sábado, 19 de dezembro de 2015

Adriano Nunes: "Os sapatos de Moriadonov"

"Os sapatos de Moriadonov"


Moriadonov é um gigante forte.
Agora ele será rei nesta história.
Após a morte dos dois reis da Sarquônia,
Não havia legítimo sucessor,
A não ser o grande Moriadonov.
Em verdade, confesso-lhes, ninguém gosta
Dessa notícia, da estranhíssima hipótese
De ele ser coroado o rei, o  novo
Monarca da Sarquônia. No entanto, outro
Herdeiro já não há. E que pode o povo,
Ligado às tradições, contra tradições?
Preferiu, assim, entregar a coroa,
Ao gigante com o sangue régio, nobre.
Essa ideia, ó servos, saibam, não é boa!
Moriadonov vive descalço. Só,
À-toa, numa cabana alta e longa,
No mais ereto dos montes. O seu nome
Fora dado pelo seu tio-avô, hoje,
Rememorado somente como um louco.
Moriadonov até que apreciou
Mesmo saber que será, a pouco, logo
Coroado rei, de tudo quase dono.
Conduzido ao castelo real, e posto
Que este era demais alto, ordenou
Que, primeiro, elevassem, o teto todo.
Isso prontamente efetivado foi.
Observando, atento, que todos na corte
Usavam bons sapatos, súbito, pôs-se
A berrar que lhe fizessem um de couro.
O tamanho do seu pé era um estorvo.
Ao melhor e hábil sapateiro foram.
Eis o sapato pronto: Tão belo! Novo!
Mas, ao tentar calçar, Moriadonov
Ficou vermelho, impaciente, nervoso.
Gritou, xingou, ordenou em grave voz
Que as mãos do sapateiro cortassem, pois
Não precisaria mais de artesão tolo,
Incapaz de fazer-lhe um sapato novo.
E as mãos de muitos sapateiros, de todos,
Foram cortadas. Quantas mãos! Então, sobre
O chão do reino sapatos foram, óbvio,
Proibidos. Por ruas, descalço o povo
Andava, pelo rei Moriadonov.
Quando dormindo, numa insólita noite,
No frio solo do seu quarto de ouro,
Moriadonov teve um terrível sonho:
Seria morto por uma mordida de cobra
No calcanhar. Tenso e assustado, acordou.
Queria que fabricassem uma bota!
Ora, senhores, não existia no
Reino mais mãos ágeis, capazes do labor.
Mestres de outros reinos tinham pavor
De fazer tal arte para ele.  Morto -
Pensava - serei! De medos livre, solto,
Moriadonov descalço se quedou.
E nenhuma cobra ousou morder o corpo
Do gigante. Aos poucos Moriadonov
Um norte percebeu cercar o seu cosmo
De solidão, silêncios e desconforto.
Tantos servos sem mãos, sem gestos, sem olhos,
Sem pés, sem orelhas, sem sombras, sem lógica.
Tudo estava para o soberano em ordem.
Porque as suas ordens eram sempre ordens
Legítimas. E eram as reais ordens!
Aqui tudo ardilosamente se pode:
Das dores à vida, do êxtase à morte!
Todos estavam sem a natural forma.
Cortados. Obedientes. Brutos moldes
Feitos de iras e rancores. E ordens!
Moriadonov ergueu os amplos ombros.
Foi à janela. Viu a cabana pobre
Que é ainda somente sua. Voltou-se.
Abriu gavetas. Pérolas, muitas jóias,
Diamantes, rubis, sonhos, prata e ouro.
Moriadonov era outro. Gritou
Como de costume. Altíssimo! De pronto,
Chegaram uns mil guardas. Disse-lhes: "fogo
Ponham naquela cabana podre, pobre!
Eu sou o grande rei Moriadonov!
Eu sou o grande rei Moriadonov!
Iremos declarar guerra a reinos outros!
Quero belos sapatos! Potentes botas!
Será sempre justa a nossa guerra por
Um belo sapato! Vão rápidos! Logo!
Descalço ficar mais não posso! Não posso!"




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