segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Adriano Nunes: "Procura-se" - Para Carlos Drummond de Andrade

"Procura-se" - Para Carlos Drummond de Andrade



Há vinte e três anos sem
Vê-lo. Às vezes, ouço-o
Vindo do arcabouço
Da memória, alguém

Familiar, rosto bem
Típico, com traço
Moderno. (Refaço o
Seu trajeto) Além

Dos óculos, lápis, caço o
Algo que vai... Vem...
A vida é refém,
Claro enigma, laço

Infinito, intenso. Abraço-o,
Calados. No paço
Do livro, o embaraço...
E nada o detém:

Caminha (observo-o) mas quem
Ousaria... Quem?
E vemos o harém
Pelo inverso, baço.









sábado, 29 de outubro de 2011

O poeta Adriano Nunes entrevista o poeta e amigo Lêdo Ivo




O POETA ADRIANO NUNES ENTREVISTA O POETA LÊDO IVO




O plantão no Aeroporto Zumbi dos Palmares estava passando tranquilo. O movimento rotineiro das horas anunciava o vestígio do porvir, a aurora do dia 28 de outubro de 2011. Sim, a mesa redonda "Poesia em Movimento" na V Bienal Internacional do Livro de Alagoas traria à manhã uma dimensão quântica, mágica, um sentido além. Estariam presentes amigos, poetas e o Senhor Lêdo Ivo, o alagoano imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), o poeta que muito admiro e amo, o ancião-menino de lucidez cítrica, de sorriso doce, o filho de Floriano Ivo e Eurídice Plácido que neste ano completara 87 anos no dia 18 de fevereiro, que em 13 de novembro fará 25 anos que vem ocupando a cadeira 10 da ABL. Rabisquei algumas perguntas na madrugada e esperei pelo instante de luz.

Após a mesa redonda, do qual participaram os poetas José Inácio e Ricardo Cabús, resolvi que era a hora do bote, do salto à busca poética e, sem receio, abordei o mestre que, gentilmente, concedeu-me esta entrevista (gravada) transcrita abaixo:


ADRIANO NUNES: Como e quando a Poesia entrou em sua vida?

LÊDO IVO: Ela entrou praticamente desde a infância, desde que eu comecei a existir, que eu no grupo escolar comecei a ler os primeiros poemas e lembro-me especialmente do poema "Queimada" de Castro Alves, que me impressionou muito, de modo que, como desde a adolescência eu desejava ser um poeta, a Poesia tem permanecido ao meu lado, dentro de mim a vida inteira.


ADRIANO NUNES: Que poetas influenciaram a sua obra?

LÊDO IVO: Respondo como Manuel Bandeira: As minhas influências são tantas, são mais que a areia do mar, mais que as estrelas do céu.


ADRIANO NUNES: Além dos poetas, que escritores o Senhor admira, gosta de estar perto?

LÊDO IVO: São milhares de escritores. Dada a minha idade, eu tenho mais de setenta anos de leitura, e, ao longo desses setenta anos, centenas ou milhares de escritores me têm acompanhado, de modo que eu não saberia, quer dizer, "fulanizar" as minhas admirações, de tal maneira que elas são incontáveis.


ADRIANO NUNES: O seu primeiro livro foi "As imaginações" de 1944. O que difere o Lêdo Ivo de "As imaginações" do Lêdo Ivo de "Réquiem"?

LÊDO IVO: É diferente porque um é o do começo e, o outro, quase fim, de modo que há uma distância que foi percorrida e, dentro dessa distância, o leitor terá de observar, verificar as mudanças, os câmbios, que ocorreram.


ADRIANO NUNES: No dia 13 de novembro deste ano, o Senhor fará 25 anos que foi eleito para ABL. O que é ser um imortal?

LÊDO IVO: Não é... (Sorri) Não é ser nada. Apenas o que caracteriza a Academia é o espírito de convívio que une uma determinada comunidade, quer dizer, não apenas literária, porque a Academia não é um sindicato de escritores, a Academia abriga personalidades, pessoas de várias profissões, de modo que a lição que eu recebo da Academia é uma lição de convívio, o que eu digo é que a Academia é um porto que abriga navios dos mais variados calados e é um ninho que acolhe pássaros das mais diferentes plumagens.


