segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Adriano Nunes: "Ars poetica"

"Ars poetica"  


Então o criador,
- um bardo, por favor! - 
Repleto de esplendor
A imaginar ficou
Seu infinito cosmo.
Pedras e plantas pôs.
Pensou: do bicho homem,
A vã semente só
Depois! E a engendrar foi
A serpente, e o pior:
Em sua mente um corpo
De um deus amorfo e morto.
Assustou-se. E, por pouco,
Não se viu mesmo louco.
Criou a cabra e o porco.
A vaca, o breu e o boi.
Em preto e branco todos.
Somente o tempo cor
Tinha. E de medo logo
Encheu-se. Era óbvio
Que poderia só
Criatura ser, pois
Não tinha sequer nome.
Precisava do homem.
Era preciso o homem! 
Súbito, teceu rosto,
Pernas, pau, braços, boca.
E à semelhança do
Ser criado de assombro
Fora tomado. Solto
De si moldou-se molde
Já supondo em que ponto
Fincava a própria morte.
Fez orelhas e olhos,
A língua, a carne e os ossos. 
Co' imensurável sopro,
Encheu d' ar o protótipo
De si, enquanto sonho.
Contente do controle
Sobre o incrível esboço,
Postergou o seu gozo:
Era um deus, era homem! 
E, tirânico e tonto, 
Soube que estava pronto.
Do barro dos negócios
Mundanos outro tornou-se.
E das costelas dos
Ditos deliciosos
Forjou o sexo oposto.
Era tudo por seu modo.
Era tudo pra seu jogo.
Cansado, descansou
No grã trono. Pesou:
Agora tudo posso.

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