segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Adriano Nunes: "Pra a viva vinda" - para o filhinho do amigo Richard

"Pra a viva vinda" - para o filhinho do amigo Richard


Não tem ainda
Um nome, mas
Na lista infinda
Do existir faz
Valer a dádiva
Dos caros pais.
Vasta alegria
Avança o dia
Com a notícia
De que já já
Um menininho
Belo virá.
Eis que o pensar
Todo o infinito
Dá-se em carinho:
Berço, brinquedos,
Beijos, biquinhos,
De amor um mar.
Do amigo Richard,
O filho, em versos,
Sem nome ainda.
Nascer é ético!
Pra a viva vinda
Mais festejar!

domingo, 30 de outubro de 2016

Adriano Nunes: "O que o meu coração queria" - para a minha mãe

"O que o meu coração queria" - para a minha mãe


Não há mais
Os antigos cadernos de poemas
Onde eu rabiscava o que
O meu coração queria.
Onde era possível não querer
Dar significados à alegria.
Versos sem quaisquer pretensões.
Tudo já era mesmo poesia!
Versos que me desafiavam
Com sua astúcia peremptória
De não seguir regra alguma, de sequer
Entender o porquê de ter que haver
Regras para o que a pena valeria.
Eram a passagem só de ida para Ítaca.
Eram a passagem para a pracinha interiorana.
Eram o boicote à dureza do instante
Em que tudo pesava por ser tudo.
A prima descoberta
Do que me sentia e pensava.
Ah, as tolices rimadas!
Ah, as declarações de amor nunca ditas!
Estava tudo ali.
Os reis que nunca pude ser.
As batalhas aéreas em que jamais combati.
Os poderes fictícios e amados da invisibilidade.
A Medusa que me encantava tanto.
Os acrósticos sentimentais e ingênuos, sem ritmo,
Sem olhos para os descasos dos acasos
E das mudanças de endereço.
A babel de ideias e metáforas para
Abraçar as delícias do corpo.
O que era uma metáfora?
Não há mais os cadernos das quânticas quimeras.
Neles fui a criança ante a porta
Dos desassossegos do tudo-ou-nada,
Com o seu raio de infinito e irreverência,
Sem receios, sem amarras.
Ah, nesta madrugada chuvosa,
O que, além da existência, me consola?

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Adriano Nunes: "Mercado"

"Mercado"

Ergue-se
O sol
Sob a
Batuta
Dos galos.

Um dia
A mais
De canto
Enquanto
Não muda o
Mercado.
Ainda
Não é
Natal!
Mal sabem
As aves
Dos seus
Destinos
De carne
Rentável.
Será
Que cantam,
Tão cedo,
Seus medos
Da morte?
Quem sabe
Apenas
Estejam
Sonhando
Em ser
Qual sol:
Que brilha,
Ao longe e,
No ocaso,
Só, some.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Adriano Nunes: "Oráculo" - para Alice Ruiz

"Oráculo" - para Alice Ruiz

Que chances reais
Têm estas palavras de
Formar um haikai?

domingo, 23 de outubro de 2016

Marianne Moore: "Talisman" (Tradução de Adriano Nunes)

"Talismã" (Tradução de Adriano Nunes)

Sob um mastro estilhaçado,
de navio e arremessado
perto de seu casco,
um pastor trôpego achou
no chão enterrada,
uma ave de praia
de lápis-lazúli,
um esc’ravelho do mar,
com as asas esticadas
curvando os pés de corais,
pondo o bico pra saudar
homens que não vivem mais.


Marianne Moore: "Talisman"

Under a splintered mast,
torn from ship and cast
near her hull,
a stumbling shepherd found
embedded in the ground,
a sea-gull
of lapis lazuli,
a scarab of the sea,
with wings spread—
curling its coral feet,
parting its beak to greet
men long dead.

MOORE, Marianne. Complete Poems. New York: Penguin Classics, 1994.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Adriano Nunes: "Destino" - para a minha mãe

"Destino" - para a minha mãe


Quis o
Destino
Que, desde
Menino,
Eu fosse
Poeta.
Agiu
Sem pressa:
Anzol
Na perna,
Quebrei
Um dente
Durante
Grã queda.
Caí
De testa
No piso
Da sala.
E sem
Saber
Bebi
Veneno
De mosca e
Barata.
Qual suco
De uva.
Com sede
Estava.
Criei
Mais asas!
Fugia
De lutas,
Subia
No teto
Da casa
Pra não
Ir mesmo
Pra aula.
Até
Que um mapa
Chegou
Do nada.
As dores
Diversas?
Do ouvido,
Ao bucho,
Ao pé
Torcido.
Assim
Fez tudo
Que era
Preciso:
Caí
Em mim
Como quem
Cai em
Um poço
Infindo.
Fui outros,
Enfim.
Agora
Bem ouço
Um eco
Vir do
Mais fundo
Do poço:
"Ei, moço
Crescido,
Mereço
Uns versos.
Por isso,
Aviso:
Não brinque
Comigo!"