ADRIANO NUNES: Como anda a Poesia no Brasil e em Alagoas?

LÊDO IVO: Eu acho que anda muito bem, continua o seu caminho, que a Poesia é necessária, é indispensável, movimentos se sucedem, novos nomes surgem. de modo que o meu desejo é que, toda essa ebulição, surjam poetas diferenciados, cada um com sua voz inconfundível.


ADRIANO NUNES: Como se dá o processo de criação? As musas existem?

LÊDO IVO: O processo de criação na minha opinião é o momento... Quer dizer, o momento do surgimento do poema é o momento em que uma determinada experiência se converte em linguagem, de modo que musas aí é uma metáfora para aludir à pessoa dotada de espírito poético, da capacidade, da habilidade de fazer poemas.


ADRIANO NUNES: O que são os "tintureiros de si mesmo" ?

LÊDO IVO: (Sorriso) Isso é uma parte polêmica, são aquelas pessoas que enganam a si mesmas.


ADRIANO NUNES: O que o Senhor diria a um jovem poeta?

LÊDO IVO: Eu diria a jovem poeta que Poesia não é apenas um problema de vocação, de inclinação, que é um problema de Cultura, de aprendizagem, que o poeta deve procurar ser o protagonista mais culto da comunidade literária, que ele não dê apenas atenção à Poesia que se faz atualmente, mas a Poesia da grande tradição literária. Como diz Eliot, o poeta se faz com a tradição e o talento individual, de modo que eu desejo que um jovem poeta tenha sempre essa consciência de que ele pertence e é o elo de uma corrente memorial, que ele pertence a um sistema poético, que se iniciou com o início do mundo e que só terminará naturalmente com o fim do mundo.



LÊDO IVO: "O trapiche"

"O trapiche"





Queres que guarde para ti o orvalho.

Mas como posso guardar o que se dissolve
ao sol, como o vento, o amor e a morte?
Como guardar os sonhos que sonhamos
enquanto caminhamos acordados
no escuro e sem ninguém ao nosso lado?
E os sussurros de lábios encantados
no outro lado do muro? E a relva que se alastra
na pista do aeródromo? E a mancha aparecida
na casca da manga madura?
Como guardar a brisa sibilante
no convés do navio? E o vôo do pássaro?
E a barca abandonada que atravessa o rio
e pára sob a ponte?
Como e por que guardar um arreio enferrujado
e a cinza de coivara
e a chuva que chovia e o vento que ventava?
A nada guardaremos, nós que somos
o depósito de tudo, a arca e o trapiche.
O orvalho, que é eterno, se evapora
chegada a sua hora. E nossos sonhos
nos guardam fielmente nos seus túmulos.






In: IVO, Lêdo. "Crepúsculo Civil". Página 19. Rio de Janeiro: Record,1990.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Adriano Nunes: "Hemisférios" - Para Dr. José Mariano

"Hemisférios" - Para Dr. José Mariano



Abasteça
A cabeça,

Ponha peça a
Peça, impeça

Que a cabeça
Permaneça

Só cabeça,
Osso, couro,

Logradouro
Sem tesouro,

Véu vindouro,
Grave agouro,

Triste touro
Morredouro,

Sumidouro.
A cabeça?

Abasteça-a
Bem à beça,

Enriqueça-a
Co' Emil, Eça,

Mude-a, meça-a,
Sem mordaça:

Reconheça-
A luz, ouro.





Adriano Nunes: "no way out" - Para Péricles Cavalcanti

‎"no way out" - Para Péricles Cavalcanti




f i n d...m e
f i m...e n d

f i n
..... d(e)
...........m e











quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Adriano Nunes: "Poética"

‎"Poética"



Como se não houvesse mais
Alternativas, nenhum alvo
À vista, lanço o vão projétil
De silêncios... À margem, ver-

Tem-se as miragens de grafite
Em bel-prazer, grave alegria.
Depois? Não precisará mais
Haver depois: A eternidade

Já não se abriga nessa página
De silício, sob os tentáculos
Do Sol, insólita, sonâmbula,
Onde grita o meu coração?







