domingo, 30 de outubro de 2016

Adriano Nunes: "O que o meu coração queria" - para a minha mãe

"O que o meu coração queria" - para a minha mãe


Não há mais
Os antigos cadernos de poemas
Onde eu rabiscava o que
O meu coração queria.
Onde era possível não querer
Dar significados à alegria.
Versos sem quaisquer pretensões.
Tudo já era mesmo poesia!
Versos que me desafiavam
Com sua astúcia peremptória
De não seguir regra alguma, de sequer
Entender o porquê de ter que haver
Regras para o que a pena valeria.
Eram a passagem só de ida para Ítaca.
Eram a passagem para a pracinha interiorana.
Eram o boicote à dureza do instante
Em que tudo pesava por ser tudo.
A prima descoberta
Do que me sentia e pensava.
Ah, as tolices rimadas!
Ah, as declarações de amor nunca ditas!
Estava tudo ali.
Os reis que nunca pude ser.
As batalhas aéreas em que jamais combati.
Os poderes fictícios e amados da invisibilidade.
A Medusa que me encantava tanto.
Os acrósticos sentimentais e ingênuos, sem ritmo,
Sem olhos para os descasos dos acasos
E das mudanças de endereço.
A babel de ideias e metáforas para
Abraçar as delícias do corpo.
O que era uma metáfora?
Não há mais os cadernos das quânticas quimeras.
Neles fui a criança ante a porta
Dos desassossegos do tudo-ou-nada,
Com o seu raio de infinito e irreverência,
Sem receios, sem amarras.
Ah, nesta madrugada chuvosa,
O que, além da existência, me consola?

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