sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Adriano Nunes: "Deleite"

"Deleite"


Não há data para o poema.
Não há lugar para o que se engendra
Em um poema.
O que é que há de durar milênios
Senão os abalos sísmicos da pena
Sobre a folha anêmica?
O que a todos pode surpreender
Senão a passada lenta da existência?
Não há nada que possa desafiar o poema.
Nem da razão o imponente império.
Nem da religião os rígidos reinos.
Sequer o silêncio primeiro.
Sequer da ambição o veneno mesmo.
Com um poema é possível dizer
Que te amo sem dizer o que
Quer que seja
Ainda que dito esteja.
Trouxeram-me azaleias e açucenas,
Em troca da minhas certezas.
Aceitei. Daria até minha cabeça!
Ah, o labirinto de reticências!
Ah, o peso de não ter vendas!
Por que vieste?
Entraste, aqui, sem fio qualquer?
Sair do infinito, como queres?
A palavra é leve e
Fura e afunda e vai mais fundo e até
É mais do que é.
Quando no poema,
Dá-se plena.
À tez da vez,
Talvez, melhor seja
Conceber-te ao concebê-la.
Com que proeza
Ante os portões áureos da beleza?
O que pensam poder os conceitos
Quando postos frente
A frente com odes ou sonetos?
"Eu te amo" dizer-te
Como quem ir quer
Da casca ao cerne
Atrás de
Destinos, desejos,
Delírios, acasos acesos...
Um deleite
Feito
Este.

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