Adriano Nunes: "Desestruturando Lucrécia"

"DESESTRUTURANDO LUCRÉCIA"



A noite não fora lá essas coisas. Voltara arrependida e sentira que o seu coração, por um segundo, tinha parado e, subitamente, voltara a bater acelerado como se estivesse para parar de vez. Apressara o passo. Toda diversão exige comedimento e, em plena madrugada, deambular por aí sozinha é sempre bem arriscado. Lucrécia olhou para o seu relógio e percebeu algo estranho. Ainda eram onze horas da noite. A pilha acabara? Fazia tempo que ganhara de presente esse relógio e nunca pensou em trocar a pilha.

Esquecidas as horas, Lucrécia partira em busca de seu destino ou da sua loucura. Opa! Alguém se aproxima com uma rapidez violenta em direção da nossa lânguida fêmea solitária. Pelo andar robusto e pelo espectro que a imaginação cria nesses momentos, pela postura viril e decidida, vê-se logo que é um homem, um macho de corpanzil. Duplo som de pegadas no rumo de uma rua sem movimentos, de uma estreita rua comum onde bêbados, drogados e prostitutas congregam-se numa harmonia mórbida e desumana.

O alcance foi silencioso e o susto dera lugar a riso e... Ai! Rapaz! Desse jeito você termina por me ver em um caixão! O sorriso oposto poderia completar a frase e dizer algo que as paixões não conseguem mesmo com palavras decoradas ou versos de poesias, mas os hálitos tiveram força e química e um roçar de línguas e uma embriaguez de saliva calaram os amantes.

Zarig pusera-se a esbravejar, enfim, todo o seu rancor de quem não está mais satisfeito com algo. Sua vida estava virando pelo avesso e esses encontros noturnos eram miríades de discussões em sua casa. Homem casado. Três filhos. Esposa dedicada. Um lar abençoado e, quem sabe, feliz. E era. Lucrécia agora era a outra margem do rio. A face secreta dos impulsos primitivos. Sabia que não a amava. Queria terminar tudo e seguir a rotina de um bom pai e de Senhor de família. Decidira ali mesmo.

As explicações convincentes nas paixões diferem da realidade. Dizer que não mais ama, que prefere esquecer, que o amor está corroído e gasto, que não há outra pessoa, que quer dar um tempo são argumentos repetidos e todos os amantes já provaram de algum desses venenos do arrependimento e da culpa.

Pulsos cortados, vexames e escrachos, vulgaridades e intimidades expostas, lar abalado, perguntas sem respostas, dúvidas e medos, comprimidos ansiolíticos e antidepressivos... Nada foi capaz de refazer aquele sentimento que unira carnalmente Lucrécia e Zarig.

As ameaças cumpridas e as chantagens concretizadas só desvencilharam ainda Lucrécia do seu objeto de cobiça. O ódio nascera da rejeição não idealizada, do fim não esperado, da ruptura não programada... Ah! Quantos sonhos desfeitos! Quantas viagens adiadas! Quantas datas comemoradas sozinha e com uma esperança infinita recheando o seu miolo de sinapses afetivas!

Até os livros de romances e ficção tinham sido largados à beira do fatalismo e do tédio. Maços e maços de cigarros não resolviam o caos da solidão. Que fazer? Que mais sentir? Os homens agora eram monstros e, os seus dias, trevas e ruínas. Pensou em mudar de bairro, cidade, país. Quis arranjar outro amante, um namorado...

O ciúme não fora um bom remédio e dores espirituais cercaram todo o seu ser. Quase decididamente preparada para seguir pela estrada do nada. O nascer do sol, naquele dia, não trouxe luz nem perdão.

Zarig soube do ocorrido e sequer afastou-se de onde estava para pensar um pouco. A vida iria continuar sem lembranças e sem infortúnios. O velório, simples e cheio de lamentações, desfez-se. A terra engoliu mais uma massa de células sem vida que apodreceria em poucos dias e os vermes festejariam e dariam à luz os seus descendentes.




Adriano Nunes






Adriano Nunes: "Cacilda e a caixinha de música"

"CACILDA E A CAIXINHA DE MÚSICA"


(para as minhas sobrinhas Rebeca e Yasmin)



Aquele entulho alojado no guarda-roupa era o habitat de duas pequeninas traças. Anastácia e Cacilda reinavam em seu mundo de panos velhos e mofados. Elas dividiam todo o seu tesouro têxtil com os fungos e os ácaros. Eram felizes, mas receavam do futuro, todas as vezes que bombas atômicas redondinhas, esbranquiçadas e ligeiramente perfumadas eram jogadas em seu terreno soberano.

