinamentos de 
Simone Weil e de Hannah Arendt, 
Dos Pré-Socráticos. De Platão e Aristóteles. 
De Spinoza. Da minha amada mãe. 
Tudo dói enquanto tudo. Respirei fundo.
Escrevi um poema em inglês. Um poema fraco, meloso. 
Queria dizer do meu amor pela poesia. 
Este amor mor que me mantém vivo. 
Se a poesia não tem finalidade, ela tem uma vasta função humana. 
Lembrei-me de Pessoa com toda a sua genialidade e amplidão 
Naquele quarto pequeno a ser mais 
Que tudo e todos. Lembrei-me da alegria 
Da liberdade da poeta chinesa, do resgate das crianças tailandesas. 
É preciso lembrar para o mundo doer menos. 
É preciso esquecer para a vida doer menos. 
É preciso cantar o instante que dói e dilacera
Para que haja a catarse necessária. Sempre
Estaremos cometendo erros. E sempre 
Estarão peremptoriamente a nos cobrar
Imperdoavelmente por isto como temos também cobrado 
Dos outros. A nossa moral falida a reconstruir
O espetáculo de horrores que engendramos
Em nós porque somos incapazes de reconhecer e respeitar
Aquilo que se distingue de nós, desde o símbolo ao ato, 
Desde a matéria bruta ao espírito, 
Desde a descrença à fé. 
A razão tem me salvado dessas dores, certamente. 
Tem-me dito: "calma, se for preciso, escreva e escreva... tudo passa". 
Lembrei-me de Vieira e dos Sermões. 
Dos versos de Bandeira e Baudelaire. 
Dos amigos que escrevem versos todos os dias por amor à poesia 
E, talvez, nunca venham a publicar um livro.
Lembrei-me dos horrores do fascismo e nazismo. 
Ah, lembrei-me de que preciso estar atento e firme contra tudo que me penso e sinto, se necessário, 
Para evitar o egoísmo banal e indiferente ao que não sou. 
Quis chorar. Quis voltar à infância já corroída pelo ácido das desesperanças. 
Quis sentir e sentir-me. Já é noite.
Assombram-me os vestígios de que falhei comigo a vida inteira! 
Aterroriza-me a frustração de haver outros em mim a que não pude dar vez ou chance. 
Quero gritar, e o grito é esta estética de alicerces que me desenganam de mim. 
Fui o que as minhas esperanças me choraram.
Fui o espectro das verdades que descartei enquanto estava a salvo 
De quem eu poderia ser sem meus assaltos de ilusão e tédio! 
Já é noite. Dez para as dez. Baco não veio 
Para comemorarmos os destinos das minhas tentações. 
Erato acena de longe com a sua lira. Estou só na escuridão do quarto. 
Tudo dói enquanto tudo. Tudo se desfaz em proeza e pressa, 
Porque angústias e pesos se acumulam em meu âmago. 
Tento afastar o abutre do fígado de Prometeu.
Ah, por que me atormenta fundo ser a pedra, a corrente, o abismo? 
Por que me destrói a facilidade de dizer isto com a clareza dos dias de sol na alameda,
Depois dos escassos horizontes de felicidade? Hoje foi um dia tenso. 
Quis mais de mim, mas sou o das saudades eternas,
O grego deslocado no tempo prestes a partir para Ítaca, onde já não há o tempo! 
Lembrei-me de que te amo. Ó, Poesia, 
Volta do absurdo e leva-me à fatalidade de ser!
Devolve-me o arco e a flecha dos desatinos rítmicos e métricos! 
Canta, oh, Musa ignota, a primeva ode qual bálsamo e devir! 
Oh, Olvido, faze-me ser devorado pela Esfinge
Antes que ela se precipite no báratro das minhas sinapses! 
Dize-me quem sou, oh dor!


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Because I love you so"

"Because I love you so"


I love you although 
My heart is hurt.
Oh how the arrows of Cupid
Are deliciously painful!
I love you of quantum love,
Of immense love and illusion,

Because love -
This astonishment of
Existence and width -
Does not satisfy, while
Love, to give itself in vain.
Love always has in its 
Quiver a myriad of wile.
It always wants more and 
More of everything.
Lovers, then,
We are, due to the charm
Of acceptance, but not

By laws of convention.
Here in solitude
Of my bedroom, 
I compose a song 
With verve and emotion,
Because I love you so.