Adriano Nunes: "Deleite"

"Deleite"


Não há data para o poema.
Não há lugar para o que se engendra
Em um poema.
O que é que há de durar milênios
Senão os abalos sísmicos da pena
Sobre a folha anêmica?
O que a todos pode surpreender
Senão a passada lenta da existência?
Não há nada que possa desafiar o poema.
Nem da razão o imponente império.
Nem da religião os rígidos reinos.
Sequer o silêncio primeiro.
Sequer da ambição o veneno mesmo.
Com um poema é possível dizer
Que te amo sem dizer o que
Quer que seja
Ainda que dito esteja.
Trouxeram-me azaleias e açucenas,
Em troca da minhas certezas.
Aceitei. Daria até minha cabeça!
Ah, o labirinto de reticências!
Ah, o peso de não ter vendas!
Por que vieste?
Entraste, aqui, sem fio qualquer?
Sair do infinito, como queres?
A palavra é leve e
Fura e afunda e vai mais fundo e até
É mais do que é.
Quando no poema,
Dá-se plena.
À tez da vez,
Talvez, melhor seja
Conceber-te ao concebê-la.
Com que proeza
Ante os portões áureos da beleza?
O que pensam poder os conceitos
Quando postos frente
A frente com odes ou sonetos?
"Eu te amo" dizer-te
Como quem ir quer
Da casca ao cerne
Atrás de
Destinos, desejos,
Delírios, acasos acesos...
Um deleite
Feito
Este.

Adriano Nunes: "Ars poetica"

"Ars poetica"

Não é porque
Triste está-se
Que o poema
Triste tem
Que ser. Nem
O in-
Verso também,
A saber.
O que é
A verdade?
Vejam bem:
Se alguém
Encontrar
Algum vestígio
De lágrima,
De lide,
De raiva
Ou riso
Em riste
No que, aqui,
Fora escrito,
Extirpe-o e
Não me
Avise.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Adriano Nunes: "Os leões de Arkmesh" - para Carmen Silvia Presotto

"Os leões de Arkmesh" - para Carmen Silvia Presotto


"Venham, venham, venham
Pra o circo Verstehen!
A ilusão começa 
Hoje! Venham! Venham!"
Assim foram becos
E as ruas pequenos
Tomados. Não menos
Corações e mentes.
(Caro leitor, tenha
Paciência. É
Um poema apenas.
A vida e as emendas!)
Sonhos quase sempre
Eram já momentos
De jaulas e feras,
Clowns e brincadeiras.
Os leões imensos
Entre tantas feras
Estranhas bem eram
A atração na tenda
Mágica de Arkmesh.
De ond' ele veio,
Sabe mesmo quem?
Arkmesh era um deus,
Relatam aqueles
Que o mais conheceram.
Dos que sempre pedem
Tudo em troca, até
Mesmo a alma. Dele,
Sabe-se a parcela
Necessária, tendo
Em vista que ser
Um deus é não ser
Conhecido. Mesmo
Que, pra isso, o jeito
Uno tenha que
Ser deixar morrer
Todos, sem a pena
Dos homens, sem que
Lágrimas despenquem
(Meu leitor, não se
Arrependa. É
Um poema apenas.
O amor - que o alimenta?)
Dos báratros éticos
Do arrependimento.
De lado, deixemos
Arkmesh! Até ele
Vítima das gentes
É. Sim, todo deus
Vítima é também
Daqueles que os geram.
(Pobre leitor, perca
A inocência! É
Um poema apenas.
O amor é qual fenda!)
De repente, fez-se
Eco, nas conversas,
De que os gatos de
Uns fidalgos vêm
Desaparecendo,
Sem deixar quaisquer
Vestígios. Ah, era
Isso que os cientes
Das leis do amor pleno
Temiam! Pois que,
Por gatos que erram
E somem, mil crenças
E dez mil suspeitas
E vis preconceitos
Podem brilhar, desde
Que um só, alguém,
Um testa-de-ferro
Seja. E jamais deu
Outra: o circo era
Mais que testa, a fera
Inteira, estrangeira.
Mas fácil dizer
Os culpados, tê-los
Sob mira dos dedos.
(Cego leitor, deixe
De insistência! É
Um poema apenas.
O horror de que lembra?)
Os leões, primeiro.
E todos morreram.
Ah, sem sorte Arkmesh!
Deus sem as proezas
Do negócio eterno!
Era pouco. As gentes
Furiosas, pelos
Gatos, tinham que
Punir mais, exemplos
Dar - era a maneira
Mais lúdica - pensam
Ainda! - de ser
(Ó leitor, não se
Surpreenda. É
Um poema apenas.
O terror na essência!)
Imagem, reflexo.
Mataram Arkmesh.
Um leão não serve.
Mataram a ideia
De existir Arkmesh.
Todo o circo, enfim,
Foi queimado. Resto
De ingênua quimera
Paira sobre o flerte
Da ordem do tempo.
Um leão, por vez.
Dizem que pra sempre.
(Leigo leitor, tenha
Mais clemência. É
Um poema apenas.
O horror nos engendra!)

