segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Adriano Nunes: "Noite de silício"

"Noite de silício"



Olha
A noite se dilatando
Através das frestas do agora,
Aves se aconchegando, umas em bando,
Na prata da fria ramagem,
Favônio espalhando as
Folhas de silício,
O infinito.

Olha
As nuvens convergindo
No cume das altíssimas montanhas,
As feras se encolhendo
Sobre a relva, atentas
Ao silêncio de grafite,
Os homens
Entre os homens

E o olvido a corroer
Seus floridos sonhos... (Que importa?)
A treva se dispersa lá fora,
Ouvem-se frágeis cantos...
Os espectros conversam... (Algo íntimo?)
E esses monstros se disfarçando em homens...
(São homens!)
Consomem-se.




sábado, 28 de janeiro de 2012

Adriano Nunes: ‎"Um verso" - Para José Miguel Wisnik

‎"Um verso" - Para José Miguel Wisnik



Acorda
Sem hora
Pro agora
Apanha
O lápis
E lança-se
Ao longe
Rabisca
Arrisca-se
E em si
Se finca
Se faz
Se funde
Ao mais

Agarra-se
À folha
Esforça-se
Por frutos
Esboça-se
Sem forma
Sem fins
E sangra
E segue
Às cegas
Em frente
Afronta o in-
Finito
Em branco

Num salto
Dissolve-se
No fel
Do intruso
Papel
Procria
O espelho o
Comum
Propósito
O quando
O como
O quê
Recria-se
É chama

E clama
E chora
Quem se
Importa?
Explora-se
Contorce-se
Constrói-se
À porta
Do sonho
Declama o
Instante
Distante
Distrai-se
Que susto

Medonho!
Seu mundo
Só dura um
Segundo
E pronto:
Desperta o
Espectro
Do olvido
Sob ritmos
E ritos
Estranhos
Pondera
Sopesa
Surpreso

Sem jeito es-
Tá feito
O verso
Está
Desfeito
No verso
Imerso
No olhar
Alheio
Disposto
A ser
Um outro
E ser
O mesmo.






Adriano Nunes: "Fragmentos de um soneto urgente" - Para Caetano Veloso

"Fragmentos de um soneto urgente" - Para Caetano Veloso



Dado como morto, o poeta
Agora não mais canta o instante
Raro, funde-se aos livros ante
A nostalgia circunspeta.

Daquela artimanha secreta
Nada mais resta. Nem bacante
Nem outra ideia interessante...
De vez, deu-se ao Touro de Creta,

Às pressas. Nem algo indigente,
A rima, o ritmo entre esta gente
Iridescente, algum relato,

Fragmentos de um soneto urgente,
Encontraram... Nem o formato
Do tédio... Nem ato insensato.







Adriano Nunes: "Zéfiro"

"Zéfiro"



Logo ali, outro horizonte
Vale-se de um verde vale,
Faz-se flecha frente ao sonho
- Precipício de um propósito -
De incontáveis rudes homens.

Longe, além... Florida fome?
Viaja o ver que os invade,
Falta à língua: Quase estrondo
Sobre o instante. Talvez, ócio...
E sonda-os (Zéfiro) e some.








quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Adriano Nunes: "Narciso"

‎"Narciso"


Ainda te aguardo,
Co' a lira, mas certo
De que, além, tão perto
Estás. Todo ar, do

Espelho ao que guardo,
Tem teu cheiro, excerto
De um amor desperto,
Ecos desse fardo

Imersos no mar
Do símile flerte,
Sóis pra conceber-te.

Como me acalmar,
Ter alma pra estimar,
Em ti converter-te?




José Gorostiza: "Nocturno"

"Nocturno" José Gorostiza
A Eduardo Luquín


Esta noche sin luces y esta lluvia constante
son para las historias de aquellos peregrinos
que dejaban el lodo de sus buenos caminos,
cegados por la recia tempestad del instante,
y con paso más firme seguían adelante,
al lucir de los nuevos joyeles matutinos.

Esta noche sin luces aguardo ante mi puerta
los tres choques de aldaba que tocará un viajero,
y, no obstante, podría negarle mi dinero,
el calor de la alcoba o la paz de mi huerta;
pero vendrá a mi casa y al corazón alerta
porque siempre me busca cuando yo no lo quiero.

E iluminado por el espejo que brilla
-todo un campo de luz en las horas morenas-
al vaivén de las manos blancas como azucenas
me contará su historia agradable y sencilla,
y a sus labios, ocultos por la barba amarilla,
ha de fluir el canto mortal de las sirenas.

