segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Adriano Nunes: "Dor e sentir" - Para a minha mãe

"Dor e sentir" - Para a minha mãe



Eu pasto, a cada dia, um pensamento 

Indiferente ao que me faz saber-me 
Em mim. Esse torpedo de quimeras 
Quânticas sou. Por isso, Vez ou outra, 
Desperto chorando, e, a entristecer a 
Minha face, a lágrima do devir.

O que é tempo, táctil, têxtil, à tez 
De tudo, não me comove. A  ignorância 
Cessou desde a descortês despedida 
Como útil. Provavelmente, não 
Serei mais que dor, essa dor além,
Capaz de desafiar todo o íntimo, 

De imergir profunda e rapidamente 
Em mim, como veneno que se ingere 
Num ato de ilusão, numa overdose 
De tristeza, tédio e desassossego,  
Dor de não mais poder desvencilhar-me
Da rotina sub-reptícia das sombras, 

Dos  tímidos anseios, do que há 
Em meu coração. Dor de confundir, 
De abraçar-me pelo avesso, sem vendas, 
Sem véus, sem velcros. Vazios. Vazios...
Ai, tive que suportar meu reflexo 

Distorcido, sozinho, ante o êxtase

Da expectativa de destituir 
Da existência o metro e o ritmo do amor.
E por estar de acordo com as falhas 

E as farsas do pensar, desfiz meu mundo,
Para não ser mais que isso,  fragmento
De um desejo roído, de uma busca. 


Leio os jornais diários e contemplo 

O acúmulo de letrinhas malignas.
Não há necessidade de silêncios
Nem de desculpas. Os deuses existem
Para os deuses. Apenas se recriam
Uns para os outros, a cada segundo,


A cada sangrante segundo... Até

Que desapareça o poder dos símbolos!
Estou mesmo em mim, perplexo, nu, pleno.  
Despiram-me dos homens que almejei, 
Das mulheres que amei, para que os sonhos 
Ferissem-me profundo, revelassem-me.

Faz-se agora o oposto de outrora: amar
E cantar viabilidades, e só?
Alguém me leve aos istmos de Macondo,
Às paisagens primitivas de Ítaca,
Às cocotes e às vistas de Pasárgada,
E largue-me, lá, que me recomponho!

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