segunda-feira, 30 de abril de 2012

Adriano Nunes: "Liame" - Para minha amiga Adriana Calcanhotto

"Liame" - Para minha amiga Adriana Calcanhotto 

Lanço-me às delícias que são
Só ilusão. Um dia, 
Quem sabe um dia,
Atiro-me (Que pretensão!)
A tudo que eu mais pretendia...
E assim aprenda,

Com toda a minha rebeldia,
- Já liberto de qualquer venda -
Como se faz
Um lindo liame
De amor.
E tudo ame,

Seja lá o que for.
Porque é preciso
- Vale o aviso -
Nesse leva-e-traz,
Correr risco, improviso,
Ser solto, sagaz.

domingo, 29 de abril de 2012

Adriano Nunes: "O meu novo poema não será" - Para Antonio Cicero

"O meu novo poema não será" - Para Antonio Cicero 

O meu novo poema não será
Este em que me procuro desde já,
Não terá outro aspecto por se ver-
Ter em meu coração, todo o viver.

Se os seus versos assim sobrevirão,
Vingará, de grafite, tal verão,
Cada quadra, até não mais se deter-

Minar qualquer palavra por os ter.

Os ardis, os amores, alto mar
De sonhos, desses sons, tudo a somar,
O meu novo poema pode ser
Que não seja. O que almeja, pode ser..
.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Adriano Nunes: "O outro emergindo "

"O outro emergindo"



Erraram os sonhos...
E cada fragmento 

Do que me pensei
Fora uma alegria 

Gratuita, ajustável
Aos laços da língua.

Fabricar um verso
Era dar-me ao bálsamo 

Do fulgor de tudo 
Que o teu sol seria,
Compondo-me, amando-me,

Feito dois antípodas 

De sons e silêncios.
Um querendo ir 

Além e mais fundo,
O outro emergindo 

Do báratro bruto
Do próprio submundo.

Era um dia, fora
O dia... E passara o
Instante preclaro
Perante as delícias 

Do contato íntimo,
Pele sobre pele,


À saliva entregues,

Num mesclar de afagos,
Mais que entendimento e
Tara: a Poesia.
O gozo de sermos

Tinta, folha e imagens...

À margem das regras,

Espartanos, bárbaros
Ou dois macedônios,
Atados, atônitos,
Louvando, acampados,
Aquiles e Pátroclo?







terça-feira, 24 de abril de 2012

Adriano Nunes: "Estar na alegria imerso" - Para Antonio Cicero

"Estar na alegria imerso" - Para Antonio Cicero



Às vezes, o dia é só
Sol e a rotina de ser
Outro dia, por nos ser-
Vir de sonhos, desse nó

Que é a vida, soma so-
Ler(te) de tudo por ver.
E temos que até rever-
Ter-nos do infinito pó.

Às vezes, o dia é verso,
Esse estratégico estrondo
Em que o coração escondo.

Às vezes, é sol se pondo,
Doutra ilusão, reverso,
Estar na alegria imerso.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Adriano Nunes: "O resto é ruído" - Para José Mariano Filho

"O resto é ruído" - Para José Mariano Filho



O resto é ruído
É melhor o olvido

Etc e tal
E sons água e sal

Ó pobre e roído
Lobo temporal!




domingo, 15 de abril de 2012

Adriano Nunes: "Placebo" - Para Adriana Calcanhotto

"Placebo" - Para Adriana Calcanhotto



Projéteis profanam o céu de Gaza
Permanecemos em casa
Prostitutas transitam assustadas
Permanecemos sem fala
Por que aquele homem pede a si perdão?
Permanecemos na estrada
Ponte e prédios desfeitos na enxurrada
Permanecemos sem mágoa
Peruana é presa em Belém por tráfico
Permanecemos sem graça
Prorrogaram as provas, protestaram
Permanecemos e... Nada
Prometeram pagar hoje o salário
Permanecemos? Que calha?
Pesquisarão sobre a origem do mal
Permanecemos sob tralhas
Plantas, pássaros, peixes, povos passam
Permanecemos e... Basta?
Parece que o poeta quer calar
Pereceremos sem mágica.