Ya no podré vencerle, ya no tendré la mano
fuerte para arrojarle de mi casa tranquila,
si apenas el relámpago negro de su pupila
le da el pequeño orgullo de llamarme su hermano,
mientras retiene un poco del cielo de verano
la lluvia pescadora con sus redes en fila.

Pero tú, que de nobles éxtasis te revistes,
no abras nunca la puerta para dar hospedaje.
Ten el oído sordo cuando ceda un ramaje
bajo la taciturna pisada de los tristes,
o busca el más secreto bálsamo si resistes
a no probar el ímpetu fantástico del viaje.



"Noturno"
(Tradução/transcriação de Adriano Nunes)


Esta noite sem luzes e esta chuva constante
são para tais histórias daqueles peregrinos
que deixavam o lodo de seus brandos caminhos,
cegados pela intensa tempestade do instante,
e com passo mais firme seguiriam adiante,
ao luzir dos joviais tesouros matutinos.

Nesta noite sem luzes ante esta porta
os três choques de aldraba que tocará um viageiro
e, não obstante, pod'ria negar-lhe o dinheiro,
o calor da alcova ou toda paz de minha horta;
porém virá à minha casa e ao coração alerta
porque sempre me procura quando eu não o quero.

E iluminado por um espelho que incendeia
- todo um campo de luz nessas horas morenas -
ao vai-vem das alvíssimas mãos como açucenas
me dirá sua história agradável e singela,
e a seus lábios, ocultos pela barba amarela,
há de fluir o canto mortal duma sereia.

Já não poderei vencê-lo, não terei a mão
forte pra atirá-lo de minha casa tranquila
se apenas o lampejo negro de sua pupila
dá-lhe o pequeno orgulho de chamar-lhe de irmão,
enquanto retém um pouco do céu de verão
a chuva pescadora com as redes em fila.

Porém tu, que de nobres êxtases te revestes,
não abras nunca a porta para dar hospedagem.
Tem o ouvido surdo quando cada uma ramagem
debaixo da taciturna pisada dos tristes,
ou busca o mais secreto bálsamo se resistes
a não provar o ímpeto fantástico da viagem.







In: GOROSTIZA, José. "Poesía y Poética". Madrid: ALLCA XX, 1997, páginas 16 e 17.

José Gorostiza: "La orilla del mar"

‎"La orilla del mar" - José Gorostiza



No es agua ni arena
la orilla del mar.

El agua sonora
de espuma sencilla,
el agua no puede
formarse la orilla.
Y porque descanse
en muelle lugar,
no es agua ni arena
la orilla del mar.

Las cosas discretas,
amables, sencillas;
las cosas se juntan
como las orillas.

Los mismo los labios,
si quieren besar.
No es agua ni arena
la orilla del mar.

Yo sólo me miro
por cosa de muerto;
solo, desolado,
como en un desierto.

A mí venga el lloro,
pues debo penar.
No es agua ni arena
la orilla del mar.



"A margem do mar"
(Tradução/transcriação de Adriano Nunes)

Não é água ou areia
a margem do mar.

Essa água sonora
de simples espuma,
dessa água não pode
formar-se orla alguma.

E porque descanse
em praieiro lar,
não é água ou areia
a margem do mar.

As coisas discretas.
amáveis, singelas;
as coisas se juntam
como as margens, elas.

Os símiles lábios,
querem-se beijar.
Não é água ou areia
a margem do mar.

Apenas me admiro
por quase morto;
tão só, desolado,
como em um deserto.

A mim venha o choro
pois devo penar.
Não é água ou areia
a margem do mar.





In: GOROSTIZA, José. "Poesía y Poética". Madrid: ALLCA XX, 1997, páginas 8.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

José Gorostiza: "Se alegra el mar"

‎"Se alegra el mar" - José Gorostiza
A Carlos Pellicer


Iremos a buscar
hojas de plátano al platanar.

Se alegra el mar.

Iremos a buscarlas en el camino,
padre de las madejas de lino.

Se alegra el mar.

Porque la luna (cumple quince años a pena)
se pone blanca, azul, roja, morena.

Se alegra el mar.

Porque la luna aprende consejo del mar,
en perfume de nardo se quiere mudar.

Se alegra el mar.

Siete varas de nardo desprenderé
para mi novia de lindo pie.

Se alegra el mar.

Siete varas de nardo; sólo un aroma,
una sola blancura de pluma de paloma.