Adriano Nunes

Adriano Nunes: "To challenge who I think that I am "


"To challenge who I think that I am "



How many times I got away from me
To feel myself more and more and deep!
How many times I have opened doors and windows
So that illusions to my heart come and stay forever!
Oh how many times I just wanted to sleep!
The sleep of the afflicted and hopeless lovers!
Suddenly I am already amalgamated to you,
To this immense different love, love for sounds and signs.
Oh how the metaphors of being that I am shine!
Oh, Poetry, you have possessed me so much, why?
What are you looking for in my mind?
Oh I have even hurt words, trying to sing love!
Why do you search my soul, like a typhoon,
Devastating my silence and what does not want to be mine,
Everything that in your honor I want to sing,
Revealing me whole, point to point,
As if you wanted to confess me
That I can only live if I am composing you,
To challenge who I think that I am?
Why are you giving me a new wing?
What do you really need to find?
Tell me, please, where is the end of the aesthetic line?



Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Despite this"

"Despite this"


And on this site
Very normative
And restrictive,
Prohibitive
And very punitive,
That gives us 
Fear and fright,
Where only reign
Ambiguous rights,
Grain to grain,
Principles and myths
Of free will, and pain,

Despite this,
Love - 
I tell you
That have dreamed 
Of the fury of 
The abrupt passions -
Goes around
Indestructible
And smiling.

Adriano Nunes

Adriano Nunes: "O dorso de Ζέφυρος"

"O dorso de Ζέφυρος"


Noite. Chove. Bach percorre os desvãos 
Do lar. São concertos para violinos.
Nada me importa agora. Nem o caos
Metafísico. Sequer os estragos 
Da solidão. Chove. Tem sido sempre 
Noite para o acaso das esperanças. 
Desde muito cedo. Quando a inocência 
Fazia festa em meu ser. São concertos 
Para violinos. Bach ronda as fronteiras, 
Os arredores dos alheamentos. 
Eis a Beleza. O ar mais atravessa 
O ar. Zéfiro chega. Tudo dói 
No instante intacto de haver a Beleza. 
Eis a grã Beleza. Zéfiro zarpa 
Sem pressa. Tento alcançar o seu dorso.
Para mim que importam a chuva e o cinza 
De tudo que se liquefaz em mim? 
Chove, e há a beleza contemplada. 
Chove. Bach me carrega nos braços. 
O som dos violinos mescla-se aos ecos 
Da chuva. Sim, preciso inaugurar 
Minha vida. Como ainda me caço?


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Uma canção de amor"

"Uma canção de amor"



Uma canção de amor
Como é que se faz?
Com que verve voraz?
Nos versos o que pôr?

Como fazer do amor
Uma canção veraz?
Ela mais nos refaz?
Que à métrica propor

Pra o átimo fugaz
Perdurar, por amor?
Como mesmo compor,
Co' ardor, o que nos faz

Perder o rumo, a paz
Até? Qual amador?
Quem, seja como for,
De escrevê-la é capaz?

Adriano Nunes

quarta-feira, 4 de julho de 2018

Adriano Nunes: “Freedom" - to my mother

“Freedom" - to my mother


Another rainy morning.
It seems that Favonius
To play is ready -
He is knocking on the door
Of my home now.
How he likes doors very much!
How to get away through
The doors and windows
Is all that matters to him!
He does not stop, 
He comes and goes and
Comes back, turns, 
And does not get dizzy.
Papers and pencils 
Are thrown into vacuum
Of his rapid movement,
And, to the ground, 
They are thrown,
Without any purpose.
I smile because I understand
That this is real freedom,
What we know of it.
And I let escape from
My being my thoughts.
See! They are, out there,
Playing with him,
This rainy morning!


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Descanso"

"Descanso"

Noite, eterna noite,
Não te assustes tanto
Com esta tristeza 
Que de meu ser salta,

Enquanto as estrelas,
Demais espalhadas,
Dançam sós a valsa
Tétrica, co' espanto.

Noite, etérea noite,
Ser dói, por enquanto!
Não te furtes das
Fábulas do açoite.

Noite, estou tão triste!
Não vês minhas lágrimas?
Não vês minhas mágoas
Atentas, em riste?

Adriano Nunes: “From Fortune"

“From Fortune"



Do not fool yourself,
Great Dante!
Fortune gives and takes,
As before,
Without any measure.

Do not deceive yourself,
Dear Homer!
Fortune changes
To the side that she only wants.
What a slippery divinity!

Do not be angry,
Good Cervantes!
Fortune is always friend 
Of instantaneous chances and 
She risks everything.

Do not be impatient,
Master Milton,
With the Wheel
Of Fortune which just gyrates 
For itself!