sábado, 14 de abril de 2012

Adriano Nunes: "Que ele saiba mesmo o que é um voo"

"Que ele saiba mesmo o que é um voo"



Dizem que quando alguém está feliz
É porque viu um passarinho verde.
Não me importo com a cor da plumagem,
Nem me interessa se é mesmo miragem, 

Ou se aves felicidade valem.
Assim, ante a janela da varanda, 
Entre signos, observo estranhos cantos,
Não falas, vindos da conversa alheia
Que adentrara além da sala. Mas, dadas
As razões,  pra mim, apenas importa
Que a voar possa o passarinho verde,
Que ele saiba mesmo o que é um voo.








sexta-feira, 13 de abril de 2012

Adriano Nunes: "protótipo da tua ilusão"

"protótipo da tua ilusão"


então
queres que eu seja perfeito,
que não cometa nenhum erro,
que não tenha coração
para as delícias do coração,

que eu não tenha um
defeito sequer, não
pratique qualquer pecado,
que viva o engano gasto
de ser um protótipo

da tua ilusão?
e depois?
e depois do abandono,
dos escombros sombrios
da solidão, do silêncio

de silício, do desassossego
explícito, de estar perdido,
de não ter mais
escolhas, vontades, e só
ter pela frente o íntimo roído,

os meus sonhos que serão?
pretender quem me penso
prefiro, desafiando a fio
o infinito,
lançando-me ileso

ao báratro propício
que em meu âmago abrigo,
sem ter que te dar
quem me sinto,
qualquer satisfação.

então queres
o núcleo de tudo?
o verso não inventado?
as laringes de grafite?
o meu pranto?

as pedras,
os deuses,
as máquinas
sempre almejaram arder
humanamente.




Adriano Nunes: "do desejo" - para Antonio Carlos Secchin

"do desejo" - para Antonio Carlos Secchin



as pedras,
os deuses,
as máquinas...
sempre desejaram arder
humanamente.










Adriano Nunes: "Era para escrever outro soneto"

"Era para escrever outro soneto"


Era para escrever outro soneto.
Coisa alguma vem à
 mente, só esta 
Bruma deprimente a encarcerar a 
Vigorosa vontade de alcançar-me.

Sem espreitar mentiras ou verdades,
O que obscuro ser possa, signo duro 

De roer, a alegre astúcia não serve
Mais. Era pra só dizer eu te amo 

E pronto, sem enfeite, sem feitiço,
Sem rima final ou metro preciso,
Etecetera e tal. Apenas isso.


Ante os frágeis fragmentos do pensar,
Todo o amor revela-se, vinga e vale-se 
Do silêncio imanente das palavras.





Adriano Nunes: "Ele estava triste" - para a minha amada mãe

"Ele estava triste" - para a minha amada mãe



Ele estava triste.
Muito triste. Disse-me a
Voz veraz da velha, 

Que em si se valia
De, enfim, roçar a

Tez da poesia.

Porventura, só
Após anos e 

Anos, entre riscos,
Rascunhos e regras,
Resquícios de prantos
E papéis sangrando 


Tédios e romances 
Que não davam certo,
Só depois de tanto
Reler e imergir
Naquilo que não
Teria sentido,


Sentiu um aperto

No peito, um estrondo
No íntimo, um frio,
Outro calafrio
A alastrar-se, rápido,
Pelo corpo todo,

Dos pequenos pés
Aos frouxos finíssimos 

Fios do cabelo
Aparado, negro,
Como se estivesse
Ante o grã mistério.

Ele dependia
Da vista sem cárceres

E amarras, da vida 
Que o impregnava, nítida,
Palavras e enigmas,

Êxtase e palavras.

- A janela e tudo
Que vinga através 

Dela - a expectativa 
De entregas intensas,
Quimeras sem vez,
Vontades sem voz,


Sombras sem sossego,
Ao espelho, defronte.
Não era ninguém.
Ninguém o notava.
Ele estava triste...
Muito triste, disse-me


A velha que se 

Valia do sol 
Da vasta alegria
De tê-lo adorado.
A janela, e tudo
Que vinga através...

