sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Adriano Nunes: "Nem o que não há sequer" - para a minha mãe

"Nem o que não há sequer" - para a minha mãe



Não é o mundo que o meu coração 
Quer nem o que não há sequer.
Às vezes, quer só sair dessa
Gaiola torácica, quer bater
Por outros matizes de amplidão,
Pelos labirintos íntimos do que não 
Pode ser apenas ritmo e eco.

Às vezes, é que em mim dá-se
O seu mistério de ser mais que carne.
Um engano métrico!
Talvez isso expresse o agora,
Essa tormenta de sentidos e angústias,
Essa solidão sem mesura,
Esse despertar descomedido.

Talvez apenas constate 
Um pouco do que fora a saudade
De mim, por em mim faltar-me.
Ou essa dor de existir,
Porque só existir já pesa.
Eu, Sísifo a amar a pedra,
A subida árdua, a descida frustrante.

Ilusões de estranheza num único lance.
Ah, e esses olhos de humanidade 
Sem norte, sem bússolas!
Tudo do até-mais-sentir-tudo
De mim se ocupa.
Não é qualquer lugar
Que o meu coração quer.

O amor é recanto pra o que é livre.
Não é qualquer tempo
Que o meu coração quer amalgamar 
Em cada batida intensa, única.
Ai, os desejos se dissolvem adentro, 
Mesclam-se a sonhos tirânicos,
À vez dos acasos!

Deve ser por isso que me penso
Mesmo triste.
Deve ser por isso que me desfaço,
Sísifo pela pedra encantado.
Deve ser por isso que a noite se alarga,
Construindo quimeras em minh'alma,
Deve ser a poesia, prisma que pulsa.


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