“A Mulher do Pau-Brasil”
A grande compositora e cantora Adriana Calcanhotto está com um novo show “A Mulher do Pau-Brasil”, que inaugura turnê em Lisboa/Portugal. Adrix, para mim, é a mais brilhante compositora que a língua portuguesa já teve. Inteligentíssima, irreverente, dona de uma ars poetica capaz de impressionar pelas inovações estéticas tanto quanto pela beleza que emerge dos seus versos. Parte do que me penso e sinto como poeta tem muito de Adriana. A Safo da modernidade, ela representa as vozes de todas as poetas, desde as gregas e latinas antigas, passando por Emily Dickinson até romper com as fronteiras limitantes da língua, alcançando a brilhante Alice Ruiz. Parafraseando o compositor/cantor, amigo estimado, Péricles Cavalcanti, eu diria: “eu queria mesmo ser é a Adriana Calcanhotto”. Expressão máxima das Μοῦσαι, pode-se dizer, sem engano ou erro, que uma delas está entre nós, e que, em vez de uma lira, como tem Ἐρατώ, ou de uma flauta, como possui Ἐυτέρπη, Adriana traz a dor, o luto e a luta em seu violão. Múltiplo de si mesmo, o seu canto já foi sereia, mulher barbada, Partimpim. Agora vinga antropofágico, pronto para comer Caetano e devorar Oswald de Andrade. Mas não só. Medusa de olhos azuis, sabe bem como lidar com os estorvos e os portentos das palavras. Entre um “ultramar” rebelde e inalcançável e um “além-mar” acessível e claro, a sua métrica se desenvolve com íntimo liame com o mar. Mar que se encontra em Maritmo, em Maré, em Olhos de Onda, em amar, em Santo Amaro, em Porto Alegre (lembrem-se de que, para Spinoza, o amor é uma alegria!), em qualquer lugar que seja tocado pela genialidade ululante de Adriana. Homero, ao cantar “Παρὰ θῖνα πολυφλοίσβοιο θαλάσσης” (Ao longo da costa do mar barulhento), na Ilíada, sabia da miríade de sons advinda do mar, inclusive o próprio silêncio amedrontador. Silêncio necessário à vida, à sobrevivência. Aos 18 anos, fiz o poema “Vernáculo “ e dediquei a ela. Tinha-me deslumbrado com o que li/vi/ouvi no belíssimo disco “Senhas”. Ali, naquele instante, percebi a proximidade instigante que ela possuía com a língua de Bandeira e Pessoa. Depois, com o seu abordar/bordar o mar, senti algo muito forte de Sophia de Mello Breyner Andresen. Foi Sophia quem disse “gosto de ouvir o português do Brasil/onde as palavras recuperam sua substância total”. Ambas amantes do mar, do ignoto mar português, do enigmático mar do verso português. Calcanhotto poderia ser mais um heterônimo pessoano. Entretanto, a sua arte foge à prisão do ser e à da derivação. Certamente, ela é “qualquer coisa de intermédio” que vai dela às outras que em seu âmago habitam. A sua verve é voraz e viva. Viva Adriana Calcanhotto, herdeira das profundezas e mistérios dos signos, a Mulher do Pau-Brasil!
Adriano Nunes
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