Se alegra el mar.

Vida —le digo— blancas las desprendí, yo bien lo sé,
para mi novia de lindo pie.

Se alegra el mar.

Vida —le digo— blancas las desprendí.
¡No se vuelvan oscuras por ser de mí!

Se alegra el mar.



"Se alegra o mar"
(Tradução de Adriano Nunes)

Iremos a buscar
folhas de banana no pomar.

Se alegra o mar.

Iremos a buscá-las pelo caminho,
pai dessas madeixas de linho.

Se alegra o mar.

Porque a lua (cumpre quinze anos a pena)
se põe branca, azul, vermelha, morena.

Se alegra o mar.

Porque a lua aprende conselho do mar,
em perfume de nardo se quer transformar.

Se alegra o mar.

Sete varas de nardo desprendo até
pra minha noiva de lindo pé.

Se alegra o mar.

Sete varas de nardo; apenas um aroma,
uma plena brancura de pluma de paloma.

Se alegra o mar.

Vida -lhe digo- brancas as desprendi, bem sei até,
pra minha noiva de lindo pé.

Se alegra o mar.

Vida -lhe digo- brancas as tive assim.
Não se tornem escuras vindas de mim!

Se alegra o mar.







In: GOROSTIZA, José. "Poesía y Poética". Madrid: ALLCA XX, 1997, páginas 9 e 10.

Luis de Góngora y Argote: "Vana rosa"

‎"Vana rosa" - Luis de Góngora y Argote



Ayer naciste, y morirás mañana.
¿Para tan breve ser, quién te dio vida?
¿Para vivir tan poco estás lucida,
y para no ser nada estás lozana?

Si te engañó tu hermosura vana,
bien presto la verás desvanecida,
porque en tu hermosura está escondida
la ocasión de morir muerte temprana.

Cuando te corte la robusta mano,
ley de la agricultura permitida,
grosero aliento acabará tu suerte.

No salgas, que te aguarda algún tirano;
dilata tu nacer para tu vida,
que anticipas tu ser para tu muerte.



"Rosa vã" - Luis de Góngora y Argote
(Tradução de Adriano Nunes)


Mal nasceste, e morrerás amanhã.
Para tão breve ser, quem te deu vida?
Para viver tão pouco estás luzida,
e para não ser nada estás louçã?

Se te enganou sua candura vã,
bem depressa a verás desvanecida,
porque em tua candura está escondida
a ocasião de morte temporã.

Quando te corte tal robusta mão,
Norma da agricultura permitida,
grosso alento acabará tua sorte.

Não saias, que te aguarda algum vilão;
retarda teu nascer pra tua vida,
que antecipas teu ser pra tua morte.


terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Carlos Augusto Salaverry: "Diamantes y Perlas"

"Diamantes y Perlas" - Carlos Augusto Salaverry



He aquí, lector, la diminuta llave
que guarda de mis joyas el tesoro;
privanme la modestia y el decoro
de que yo te las muestre y las alabe.

Quizás tu lente, escrutador, acabe
por no hallar en mi cofre perlas ni oro
si tal descubres, por tu honor imploro
que no lo digas a quien no lo sabe.

Si no hallas en mis versos poesía,
ni estilo, ni metáforas brillantes,
mis páginas arroja sin leerlas.

Que otro lector, acaso, encontraría
en los tipos de imprenta - los diamantes,
y en mis vacías páginas - las perlas.



"Diamantes e pérolas"
(Tradução de Adriano Nunes)

E aqui, leitor, a diminuta chave
que guarda dessas jóias o tesouro;
despojam-me a modéstia e tal decoro
de que as mesmas jóias te mostre e as louve.

Quiçá teu flerte, observador, acabe
sem ver em meu cofre pedras nem ouro
se assim descobres, por tua honra imploro
que o não reveles a quem nada sabe.

Se não vês em meus versos poesia,
nem estilo ou metáforas brilhantes,
sem que as leias atira as minhas páginas.

Que outro leitor, acaso, encontraria
nos modelos de imprensa - os diamantes,
pérolas, nas minhas vazias páginas.




Adriano Nunes: "Medusa"

"Medusa"



Não podes mergulhar as horas
No vinagre do esquecimento,
Abrigar o mofo das fugas
Nas migalhas da alteridade.

Os teus princípios precipitam-se
No silêncio pesado, enquanto
Sopesam pedras na memória.


