"Dor e sentir" - Para a minha mãe
Eu pasto, a cada dia, um pensamento
Indiferente ao que me faz saber-me
Em mim. Esse torpedo de quimeras
Quânticas sou. Por isso, Vez ou outra,
Desperto chorando, e, a entristecer a
Minha face, a lágrima do devir.
O que é tempo, táctil, têxtil, à tez
De tudo, não me comove. A ignorância
Cessou desde a descortês despedida
Como útil. Provavelmente, não
Serei mais que dor, essa dor além,
Capaz de desafiar todo o íntimo,
De imergir profunda e rapidamente
Em mim, como veneno que se ingere
Num ato de ilusão, numa overdose
De tristeza, tédio e desassossego,
Dor de não mais poder desvencilhar-me
Da rotina sub-reptícia das sombras,
Dos tímidos anseios, do que há
Em meu coração. Dor de confundir,
De abraçar-me pelo avesso, sem vendas,
Sem véus, sem velcros. Vazios. Vazios...
Ai, tive que suportar meu reflexo
Distorcido, sozinho, ante o êxtase
Da expectativa de destituir
Da existência o metro e o ritmo do amor.
E por estar de acordo com as falhas
E as farsas do pensar, desfiz meu mundo,
Para não ser mais que isso, fragmento
De um desejo roído, de uma busca.
Leio os jornais diários e contemplo
O acúmulo de letrinhas malignas.
Não há necessidade de silêncios
Nem de desculpas. Os deuses existem
Para os deuses. Apenas se recriam
Uns para os outros, a cada segundo,
A cada sangrante segundo... Até
Que desapareça o poder dos símbolos!
Estou mesmo em mim, perplexo, nu, pleno.
Despiram-me dos homens que almejei,
Das mulheres que amei, para que os sonhos
Ferissem-me profundo, revelassem-me.
Faz-se agora o oposto de outrora: amar
E cantar viabilidades, e só?
Alguém me leve aos istmos de Macondo,
Às paisagens primitivas de Ítaca,
Às cocotes e às vistas de Pasárgada,
E largue-me, lá, que me recomponho!
Nenhum comentário:
Postar um comentário