"Beati possidentis"
Perdeu a fortuna;
Perdeu a mulher;
Perdeu as crianças;
Perdeu os amigos;
Perdeu o que tinha.
No leito de morte,
Escuta a enfermeira
Recitar as Odes
De Horácio, um pedido
Seu. Era a primeira
Vez em que se via
Liberto do vácuo
Do olvido. E ouvia,
Com grã alegria,
Cada verso, cada
Precisa palavra.
Sabe o quanto quer.
E, por um segundo,
Pensou que jamais
Morreria, até
Lembrou-se de Jó,
Naquela pior
Situação. Fundo
Respirou. Sentiu
O abraço de Baco,
A lira de Erato,
A flauta de Euterpe,
Toda a vita brevis,
E sorriu. Depois,
Os vales floridos,
Favônio a fazer
Os alvos cabelos
Brincarem no ar.
É que era certo
Haver o mistério
De haver o mistério
De nada poder
No tempo voltar.
Perdeu os propósitos;
Perdeu o seu cão;
Perdeu seus negócios;
Perdeu seus imigos.
E o que bem lhe tinha.
No leito de morte,
Que mais temeria?
E, imerso em prazer,
Deu-se à poesia,
O seu magno norte.
E viu-se, assim, jovem.
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