"as frestas do inesperado"
estás triste.
dás-te por vencido.
todos aqueles sonhos já não te assustam.
todas aquelas fugas já não te embaraçam.
a madrugada cai tal desmoronamento -
alguma favela em tua alma grita,
reclama socorro -
arrastando tudo, levando o
alicerce de um sorriso qualquer.
não há vestígios do porvir.
não há restos de esperanças.
não se veem os fósseis das boas-novas.
as frestas do inesperado
não te permitem ver onde
se esconde o instante raro,
aquela alegria aguda, tátil.
entregas-te aos dragões
das medievais alcovas íntimas
do teu coração.
não sabes que rumo pode haver
para o último lance.
onde se infiltrou o infinito?
com que silêncio de silício
é possível não ser quem te sentes?
estás triste e
a paisagem não pesa mais.
a escrivaninha se desespera
à-toa. os cadernos
se ferem. dás-te ao tédio, tentando
escapar, à socapa, dos tentáculos
desse desassossego-clichê.
todas aquelas festas já não te forjam.
todos aqueles socos já não te desenham.
és talvez um tímido espectro
sem receio de ser um
tímido espectro
de alguma intempérie corrosiva.
que queres - que podes
querer a essa altura
em que a roleta-russa falha,
em tua tentativa de existência,
em que a solidão é
a cocote única,
disponível, para a valsa das lágrimas?
dás-te por vencido...
estás triste
e isso não
mais trucida o universo.
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