Acordaste? E segues sem ti?
Acordaste? E sequer te exaltas?
Acordaste? E nunca  te furtas 
Desse horizonte sub-reptício,
Para ofertar-te tempo e tédio?
Há muito o teu coração quer

Profundos báratros, quer dar

O golpe de misericórdia

Nas esperanças, as pequenas
Esperanças, os tais carrascos
Da tua humanidade. O que
Volta, à socapa, feito luz,
Pra elevar vez
 à tua língua?
Ante o espelho, a imagem espalha-se,

Só, vulto e víboras... És tu,
À espera do sabre, Medusa.
Além, percorres o trajeto
Traçado pelo olho do instante:

Tudo pode dar mesmo certo.
Sonhas? E manterás a morte
A luzir,  a pulsação máxima


Do corpo, a que mais sinalizas?

Estás triste? O tátil horror
De ser quem sentes-te, esfacela-te?
Estás triste... Triste, tão triste!
Perseu quando vem? E os mil mortos,

As estátuas, os teus amores
De mármore, à tez do infinito?

domingo, 22 de janeiro de 2012

Ricardo Jaimes Freyre: "Las voces tristes"

"Las voces tristes" - Ricardo Jaimes Freyre



Por las blancas estepas
se desliza el trineo;
los lejanos aullidos de los lobos
se unen al jadeante resoplar de los perros.

Nieva.
Parece que el espacio se envolviera en un velo,
tachonado de lirios
por las olas del cierzo.

El infinito blanco...
sobre el vasto desierto
flota una vaga sensación de angustia,
de supremo abandono, de profundo y sombrío desaliento.

Un pino solitario
dibújase a lo lejos,
en un fondo de brumas y de nieve,
como un largo esqueleto.

Entre los dos sudarios
de la tierra y el cielo
avanza en el Naciente
el helado crepúsculo de invierno...



"As vozes tristes"
(Tradução de Adriano Nunes)


Pelas brancas estepes
desliza-se o trenó;
os longínquos uivos de muitos lobos
unem-se ao ofegante soar dos cães.

Neva.
Parece que o espaço se envolvera em algum véu,
enfeitado de lírios
por ondas de granizo.

Esse infinito branco...
sobre o vasto deserto
boia uma vaga sensação, de profundo e sombrio desalento.

Um pinheiro sozinho
esboça-se no além,
em um fundo de brumas e de neve,
como um longo esqueleto.

Entre os ambos sudários
da terra e do céu
avança no Nascente
o gelado crepúsculo de inverno...






In: "Obra poética y narrativa". La Paz: Plural Editores. Edición preparada por Maurício Souza Crespo.

Adriano Nunes: "o amor"

"o amor"


quer o amor?
então o conceba...
do tímido pentelho
ao espalhafatoso topete
do cabelo,
do prepúcio solto
ao occipital osso,
do mínimo dedo
à cabeça do fêmur esquerdo,
do intestino grosso
ao cristalino do olho,
da patela do joelho
à abertura da boceta,
do médio artelho
ao umbigo caolho,
do aparado pelo da perna
à fissura natural do peito.

quer o amor?
então o invente...
da sexta costela
à segunda sacral vértebra,
do cerebelo
ao perímetro do pé,
do esmalte do dente
ao ereto pênis,
do frontal lobo
ao escroto,
do labirinto do som
ao labirinto deferente,
do nervo hipoglosso
à grossa sobrancelha,
da íris iridescente
à arquitetura perfeita
da orelha.

o amor?
não o encontrou?
verse-os uns pelos outros.
o corpo é pouco.
o melhor é ser outro.
o tempo é pouco.
é preciso ser outro.
o sonho é pouco.
é preciso estar outro.
o cosmo é pouco.
é preciso estar roto.
o peso é pouco.
é preciso entrar no jogo.
o pouso é pouco.
é preciso morrer de novo.
o veto é pouco.
é preciso ser todo

poeta.






sábado, 21 de janeiro de 2012

Adriano Nunes: "Uma palavra ilhada" - Para Antonio Cicero

"Uma palavra ilhada" - Para Antonio Cicero



Entre a estrela atrelada
À estrutura celeste
E a lida que me deste,
O teu verso e mais nada.

Talvez valesse o teste,
(Uma palavra ilhada
Sobre a folha, tragada
Pelo sonho?) inconteste:

O infinito te salta
À língua ante a lua alta
E a vida em tudo excede.

Ai, vislumbra, procede
Co' a tua astúcia, cede,
Musa, à voz que te exalta!





Severo Sarduy: "Entrando en ti, cabeza con cabeza..."