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Adriano Nunes: "da felicidade"

"da felicidade"


às vezes, salto à janela
e observo o

infinito
através dela. pouco sei

do labirinto de creta,
das crateras da lua,
dos fósseis da sibéria,
dos dragões que partiram

nessa manhã.
fechei os olhos e
voltei

a sentir-te...
miragem? algo envenenado
que alguém me disse.
não me importo.

às vezes, espero o
sonho seguir o caminho
certo.

corro à janela e tudo é
outro horizonte,
porque só há o meu

coração
violentamente a romper
o instante.

que tanto o desespera?




domingo, 1 de abril de 2012

Adriano Nunes: "convocação"

"convocação"


mesmo não se
sabendo a que,
em qual data,
em qual lugar,
se em alto
mar, prédio, ponte ou praça,
se sob a mirada do sol,
se sobre tapetes da pérsia,
se lá na pedra da gávea
ou na grande muralha.
vieram

os velhos, trôpegos,
co'os restos mortais das ilusões,
homens viris, de bíceps fortes,
mandíbulas moldadas, barbados,
crianças, muitas crianças, todas,
talvez. festa e brincadeira?
périplo? préstito fúnebre?
carnaval? jovens de tez firme,
uns alegres, outros cansados
da mesma alegria.
vieram

os porcos, as vacas, os bichos
de casa. mesmo não se
sabendo pra que, em qual hora,
com que sentido,
se apenas isso ou o in-
finito, ali, ao longe, além, pra quem?
se sob a mirada do caos,
se sobre a areia do saara,
se lá no teatro colón ou
num puteiro em guadalajara.
vieram

oxímoros, óxidos de silêncios
íntimos, paradoxos,
proteus, protótipos, catarses,
anamneses, ditos repetidos,
imagens, miragens, mixagens,
dragões, libélulas loucas, cactos vítreos,
vícios ( eu os vi!)
conchavos, perigos, instintos,
lances, libidos, sonhos,
não se sabendo
o porquê.

assim, tudo...
público, explícito,
dissecado, expulso, revirado,
numa algaravia ululante,
numa babel quântica,
porque tinham anunciado,
porque era preciso
que todos dessem por isso,
mesmo não se
sabendo no que daria
o chamado da poesia.




Rafael Cadenas: "Ars Poética"

"Ars Poética" - Rafael Cadenas


Que cada palabra lleve lo que dice.
Que sea como el temblor que la sostiene.
Que se mantenga como un latido.

No he de proferir adornada falsedad ni poner tinta dudosa ni añadir
brillos a lo que es.
Esto me obliga a oírme. Pero estamos aquí para decir verdad.
Seamos reales.
Quiero exactitudes aterradoras.
Tiemblo cuando creo que me falsifico. Debo llevar en peso mis
palabras. Me poseen tanto como yo a ellas.

Si no veo bien, dime tú, tú que me conoces, mi mentira, señálame
la impostura, restriégame la estafa.
Te lo agradeceré, en serio.
Enloquezco por corresponderme.
Sé mi ojo, espérame en la noche y divísame, escrútame, sacúdeme.

"Arte Poética"
(Tradução de Adriano Nunes)

Que cada palavra leve o que diz.
Que seja como o tremor que a sustenta.
Que se mantenha tal qual um ritmo.

Não hei de proferir adornada falsidade nem pôr tinta duvidosa nem agregar
brilho ao que é.
Isso me obriga a ouvir-me. Mas estamos aqui para dizer a verdade.
Sejamos reais.
Quero exatidões assustadoras.
Tremo quando penso que me falsifico.
Devo considerar minhas
palavras. Possuem-me tanto como eu a elas.

Se não vejo bem, dize-me tu, tu que me conheces, minha mentira, mostra-me
a impostura, esfrega-me a fraude.
Agradecer-to-ei, é sério.
Enlouqueço por corresponder-me.
Sê meu olho, espera-me na noite e divisa-me, escruta-me, sacode-me.




Rafael Cadenas: "Lenguaje"

Rafael Cadenas: "Lenguaje"


Lenguaje
emanado

puntual

fehaciente,

no el engaño
de la palabra que sirve a alguien.



"Linguagem"
(Tradução de Adriano Nunes)


Linguagem
emitida

pontual

confiável

não o engano
da palavra que sirva a alguém.