And you, bard Adriano,
See: what a strange fact!
Are you sad?
From the ashes of cruel surprises,
As a Phoenix, rise!


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Before the mechanics of nothing"

"Before the mechanics of nothing"



We are inescapably superfluous.
What can the machine of life
Before the mechanics of nothing?
However we have much to discuss!

Oh machinery of fury and flesh!
Oh wagon that is being filled 
With our poor outworn hopes!
Oh stage of horrors and fates!

At the mercy of what reaches us
We are, without an emergency exit.
And with sharp tusks Chance lacerates
And chews us. What can we do, thus?

Oh mechanism of clauses and gashes 
For ages established, without a switch!
Oh cruel arena of pity and fears in which
Being a laboratory rat is ineluctable!


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "I still do not know "

"I still do not know "



I did not have time for me
Because I did not know who
I was. I still do not know,
But I know that I also have
Time for that I think
I am at this implacable instant.

To me, that I am already that, here
I even dedicate all hours.
To eraser, pencil and sheet,
I give myself whole: it is the law
That I promulgated for myself.
In my writings other laws I do not follow.

Having infinity as an object,
Imagination as a way,
And beauty as a purpose, I believe
That in me I shelter a rare
Treasure: time as I want the most,
Which makes me write verses.



Adriano Nunes

Adriano Nunes: “Ser quem mais sou”

“Ser quem mais sou”

Muito demoro
A ser quem sou.
Por isso, rogo,
Não peça, por
Favor, pra logo
Eu ser um outro.
Ser muitos, lógico,
Sequer é pouco!
E estou já louco
Para, de novo,
Ser quem mais sou:
Aquele moço
Tão carinhoso
Que você, tolo,
Mais desprezou.
Em mim estou
Feliz e solto. 

Adriano Nunes: “Amar é pouco”

“Amar é pouco”


Entre o ser e o ser, o
Negócio. 
O ócio negado, roto,
O próprio propósito 
Posto a serviço do óbvio.
O espólio explorado, exposto
Aos olhos de todos.
Crescendo. Crescendo. Qual bolo
No forno, sob a ação do 
Fermento. Entre os clichês do ilusório. 
E o mistério, no meio, qual recheio nobre.
E o medo mesclado a algum norte.
E o horror de tudo enquanto tudo que nos move.
E o mofo. 
Dez para dez. Estou só. Muito sóbrio.
O ego quer entrar de vez no jogo,
Mas eu me suporto, 
Não deixo, e logo
Sufoco em mim os outros todos
Que alojo, além do corpo.
Sinto-me solto, e isto me desloca
Para a próxima tentativa de ser quem sou.
Eis o negócio, sob este necessário ponto:
Quem está refém de si mesmo agora
Que decidi abrir as portas
Do que nos desmistifica lá fora?
Não tenho modas. 
Não estou em promoção. Quem nota
Que a existência já deu a reviravolta 
Para tudo que em nós 
Mais de tudo em nós nos cobra?
Entre o ser e o ser, o
Negócio ótimo.
O ócio rejeitado aos poucos,
O próprio propósito posto
A serviço do outro:
Amar é pouco!

Adriano Nunes: "Do que se engendrou em tudo isso"

"Do que se engendrou em tudo isso"


Depois que tudo puder ser sentido,
Digerido, carcomido, absorvido, um misto
Virar, um corpo homogêneo nítido, digo,
Depois de poder ser  visto, querido,
Comentado, revisto, discutido, tido preciso,
Depois de ser tomado como bonito,
Moderno, harmônico, perfeito, vivo,
Depois de mostrar-se erguido
Do nada, de cada gesto, palavra, som, signo,
Depois de vingar formidável e infinito, 
Depois de dar-se intacto e indestrutível, 
De ser aclamado, louvado, aplaudido,
Depois de tornar-se verdade e rito,
Depois de ser direito, moral, vínculo, mito,
Depois de forjar o existir mais explícito, 
Depois de ser uno, múltiplos, íntimo 
Do que se pode dizer desde que houve início, 
Depois de fincar-se qual imponente edifício, 
Depois de ser planta, pedra e bicho,
Depois de muito e mais, quando indiscutível,
Chegar ao seu ponto máximo, no pico,
Quando o pensar estiver pôr um triz, no mínimo, 
Depois de sequer mesmo ter havido,
Quando estivermos convencidos,
Patéticos, prostrados, com precários risos,
A festejar o que não temos sido
E o que temos, sem dar conta do risco, do abismo
Do que se engendrou em tudo isso, 

O horror vem.