"Arnaldo Antunes: o maior herdeiro do popconcretropicalismo"
Hoje, concluí a leitura do esteticamente belo livro "agora aqui ninguém precisa de si" (Companhia das Letras, 2015) do amigo estimado Arnaldo Antunes.
Após as vanguardas, muitos poetas puderam usufruir de todas as opções estéticas por elas ofertadas. Uns tantos ainda se aventuram pelo concretismo como se este fosse algo fácil, como se a poesia concretovisual, ou melhor, o que se pode traduzir e decantar da expressão joyceana "verbivocovisual" fosse experimental a ponto de validar como belo qualquer emaranhado de signos, como se engendrados pelo acaso fossem esses signos, sem qualquer labor. Há nisso um engano sério. A arte exigida pela poesia concreta é uma arte em que as faculdades intelectuais precisam trabalhar intensamente, para que o seu resultado estético possa ser considerado, primeiro como arte, e, a seguir, como belo. Hannah Arendt em "Entre o passado e o futuro diz que "apenas as obras de arte são feitas para o fim único do aparecimento." Poucos são os que conseguem tal façanha. Entre estes, Arnaldo Antunes é o que mais se destaca, o que consegue dar fulgor àquilo que, em aparência, parece ser o resultado de um simples ato sináptico. Herdeiro legítimo dos Campos, de Pignatari e de Grünewald, Arnaldo deve ser considerado não só como herdeiro de tais magnânimos mestres, mas a esse grupo deve ser prontamente incluído, porque, apesar de vir depois do, faz-se, a priori, parte do, por ser um poeta inventor-aperfeiçoador da geração Noigandres. Vamos ao livro!
São 65 poemas que se movem para além-folha, espaço-página. De início, a existência questionada, no nada que é alguma coisa, que é nada, que é alguma coisa no nada que é. Qualquer coisa. Qualquer nada. Tudo-nada. Por trás da vidraça, o nada nos escapa para ser alguma coisa. A métrica certeira, com 6 sílabas tônicas, imposta/posta em cada verso central parece querer nos avisar de uma harmonia no nada, uma ordem repetitiva que gerará o tudo e que, no fundo, é nada. Do nada vem o tudo-nada, com aliterações e anáforas. É arte bela que se admira aqui. Segundo Immanuel Kant, "para a arte bela se requer imaginação, entendimento, espírito e gosto.". Há tudo isso já na abertura do engenhoso novo livro do Arnaldo Antunes.
O musicalmente belo poema "ileso em meu asilo" põe em jogo todo o conhecimento e espontaneidade tão familiares ao poeta. O agora em que tudo acontece. Se antes havia o nada, agora o agora prepara o impulso estético para o porvir da sala vazia em que o eu irá esvair-se um dia para ser útil/fútil. E o que mais se teme, acaba acontecendo. Não acaba somente. Acontece: e tudo se dissolve/envolve no ver/véu, no breu/céu da gravidade grávida de seus eus. A poesia não pode mais, a partir daqui, conter-se. Tudo é possível. Dentro do im-possível.
Com "fruto e furto", Arnaldo recria a tentação e dá-nos a treva do futuro no cotidiano sagrado, livre de paraísos. O céu é mesmo um ciclo, um elo, um eco, um um. Com "toda mancha", vê-se a construção circular de um conceito, o de ponto: que pode ser uma mancha a partir do ponto de visão do observador astuto, que pode ser a ilha-mancha na alva folha ou lençol, quase gota de sangue, mais que gota. A busca da forma. Parece mesmo indicar ao leitor que o que importa é a forma, kantianamente a forma - onde o belo mora.
Melhor será que descubra o leitor a obra inteira que funciona como um todo, um todo poético que exige atenção, perspicácia, des-prendimento, porque, aqui, agora, dentro do que há, ninguém precisa de si. Por isso Arnaldo diz-se que é sem ele, e, nós, por encanto, por ele ser múltiplo, in-contido-in-contável, não sabemos que logo nos esqueceremos, se não pararmos para reparar o raio de ser, de sol, de soslaio. É preciso parar para reparar na grandeza, na beleza desse livro, herdeiro do infinito.
Adriano Nunes
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