Ficaram viúvas muito cedo. Seus maridos mal chegaram a roer o desbotado vestido de casamento da agora velha viúva Constantina. O espanador de Dona Sinhá também era um inimigo mortal. E... Lá vem novamente Dona Sinhá com os seus cem quilos distribuídos irregularmente, com as suas ancas balançando e parecendo um hipopótamo. Anastácia e Cacilda estavam velhas demais, e os seus esforços máximos eram microscópicos passos-miúdos.

--Ai, ai, ai! Quanta poeira, Jesus! Dona Constantina deveria doar esse monte de pano velho para algum asilo!

O espanador ferozmente sacudia camisas, vestidos, anáguas, saias, paletós, suéteres, jalecos, blusas, sobretudos, lençóis, toalhas... Cacilda voou longe e caiu tonta em cima de uma cômoda com gavetas, estilo colonial, de madeira de lei... Jacarandá? Cerejeira? Pinho?... Dentro da caixinha de música da velha viúva Constantina.

Anastácia até que tentou escapar aos golpes violentos e pesados, mas sucumbiu e foi esmagada contra a lateral direita do guarda-roupa.

--Ora, ora! Eu sabia que havia traças aqui!

Sinhá pegou a traçazinha esmagada, com seus dedos grossos e com artrose, e ficou admirando a criaturazinha por segundos. Depois foi ao banheiro e jogou no vaso sanitário a pobre Anastácia. Puxou a descarga e...

--Sinhá, venha aqui, minha linda!
--Já vou, Dona Constantina!
--Venha logo, mulher! Venha!

Os cem quilos decolaram como uma libélula em direção à sala.

--Que foi, minha Senhora?
--Sinhá, tenho um presente que lhe quero dar! Uma caixinha de música que ganhei da minha irmã mais velha quando eu tinha quinze anos. Pode pegá-la no quarto. É sua! Dê a sua filha Esmeralda!
--Oh, minha Senhora! Não posso aceitar isso!
--É sua! Fique com ela e não discuta! Mas antes traga o meu chá de erva cidreira e umas bolachas sem sal.
--Só um instante, Dona Constantina!

A cozinha era um espetáculo de beleza, luxo e limpeza. Porcelanas, pratarias, utensílios importados e modernos, talheres decorados, enfim, era o local da casa onde as duas anciãs conversavam e lastimavam a perda dos maridos.

O chá já estava pronto. Sinhá pegou uma xícara de porcelana chinesa, um pires, um guardanapo bordado e as bolachas. Retornou cansada à sala. Serviu a sua Senhora. Fez um gesto de quem sente dores na coluna e dirigiu-se outra vez ao quarto.

Cacilda, contente e confusa, percebeu que estava presa num porão azul de veludo. Quis subir, mas despencava em suas tentativas vãs. Estava exausta. Ficou quieta e, de repente, pôs-se a ouvir uma música. Mozart? Vivaldi? Bach? Não compreendia bem os sons e sonhou que era uma bailarina.

--Senhoras e Senhores, eis aqui a maior bailarina de todos os tempos! Cacilda!
E saltava, rodopiava, deslizava e sorria. Sentira os aplausos roçarem a sua alma.

--Ai!

Último suspiro. Sinhá não é dessas mulheres que têm pena de coisa alguma. Esmagou Cacilda ali mesmo contra o veludo azul da caixinha de música. Depois, limpou a sujeira e orou agradecendo a Deus por mais um dia de vida. A sua lombalgia ainda iria perturbá-la por muito tempo, e imaginou que era como traças roendo os seus ossos.





Adriano Nunes





terça-feira, 25 de outubro de 2011

Adriano Nunes: "As quimeras quânticas ainda não"

‎"As quimeras quânticas ainda não"




Eu não sou domesticado
Por vis vírgulas ou margens,
Parênteses ou parágrafos.
Sequer por pontos finais.
Eu sou do clã dos sentidos 

Sortidos. Por que entregar-me
- Cabeça, existência, carne -
Numa bandeja de dígitos,
Lançar-me, intacto, aos dragões
Dos artigos articulados
Do íntimo coletivo?
Não vou deixar que me levem
Ao tédio, ao que em mim não quero.