"Entrando en ti, cabeza con cabeza..." - Severo Sarduy


Entrando en ti, cabeza con cabeza,
pelo con pelo, boca contra boca:
el aire que respiras -la fijeza
del recuerdo-, respiro y en la poca

luz de la tarde -rayo que no cesa
entre los huesos abrasados- toca
los bordes de tu cuerpo; luz que apresa
la forma. Ya su cénit la convoca

a otro vacío donde su blancura
borra, marca de arena, tu figura.
El día devorando de sonidos

quema, de trecho en trecho, su espesura
y vuelca de ceniza la textura
en la noche voraz de los sentidos.

"Entrando em ti, cabeça com cabeça..."
(Tradução/transcriação de Adriano Nunes)

Entrando em ti, cabeça com cabeça,
pelo com pelo, boca contra boca:
ar que respiras- o que fica à beça
da recordação-, respiro e na pouca

luz da tarde- centelha que não cessa
entre os ossos incendiados- toca
os bordos do teu corpo; luz que engessa
a forma. Já seu zênite a convoca

a outro vazio donde sua alvura
borra, áurea arenosa, tua figura.
O dia devorado por zumbidos

queima, a cada trecho, sua espessura
e revolve de cinzas tal textura
na noite sequiosa dos sentidos.





In: SARDUY, Severo. Obra completa. Tomo I. Edición crítica. Gustavo Guerrero – François Wahl coordenadores. Madrid: ALLCA XX, 1999.

Juan Manuel Roca: "Canción del que fabrica los espejos"

"Canción del que fabrica los espejos" - Juan Manuel Roca


Fabrico espejos:
Al horror agrego más horror,
Más belleza a la belleza.
Llevo por la calle
La luna de azogue:
El cielo se refleja en el espejo
Y los tejados bailan
Como un cuadro de Chagall.
Cuando el espejo entre en otra casa
Borrará los rostros conocidos,
Pues los espejos no narran su pasado,
No delatan antiguos moradores.
Algunos construyen cárceles,
Barrotes para jaulas.
Yo fabrico espejos:
Al horror agrego más horror,
Más belleza a la belleza.


"Canção do que fabrica os espelhos"
(Tradução/transcriação de Adriano Nunes)

Fabrico espelhos:
Ao horror agrego mais horror,
Muita beleza à beleza.
Levo pela rua
A lua de azougue:
O cosmo se reflete em um espelho
E os telhados bailam
Como um quadro de Chagall.
Quando o espelho adentre noutra casa
Borrará os rostos conhecidos,
Pois os espelhos não narram seu passado,
Não delatam antigos moradores.
Alguns constroem cárceres,
Barrotes para jaulas.
Eu fabrico espelhos:
Ao horror agrego mais horror,
Toda beleza à beleza.





In: "Antología de la poesía colombiana - TOMO II" por Rogelio Echavarría.

Pablo Antonio Cuadra: "Meditação ante um poema antigo"

"Meditação ante um poema antigo" - Pablo Antonio Cuadra



Preguntó la flor: ¿el perfume
acaso me sobrevivirá?

Preguntó la luna: ¿guardo algo
de luz para después de perecer?

Mas el hombre dijo: ¿por qué termino
y queda entre vosotros mi canto?

"Meditação ante um poema antigo"
(Tradução de Adriano Nunes)

Perguntou a flor: o perfume
acaso me sobreviverá?

Perguntou a lua: guardo algo
de luz para depois de fenecer?

Porém o homem dissera: por que findo
e finca-se entre vós o meu canto?





Obs.: poema original retirado do site do poeta Antonio Miranda.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Severo Sarduy: "Las húmedas terrazas dominaban..."

"Las húmedas terrazas dominaban..." - Severo Sarduy

A Octavio Paz

Las húmedas terrazas dominaban
el templo, la planicie entre dos mares,
superpuestas, azules, triangulares.
Simétricas estatuas deslizaban

sus fragmentos de mármol por la nieve
-fueron torsos de Apolo, manos anchas
que el musgo ha devorado con sus manchas-
fresca, trazando un laberinto breve.

Los cuerpos arrastrados por el río
han quedado en la arena sepultados
bajo las piedras nítidas del lecho.

En el delta una mano, el globo frío
de unos ojos han sido rescatados,
y más allá una frente, un brazo, el pecho.