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Adriano Nunes: "Cheia de si"

"Cheia de si"

Como encher o
Verso de lua,
Se não atua
Sobre o que quero,
A noite nua?
Como encher o
Olhar de mero
Olhar pra rua?
Cheia de mim,
A vasta lua
Lança-se, enfim,
Sobre um vão fim:
Ser minha ou tua,
Enquanto lua.

Adriano Nunes: "Em mim" - para a minha mãe

"Em mim" - para a minha mãe

Cair
Da cama
Tão cedo.
Na bolsa,
Os livros
E os textos -
Sóis do
Mestrado.
Manhã
Passando
A passos
Ligeiros.
Foi quase um
Disparo.
Ainda
Estou
Inteiro?
Que anseio?
Apenas
Ir para o
Trabalho?
O ponto
Bater
No horário
Exato?
É, tudo
Tem sido
Marcado
Por riscos.
Sem pressa,
A noite
Desprende-se
Do báratro
Infindo.
O caos
A pino.
Fazer
A prova
Que prova?
Que esforço
Sináptico,
Agora,
À lida
Não tenho
Imposto?
Direitos,
Deveres -
Devoro-os?
Acerto-me
Em cheio,
Enfim.
Percebo
Que estou
Corizando,
Febril.
Retorno
Pra casa.
É sempre
Assim:
É tudo
Pra tudo
Ou nada
Em mim

Adriano Nunes: "A palavra" - para Antonio Cicero

"A palavra" - para Antonio Cicero


A libélula,
Bela como
Ela é,

Leve como
Ela é,
Foi lagarta

Até. Como
Ela voa
Tão libérrima!

Grita o verso
Incompleto:
"Volta, volta!"

A palavra,
Já cansada
De ter asas,

Pousa na
Folha alva.
O que a aguarda?

domingo, 16 de outubro de 2016

Adriano Nunes: "A Troia não mais retorno" - para Alberto Lins Caldas

"A Troia não mais retorno" - para Alberto Lins Caldas


Sim, eu não mais volto
Para a angustiada Troia.
Esqueçam-se do meu nome
Porque o esqueci em mim hoje.
Nada pude e ninguém pôde.
Até que tentei e logo
Fui banido, a abutres posto.
Por que não me calei? Por
Que afrontei o filho novo
De Príamo, o belo moço,
Por Helena muito louco?
Ah, deuses cruéis e tolos!
Por que aliciam os homens
Com grãs promessas de amor?
Para que fui bem expor
A artimanha e todo o jogo
De Afrodite? Não foi pouco,
Admito. O ser dói agora,
Por ser o pó da memória.
Ah, terei que ver, de longe,
Outras Troias sob o fogo
Dos signos, astucioso
Fogo sináptico, pronto
Para arder, queimar outros
Retalhos sujos de sonhos,
Outros homens, pelo solo,
Tanto arrastar, feito Heitor,
Pedras, prantos e protótipos
De dessemelhantes, vozes
Que agonizam, qual a forte
Medida das Moiras, pondo-me,
Distante, como nos põem
Sempre os enganos do olho?
Para Troia não mais volto.
Como altos gritos ouço!
Ah, fedem os mortos todos!
Ah, fedem os mortos nossos!
Como recolhê-los, troncos
De ilusão, ganância e glória?
Jamais posso ser um dos.
Hera e as feras, fato e estorvo.
Tenho um certo medo. Pouco
A pouco, diversos povos
Dirão que, devido a Apolo,
Lancei-me a insólito norte.
Dirão que tive mais sorte,
A seu bel-prazer, seu modo.
Mas a Troia não retorno!


Adriano Nunes: "Das quimeras quânticas, o quanto"

"Das quimeras quânticas, o quanto"

Já não sei se fora a ardente brasa
Das quimeras quânticas, o quanto
Do teu corpo fora, o que me arrasa
Enquanto teço memória e canto.
Talvez, um impulso ou mesmo asa
Deste-me pra qu' eu voasse tanto,
Saltasse de mim, da vida rasa
Qu' eu levava, com tristeza e espanto.
Meu tempo, das leis entediantes,
Livraste - procurei, pra mim, cada
Palavra que me expusesse, antes
Que a astúcia dos silêncios em nada
Tornasse a esperança dos amantes.
Que o amor era, toda madrugada?