É sério: mais dores surgem, 

Em série, súbitas, feito 
Anáforas duplicadas
Na página da minh' alma.
O sol deve estar sorrindo, 

Onde a vida não precisa 
De marca d'água, de código 
De segurança, de folha 
De ponto, de despropósito,
Das tais tarifas de embarque,
De selo óptico, anais
De sentenças pré-sinápticas,
De somas que dão em nada.

Tristeza? Talvez, ferrugem,
Fúria ou solidão em fuga.
Todas as quimeras quânticas 

Não conseguiram romper 
Do meu coração as fibras.
A ficção da infinitude 

Fixou-se firme em meu flerte.
Jamais se deve temer
O estado acrítico, apático,
Dessa Crítica cocote,

Que vive a correr atrás
De modas e mídia e motes.
Ou não se pode ser Sísifo?


Ontem visitei as Górgonas,
Antes de chegar Perseu.
Medusa era o silêncio 

De silício a desfazer 
A miragem de haver tempo.
Não demorei muito não.
A verdade bem me deve
Um certo acerto de contas...
Aquelas tardes em pranto,
Aqueles túneis sem luz,
Os brinquedos nas vitrines,
Todos os medos insólitos,
Embaraços e desculpas,


Num repetir esperado:
 - Eu não sou domesticado
Por vis vírgulas ou margens,
Parênteses ou parágrafos. -

Mas como não me lançar
À vida através do vão
Da janela e ver o dia
Assumindo a dimensão 

Do agora? Os rascunhos têm 
O mundo sem um enfeite.
Eu não quero mais contar 

Até dez, para que a Arte
Ajeite-se e desencalhe.




segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Adriano Nunes: "Olvido"

"Olvido"



Esquece Helena
Esquece o mundo
Esquece a fundo
Esquece a pena

Esquece o verso
Esquece o susto
Esquece, é justo
Esquece emerso

Esquece mesmo
Esquece o rumo
Esquece o sumo
Esquece a esmo

Esquece a Grécia
Esquece a luta
Esquece-a! Custa?
Esquece a astúcia.





domingo, 23 de outubro de 2011

Adriano Nunes: "Sobretudo, sombras"

"Sobretudo, sombras"


Ainda que a mesa estivesse à vista,
Co' as rotineiras especiarias,
Esses cheiros conhecidos, palpáveis,

Com a arquitetura silenciosa
Das cadeiras, dos talheres, dos pratos,
Ainda que a visita anunciasse

A vinda, ainda assim, todo o pensar
Temia o inesperado, pois, de fato,
A ululante lembrança da toalha

Bordada, a vasta astúcia das crianças
Acolhidas sob a mesma, engendrava
Em meu peito um passado inacabado.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Adriano Nunes: "e c t"

.............."e c t"




o......r....emet...ente
...............met
..................et
c................et....er..a
e.....................c...t


..............m......ente








obs.: emet = verdade/ Deus e met = morto.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Adriano Nunes: "melhor"

‎"melhor"



h o m em
m u lh er

o lh em
me lh or
me o lh em









segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Adriano Nunes: "A palavra bruta" - Para João Cabral de Melo Neto

"A palavra bruta" - Para João Cabral de Melo Neto




essa brusca busca,
pesada, à procura
do nada, a palavra
feito brasa, pura,
por que mais se ofusca

quando a quero, justa-
mente à frente, cúmplice
do tempo, pensada,
feito chama, augusta,
súdita, em rascunho,

quando a quero, justa-
posta, rente, pública,
sem entrave, súbita
tal faísca, mágica,
sem mancha, rasura?

por que me seduz
essa estranha luz,
inefável mundo -
a palavra bruta -
pra lançar-me à culpa-

lapso, sobre tudo?
o olvido profundo
de si - qual palavra
intacta - sem justa-
posição, que assusta.

essa única luta,
penada, à procura
do nada, a palavra
feito bruma, plúmbea,
por que mais se oculta

quando a quero, justa-
posta, à frente, múltipla,
moderna, moldada,
feito charge, avulsa,
sulfúrica, súplica,

quando a quero, justa-
mente, réstia, púrpura,
sem estorvo, supra-
sumo, sonho, sútil,
sem mácula, adubo?

a que me conduz
essa estranha luz,
infindável mundo -
a palavra bruta -
pra lançar-me ao surto-

eclipse, sob tudo?
o olvido profundo
de si - qual palavra
inútil - sem justa-
posição, me assusta.