"Os úmidos terraços dominavam..."
(Tradução/transcriação de Adriano Nunes)


Os úmidos terraços dominavam
o templo, o campo plano entre dois mares,
sobrepostos, azuis, triangulares.
Simétricas estátuas deslizavam

seus fragmentos de mármore na neve
- foram de Apolo torsos, as mãos parcas
que o musgo devorou com suas marcas -
fresca, trançando um labirinto breve.

Os corpos arrastados pelo rio
fincaram-se na areia sepultados
sob os rochedos nítidos do leito.

Nesse delta uma mão, o globo frio
de unos olhos têm sido resgatados,
e mui além, uma face, um braço, o peito.





In: SARDUY, Severo. Obra completa. Tomo I. Edición crítica. Gustavo Guerrero – François Wahl coordenadores. Madrid: ALLCA XX, 1999.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Adriano Nunes: "fuga"

"fuga"



aviões nos fazem pássaros
no pouso
navios nos fazem pedras
no porto

as viagens e os sonhos
nos tornam

outros.







segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Adriano Nunes: "arte poética"

"arte poética"



súbito risco
no papel e
o escrito surge infinito,
algum arauto,

abalo sísmico ,
corvo no céu.
o verso, menino traquino,
em fuga, finge

vingar, à primeira investida,
saltar da assustada laringe
de grafite, desse silêncio
iridescente.

outro rabisco
e nada mais pode ser isso...
mergulho no elíptico abismo
de assombros íntimos,

ante a incerteza de um segundo.
no peito aberto do poeta,
à queima-língua,
trágico tiro.





Gabriela Mistral: "Dame la mano"

"Dame la mano" - Gabriela Mistral


Dame la mano y danzaremos;
dame la mano y me amarás.
Como una sola flor seremos,
como una flor, y nada más...

El mismo verso cantaremos,
al mismo paso bailarás.
Como una espiga ondularemos,
como una espiga, y nada más.

Te llamas Rosa y yo Esperanza;
pero tu nombre olvidarás,
porque seremos una danza
en la colina y nada más...

"Dá-me a mão"
(Tradução de Adriano Nunes)

Dá-me a mão e nós dançaremos;
dá-me a mão e me adorarás.
Como uma flor então seremos,
como uma flor, e nada mais...

O mesmo verso cantaremos,
ao mesmo passo bailarás.
Como uma espiga ondularemos,
como uma espiga, e nada mais.

Te chamas Rosa e eu esp'rança,
mas o teu nome olvidarás,
porque seremos uma dança
nessa colina e nada mais...



MISTRAL, Gabriela. "Poesías Completas". Santiago de Chile: Andres Bello, 2001.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Adriano Nunes: "cromática alegria"

‎"cromática alegria"



era para depois.
sim, para depois e
a paisagem seria
cromática alegria,
entre o cosmo e nós dois,
antípodas em crise.

era para mais tarde.
claro, era para mais
do que tudo seria.
estranha alegoria
ou milagres no cais
desse instante covarde?

a vida era vilã.
depois, tarde, talvez...
o amor se valeria
intacto nesse dia,
mas logo se desfez.
era para amanhã.




sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Federico García Lorca: "Caracola"

"Caracola" - Federico García Lorca

A Natalia Jiménez

Me han traído una caracola.

Dentro le canta
un mar de mapa.
Mi corazón
se llena de agua
con pececillos
de sombra y plata.

Me han traído una caracola.



"Concha do mar"
(Tradução der Adriano Nunes)

Trouxeram-me uma concha do mar.

Adentro canta
um mar de mapa.
Meu coração
se enche de água
com peixinhos
de sombra e prata.

Trouxeram-me uma concha do mar.





In: "Obra Poética Completa". São Paulo: Martins Fontes, 1996. (De onde foi retirado o original em espanhol)





José Gorostiza: ‎"Poesías no coleccionadas: II" - José Gorostiza

‎"Poesías no coleccionadas: II" - José Gorostiza



Yo no conozco el mar.
Se me antoja una música propicia
para llorar,
donde pululan olas, disonantes
como tus lágrimas
sobre la música de tu mirar.

Lloras... y yo comprendo
rápidamente la amplitud del mar.
Tu pecho se levanta en los suspiros
y tu llanto se rompe al sollozar.
Y lloro internamente por sumar
las perlas incoloras de mi fuente
a las imprescindibles tempestades del mar.

Dame la mano. Siento
ganas de sollozar
y verter nuestras lágrimas salinas
cerca de las divinas transparencias del mar.

Yo no sé de marinas lobregueces,
pero te ví llorar.



