terça-feira, 22 de setembro de 2015

Adriano Nunes: "O sonho de Yasmuradib"

"O sonho de Yasmuradib"



Certamente o amor pode estar em qualquer lugar e disponível a qualquer tempo. Sim, em qualquer lugar e a qualquer tempo. Esse é o mantra sagrado de Yasmuradib. Desde a aurora palpebral até o apagar das luzes. Muito cedo, Yasmuradib aprendeu que, por trás do amor, há um mundo novo. Aqui, Yasmuradib chama de amor o que pode ser uma transa apenas, uma aventura erótica prazerosa. O amor soa-lhe como um sonho. E são muitos sonhos para se ter, pensa Yasmuradib. Pouco importa o frio insólito da madrugada. Pouco importa o calor das tardes de teclas e perspectivas. Quando chegar o instante do amor, para Yasmuradib será amor. Pouco importa que seja só carne e gozo. Dez para as dez. A noite faz-se plena. Faróis, postes, automóveis e toda essa gente estranha. Yasmuradib ajeita a camisa azul turquesa. A vida tem sido boa o suficiente para ele. Nenhum traço de angústia ou tédio assomam seu cotidiano. Ah, lembra-se do encontro fortuito! Yasmuradib havia encontrado alguém na noite passada, na saída da boate. Yasmuradib não se lembra dos detalhes. Só o riso delicioso e tentador. E da língua a roçar os lábios qual convite. Esse desenho de tara quântico ficara impregnado nas sinapses de Yasmuradib. Pensou tanto o querer já, que, súbito, procura pela carteira de cigarros onde estaria o número para mais uma descoberta do amor. Ou do sonho do amor. Dez e quinze. Três chamadas e nada. Yasmuradib parece desistir. Vem-lhe a consciência da possibilidade de o destino estar agindo em seu favor. Acende um cigarro. Dá três voltas em redor da vítrea mesa. Recolhe as cinzas da esperança. De repente, surge a imagem de um senhor perfurado por uma faca. Muitos furos e talhos. O sangue dinâmico a dinamitar a alegria do que poderia ter sido outra chance para o amor. Para Yasmuradib qualquer transa poderia ser amor. Assustou-se. E nova imagem lhe toma a mente. Um jovem grita ao ser mortalmente espancado. Que acontece, indaga-se. Mas, mal desenvencilha-se da última imagem, outra lhe chega pelo córtex. Um homem maduro, com seus cinquenta anos, acorrentado à cama, sem defesa, vendo o próprio corpo ser destruído pelo fogo. Yasmuradib desperta do agora. Teria dormido? Queria ainda sair por aí, em busca do amor? Quatro e trinta e cinco da madrugada. O corpo de Yasmuradib é encontrado em seu quarto, sem mais a esperança de poder lembrar-se dos dias de sol na casa do amigo dileto Tsarakev. Dizem que já capturaram o autor dessa barbaridade. Pelo que sei, o pivete acusa Yasmuradib de não ter pago vinte reais. Yasmuradib deixou de sonhar por vinte reais. Claudius é o nome do vendedor de sonhos. Por que Yasmuradib não pagou os vinte reais pelo seu sonho? Já é manhã. O nome do vendedor de sonhos é Yazafim. Este diz que Yasmuradib tentou violentá-lo à força e, por isso, negou-lhe a chance de ter outros sonhos. O nome do vendedor de sonhos é Ninguém. Sim, Ninguém diz que matou Yasmuradib porque ele ameaçara acabar com os sonhos de Ninguém. Ninguém era feliz. Yasmuradib não era ninguém para Ninguém. Certamente o amor pode estar em qualquer lugar e disponível a qualquer tempo. Yasmuradib acorda assustado. Entre um cigarro e outro, entre chamadas não atendidas e voltas em redor da vítrea mesa, despencou sobre o sofá. Era mesmo meia-noite. Yasmuradib dirige-se à janela. À existência de tudo, tudo parecia-lhe mais intenso e repleto de luz. E, pronto para acordar a vizinhança, gritou: eu sou o meu próprio vendedor de sonhos! Despido, Prazetiev o esperava na cama.


Adriano Nunes

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