Adriano Nunes: "Pra abrigar outra manhã"

"Pra abrigar outra manhã"



Olhava pra o sol, o alvo
A ser sempre contemplado,
Até branco estar o campo
Do flerte, a folha fugaz
Da vida em volta: guardava o

Arcabouço de luz, mágico.
Com força, apertava as pálpebras,
Pregas, poentes, paisagens
Além. Depois, com as mãos
Dadas ao nanquim, cantava,

Com altivez, todo o acaso
Sináptico, à tez das flâmulas
Azuis, os sonhos mesclados
Por matizes do amor magno,
Pra abrigar outra manhã.




sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Adriano Nunes: "À beira de qualquer rabisco"

"À beira de qualquer rabisco"

Abrigam-se em mim tempos 
Que nunca sonhei.
E, sem compreender como sonhá-los 
De fato, de mim mesmo abdico e
Abro violentamente as frenéticas frestas
Do meu ser,  ( Muito me arrisco? )
Tentando entender esse estranho trânsito,
Gasto gesto a passar,
Sem pressa, sem se ver a presa fácil,
Por avenidas travestidas de vestígios,
Carros dispersos
Em mil movimentos complexos, átomos
Palpáveis, as engrenagens mágicas
Do agora, dígitos-voadores,
Eclipses de disse-não-disse, os lapsos-computadores,
Os clichês.

Não será preciso 
 Verter-me no que já vi pela janela.
Não me indico a direção
Onde vingam portas entreabertas,
Quimeras quânticas sem fim,
Frases epilépticas com gosto 
De tédio e  solidão.
O cinema lá fora, 
Ainda que à espera do primeiro pagante,
É o meu coração.
Aqui, tudo passa, perpassa, mas para
Ante o contato refratário
Das deliciosas tentações da palavra
Ao olvido dada,
No primeiro instante 
Do grã corte.

Longe? Que lugar é esse,
Onde se diz haver
O in-dizível, o in-finito, o in-alcançável
À beira de qualquer rabisco?
Eis o que canto: o não-canto prismático
Da promessa in-contida
De saber-me ilusão. Que re-canto é esse
Em que o peito se esconde,
Onde se voa pelos cotovelos
Dos desejos, onde se rasga a página
Do presente, do que se sente,
Onde a regra é a atriz coadjuvante,
Onde os bastidores são mais
Importantes, as miragens, 
Os oásis de nitrato de prata,
Não só me salvam?

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Adriano Nunes: "La Poesía" - Para Paulo Sabino

‎"La Poesía" - Para mi amigo Paulo Sabino



Tengo en mi vida
Un laberinto: la Poesía.
Quién entraría
En mi corazón,
En su callejón
Sin salida?

Todos los miedos son
De grafito...
Algo que no tengo dicho,
Algo que necesito
Vivir - el nicho del
Minotauro - dilacerar

El silencio de silicio,
Herir mi soledad.


sábado, 8 de outubro de 2011

Adriano Nunes: "a não ser, a vida" - Para Fred Girauta

"a não ser, a vida" - Para Fred Girauta



o
qu
e ac
resc
entar
à vida a
não ser a
vida a não
ser mais vi
da a não ser t
oda a vida a nã
o ser toda esta
vida a não ser qu
alquer outra vid
a a não ser algo que
conforte a não ser a
morte a não ser amor




sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Adriano Nunes: "l o n g e" - Para Fabiano Calixto

"l o n g e" - Para Fabiano Calixto



som
e...

som
en

te
em

son
ho

o
ver

so
a

que m
e

pro
po

nho
vem

pron
to o

olv
ido

o co
n

so
me

dis
sol

ve-
o

no
ín

ti
mo

do
in

fini
to

lon
ge






Adriano Nunes: "do labirinto íntimo" - Para Antonio Cicero

‎"do labirinto íntimo" - Para Antonio Cicero



a mera jornada...
fui bem recebido
na sicília. adido
da imprensa aleijada,

inventor do olvido,
da quimera ilhada
desse tudo ou nada,
assim acolhido

fui. súdito, amigo
de minos, a malha
de concreto, o abrigo

do monstro, a muralha
erguida sem falha,
carreguei-a comigo.









segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Adriano Nunes: " A canção" - Para Péricles Cavalcanti e Leo Cavalcanti

.......................................................‎"A canção"

..............................................................................Para Péricles Cavalcanti e Leo Cavalcanti




.........................................A canção ainda sem alma
...................................................................A canção abstrata
...................................................................A canção sem parte, sem palavras
........................................A canção sem porte, sem ponte, sem plasma
........................................A canção desencantada
.....................................................................................................A canção atrás
.......................................De voz, testículo, ovário, algo
..........................................................................................Que valha
....................................................................................................A canção vaga...
.......................................Na cabeça, nas gavetas, nos guardanapos
.......................................A canção ainda aos pedaços
.......................................Quase em formação

......................................A canção se firmando
......................................Fluindo, fundido-se à ilusão
........................................................................A canção saindo do armário
..................................................................................................A canção atrás
......................................De tez, osso, tripa, carne,

............................................................Corpo imaginário
............................................................A canção faz-se

.....................................Aos poucos, a canção traça-se
.....................................Sal, saliva, sangue, lágrima
......................................................................A canção brotando, a canção grávida
......................................................................De aliteração
......................................................................De anáforas
......................................................................De metáforas
......................................................................Lá fora o cordão umbilical
......................................................................À mostra, a mágica

...................................Quimera: A canção
...................................Escancara-se, a canção
...................................Encarna
..................................A canção agora tem vez e fala
..................................A canção levanta-se
..................................Anda, tropeça, apronta, não pára
..................................A canção salta
..................................À vista, à página
..................................A canção não precisa de mais
.........................................................................................................Nada.

Adriano Nunes: "das ondas sinápticas e tudo"

"das ondas sinápticas e tudo"



partiram cedo.
os seus nomes eram o vestígio
do silêncio de grafite.
vez ou outra, ouve-se
o abalo sísmico
das ondas sinápticas e tudo
parece vir à tona, feito
lembrança.

partiram há intervalo de tempos
impossíveis, híbridos.
os seus corpos eram o vesúvio
e os seus instintos não eram
apenas de silício e síntese.
às vezes, rompe-se
a arquitetura do agora
e eles retornam, ávidos

por quimeras quânticas,
por vida. partiram ontem.
deixaram o nexo
sobre a escrivaninha.
a solidão os fez
correr até à varanda, num salto
óptico, desespero
de quem não tem o que perder.

que queriam tanto,
todas as madrugadas,
vasculhando as almas, vernáculos
íntimos, inconscientes insólitos,
invadindo violentamente o infinito?
partiram - era o seu segredo -.
eram os nômades...
alguns chamam-lhes de versos!





sábado, 1 de outubro de 2011

Adriano Nunes: "Linguagem"

‎"Linguagem"


................................Para os meus amigos médicos Rodrigo Pinheiro, Catarina ................................Sampaio Vr, Robertson Bernardo, Juliana Lessa, Claudio ...............................Motta, Rodrigo Nicácio, Lície Santa Cruz e todos os outros dos ...............................quais me orgulho muito!




Escondo-me de mim
E não sei quem me sinto.
Entrego-me violentamente assim
Aos liames do labirinto
Da linguagem - o âmago do sonho
Que agora à vida proponho -
Nessa alvorada sem fim.

Afago o intervalo infinito
De além-vontade...
Silêncios de silício,
Laringes de grafite,
Sentidos dissecados, acredite,
Eclipses da saudade!
Depois de tudo, o interstício

Do que ainda não foi dito,
Outra quimera de marfim,
Alguma alegria sináptica, enfim,
Essa estranha necessidade
De fundir-me à folha - entressonho
De filtros, de mil vínculos - explícito,
Escrito, exposto, expulso de mim.





Adriano Nunes e Catarina Sampaio: "reparo"

‎"reparo" - Catarina Sampaio Vr e Adriano Nunes



para parir
o tempo ampara
para pirar
o tempo pára
para parir
o tempo calha
para pirar
o tempo encalha

muito pouco
muito pouco
quase nada

onde estão os meus óculos azuis?
que raiva!


Variantes do último verso:
1) "O tempo não tem alma!"
2)"Que mancada!"