sábado, 2 de fevereiro de 2013

Adriano Nunes: "Do momento mais raro"

"Do momento mais raro" 


Não me diga a que vem...
Venha, mesmo sem senha,
Sem convite, sem carta
De apresentação, venha
Sem dar explicação,
'Inda que tarde, venha.

Rápido, de trem-bala.
Andando, devagar.
Em um piscar de pálpebra,
Via fax, de jatinho,
De carroça ou de táxi, 
De barco de papel,

Balsa, bote ou navio,
Não importa por qual
Caminho, não importa
Se por janela ou porta,
Se por furo ou por fresta,
No fundo, que interessa?

Venha feito saudade
Que bem se sabe e logo
Desfaz-se, venha como
Um espanto, um rompante,
Um susto, com ou sem
Disfarce, venha de

Verdade, com ou sem
Meta, venha de fato,
A qualquer hora vale
A sua vinda, venha
Pra o mal ou para o bem,
Venha numa sinapse,

Venha à ideia dar vida,
Venha mover o lápis,
Dar à emoção a mágica
Do momento mais raro,
Venha por ar ou asfalto,
Pra que serve o mistério?

Venha com a rígida métrica ou
Com fêmur fraturado,
Venha concreto ou clássico,
Romântico ou moderno,
Parnasiano ou não,
Venha livre de amarras

E dos grilhões do olvido,
Para tudo, pra nada,
Liberto, sol, sem pressa,
Libélula ou loucura,
Sem trauma, sem dor, saia
Do alheamento do tempo,

Vingue portento, venha
Verso, não se detenha,
Surja subitamente,
Solte-se do grã cárcere
Da inspiração pura, a-
Tire a primeira pedra,

Cante o que mais quiser.
Venha, sim, neste instante,
Desafiar o íntimo
De qualquer infinito,
Venha explícito ou enigma,
A que vem nunca diga!

Venha, à socapa, às claras,
Venha como quem não
Quer nada, venha pronto
Ou pouco a pouco, venha
Estranho, diferente,
Um outro. Venha sempre.

Seja o deus que não há,
Seja a grande alegria,
Seja o oráculo e o sonho,
Seja o centauro e o cosmo,
Seja o horizonte e o mar,
Seja o silêncio e o som.

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