México, 5 de julio de 1918.



"Poesias não colecionadas: II" - José Gorostiza
(Tradução/transcriação de Adriano Nunes)


Eu não conheço o mar.
Parece-me uma música propícia
para chorar,
donde pululam ondas, dissonantes
tal tuas lágrimas
perante a música do teu olhar.

Choras... e eu compreendo
rapidamente a amplitude do mar.
Teu peito se levanta nos suspiros
e teu pranto se rompe ao soluçar.
E choro internamente por somar
as pérolas sem cor da minha fonte
às imprescindíveis tempestades desse mar.

Entrega-me a mão, sinto
ganas de soluçar
e verter nossas lágrimas salinas
perto das divinas transparências desse mar.

Eu não sei de marinhos borramentos,
mas eu te vi chorar.



In: GOROSTIZA, José. "Poesía y Poética". Madrid: ALLCA XX, 1997, p. 93.








Federico García Lorca: "El amor duerme en el pecho del poeta"

"El amor duerme en el pecho del poeta" - Federico García Lorca



Tú nunca entenderás lo que te quiero
porque duermes en mí y estás dormido.
Yo te oculto llorando, perseguido
por una voz de penetrante acero.

Norma que agita igual carne y lucero
traspasa ya mi pecho dolorido
y las turbias palabras han mordido
las alas de tu espíritu severo.

Grupo de gente salta en los jardines
esperando tu cuerpo y mi agonía
en caballos de luz y verdes crines.

Pero sigue durmiendo, vida mía.
¡Oye mi sangre rota en los violines!
¡Mira que nos acechan todavía!

"O amor dorme no peito do poeta"
(Tradução/transcriação de Adriano Nunes)

Tu nunca entenderás quanto te quero
porque dormes em mim, adormecido.
Eu te oculto chorando, perseguido
por uma voz de penetrante ferro.

Norma que agita igual carne e luzeiro
traspassa já meu peito dolorido
e as opacas palavras têm mordido
as asas desse espírito severo.

Grupo de gente salta nos jardins
esp'rando teu corpo e minha agonia
em cavalos de luz e verdes brins.

Mas adormecida, a vida seguia.
Ouve os violinos a sangrar meus rins!
Mira que nos observam todavia!




In: "Obra Poética Completa". Sonetos inéditos. São Paulo: Martins Fontes, 1996. (de onde foi retirado o original em espanhol)





Adriano Nunes: "Nota Fiscal"

"Nota Fiscal"



Um desengano,
O ser humano.

Para existir
Devia estar
Etiquetado,
Com lacre, ao lado,
Exposto, prático:
Cuidado! Frágil!

Ai, vejam estes
Feridos cacos!




quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Adriano Nunes: "Ars Poetica" - Para Nydia Bonetti

"ARS POETICA" - Para Nydia Bonetti



Nenhuma panela poética me pariu.
Eu sou produto do eu sozinho.
Nenhuma premissa me contém.
Eu sou promíscuo e passo bem.
Nenhuma proeza me abortou.
Eu sou aquele pássaro atrás do próprio voo.
Nenhuma prisão me encerra.
Eu sou propícia ponte para a quântica quimera.
Nenhuma parábola me condena.
Eu sou apenas poeta: espalho essa cantilena
Caótica, sem pressa,
Sem dar, à coisa alguma, trégua.

E quando esqueço quem me sinto,
Pinto o sete,
Apronto todas,
Vivo a vaia,
Ensaio a valsa avulsa convulsa
No vácuo iridescente
De algum poente,
Não estou nem aí para desculpas ou culpas,
Abrigo Borges, Bandeira e Baudelaire
No âmago do infinito,
Dispenso quem me queira mostrar a saída
Do meu labirinto íntimo.







Adriano Nunes: "Eu preciso escrever outro soneto"

‎"Eu preciso escrever outro soneto"



Eu preciso escrever outro soneto
Sobre escrever soneto, a qualquer preço.
A Shakespeare e Camões agradeço
Por enfim construir este quarteto.

Ó, de infinitas fontes me abasteço,
Bandeira e Baudelaire, que dueto!
Hábeis Homero e Horácio, eis o quarteto
Surgindo... Sangue, sonho, recomeço!

Palavra por palavra, nono verso
Aparece tal mágica. Surpreso
Fico ao ver concluído este terceto.

Entre o insólito mito e o fim coeso,
Admito: Em Poesia vivo imerso
E alegro-me. Por isso, outro soneto!