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Adriano Nunes: "Infância" - para a minha mãe

"Infância" - para a minha mãe

A criança qu' eu era
Perdeu-se alegre em mim.
Como a busco sem fim
Entre as tantas quimeras!

Agora nem mais sei
Se a sinto ou só a penso,
Sob alguma vã lei.
Eis que tudo é intenso.

A criança qu' eu era
Perdeu-se, livre, assim,
Em meu ser. Quem me dera
Sabê-la ao ser-me, enfim.

Adriano Nunes: "Espera"

"Espera"


Enquanto
Espero-te,
Escuto 
Atento o
Ruído
Das naus,
Das grandes
Serpentes
Metálicas
Que passam,
Com pressa.
Não sei
Se ainda
Virás.
É certo
Que peço
A Hera
Pra que
Acalme
Caríbdis
E Cila.
Pra que
Bem venhas
Fazer
Da minha
Existência
Mais que
Novíssima
Ilíada.
Que logo
Favônio
Conduza-te,
Por entre as
Planícies
Dos sonhos
E os mares
Insólitos
Do amor,
Com rédeas
E com
Tropeços,
Se for
Preciso.
Enquanto
Espero-te,
O manto
Desfaço
E faço:
É tudo
Ou nada!
Até
Que à praia
De Ítaca
Bem caias.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Adriano Nunes: "Átimo"

"Átimo"


Entre um
Verso e
Outro, o
Mundo
Todo, o

Átimo
Mágico:
Nós
Dois,
Brotos

Cada
Vez
Mais
Sóis,
Soltos.

sábado, 8 de outubro de 2016

Adriano Nunes: "Como consertar uma ilusão?"

"Como consertar uma ilusão?"

Tentando escrever um novo soneto,
Rabisco o caderno, com a ilusão
De que cada metro estará perfeito
Ao fim dos quartetos, mesmo que não
Seja mais possível qualquer conserto.
Como consertar uma ilusão
Que se engendra forte, fundo no peito
Da alegria estética, como não
Tentar convencer-me do resultado
Demais almejado, entre rima e imagem,
Ao ver sobre a folha como interagem
Signos e emoção, além da linguagem,
Do que pode ser agora aguardado,
Como verso, vida, voz, festa, fado?

Adriano Nunes: "Esquecimentos" - para a minha mãe

"Esquecimentos" - para a minha mãe


Silêncios. Só silêncios. E, por dentro
De tudo que me penso, este tempo
De pôr o coração atento, tendo
Mesmo que o pôr, prevendo que tão denso
Possa vir a existir o entendimento
Sobre o que possa a ser o amor. Por isso, penso
Que o descontentamento, que retenho
Em amargos momentos, celebremos
Também. Quantos silêncios bem excêntricos!
E, externo ao que me peso, algum veneno
Menos lento a sorver este tormento
Que viver é sob tédios até ecléticos!
Ah, madrugada elástica, que aprendo
Ao deixar-me revendo esquecimentos?

Adriano Nunes: "Contornos"

"Contornos"

Nós dois.
Sóis soltos,
Sem os
Contornos
Dos olhos
Dos outros.
Dois corpos
Já tontos
Do gozo
Que é todo
Fulgor
Hipnótico.
É óbvio
Que posso
Compor
O amor
Sem nós,
Propósitos.
Tão nossos
São os
Encontros
Retóricos
Dos sonhos
Que os ponho
Em código.
Não ouso
Expor
Que gosto
Tem o
Teu corpo.

Adriano Nunes: "Insone"

"Insone"


A insônia
Não some
E sonda-me.
Consome-me
O não
Ter sono.
E sonho
Com nomes
De coisas
Que são
Sem nome.
O infindo
Sentido
De dar
Sentido
A tudo
No mundo,
A isso.
Sem rumo,
Persigo
O íntimo
Instante
De estar
Desperto.
Ao menos,
Quem sabe,
Não surge
Um verso.

sábado, 1 de outubro de 2016

Adriano Nunes: "Alegria"

"Alegria"

Tão difícil
Foi saber
Que nem sempre 
O amor pode
Mover do
Peito o que
Amor ser
Parecia.

Dia a dia,
Entre odes
Do que veio
Sem receio
E os sonetos
Sem um norte,
Contra o tédio,
Contra a morte.

Tudo mesmo,
Feito glosa,
Quando a gente,
De repente,
Por reler
Espinoza,
Bem confirma
Que o amor é

Alegria.