Federico García Lorca: "Soneto de la carta"

"SONETO DE LA CARTA" - Federico García Lorca



Amor de mis entrañas, viva muerte,
en vano espero tu palabra escrita
y pienso, con Ia flor que se marchita,
que si vivo sin mí quiero perderte.

El aire es inmortal. La piedra inerte
ni conoce Ia sombra ni Ia evita.
Corazón interior no necesita
Ia miel helada que Ia luna vierte.

Pero yo te sufrí. Rasgué mis venas,
tigre y paloma, sobre tu cintura
en duelo de mordiscos y azucenas.

Llena, pues, de palabra mi locura
o déjame vivir en mi serena
noche del alma para siempre oscura.




"Soneto da carta"
(Tradução/transcriação de Adriano Nunes)



De meu âmago amor, viva morte,
em vão espero tua p'lavra escrita
e penso co'a flor que se debilita,
que se vivo sem mim quero perder-te.

Inalcançável ar. A pedra inerte
não reconhece a sombra nem a evita.
Íntimo coração não necessita
Do mel congelado que a lua verte.

Minhas veias rasguei. A duras penas,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em luta de mordiscos e açucenas.

Cubra-me de p'lavra minha loucura
ou deixa-me viver numa serena
noite de alma infinitamente escura.




In: "Poesía Completa". Editora Debolsillo.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

José Gorostiza: "Elegía"

"Elegía" - José Gorostiza

A Ramón López Velarde


Solo, con ruda soledad marina,
se fue por un sendero de la luna,
mi dorada madrina,
apagando sus luces como una
pestaña de lucero en la neblina.


El dolor me sangraba el pensamiento,
y en los labios tenía,
como una rosa negra, mi silencio.


Las azules cenéforas de la melancolía
derramaron sus frágiles cestillos,
y el sueño se dolía
con la luna de lánguidos lebreles amarillos.


Se pusieron de púrpura las liras;
las mujeres, en hilos de lágrimas suspensas,
cortaron las espiras
blandamente aromadas de sus trenzas.


Y al romper mis quietudes vesperales
lo gris de estas congojas,
las oí resbalar como a las hojas
en los rubios jardines otoñales.


Apaguemos las lámparas, hermanos.
De los dulces laúdes
no muevan le cordaje nuestras manos.
Se nos murieron las siete virtudes,
al asomar
los finos labios del amanecer.
¡Ponga dios una lenta lágrima de mujer
en los ojos del mar!



"Elegia"
(Tradução/transcriação de Adriano Nunes)


Só, com rígida solidão marinha,
se fora por um caminho de bruma,
minha d'ouro madrinha,
apagando suas luzes como uma
pestana de luz na neblinazinha.

Uma dor me sangrava o pensamento
e nos lábios retinha,
como uma rosa negra, meu lamento.

As azuladas canéforas da melancolia
derramaram os seus frágeis cestinhos,
e o sonho se doía
co' a lua de lânguidos amarelos lebreuzinhos.

Se coloriram de púrpura as liras;
as mulheres, em linhas de lágrimas suspensas,
cortaram as espiras
brandamente aromadas de tais tranças.

E ao romper minhas calmas vesperais
o gris destas angústias,
resvalar como as folhagens, ouvi-as
nos rutilantes jardins outonais.

Apaguemos as lâmpadas, irmãos.
Dos doces alaúdes
não movam o cordame nossas mãos.
Se nos morreram as sete virtudes,
ao despontar
os delgados lábios do amanhecer.
Ponha Deus uma lenta lágrima de mulher
nos olhares do mar!





In: GOROSTIZA, José. "Poesía y Poética". Madrid: ALLCA XX, 1997, p. 24.






Pablo Neruda: "Testamento II"

"Testamento II" - Pablo Neruda


Dejo mis viejos libros, recogidos
en rincones del mundo, venerados
en su tipografía majestuosa,
a los nuevos poetas de América,
a los que un día
hilarán en el ronco telar interrumpido
las significaciones de mañana.

Ellos habrán nacido cuando el agreste puño
de leñadores muertos y mineros
haya dado una vida innumerable
para limpiar la catedral torcida,
el grano desquiciado, el filamento
que enredó nuestras ávidas llanuras.
Toquen ellos infierno, este pasado
que aplastó los diamantes, y defiendan
los mundos cereales de su canto,
lo que nació en el árbol del martirio.

Sobre los huesos de caciques, lejos
de nuestra herencia traicionada, en pleno
aire de pueblos que caminan solos,
ellos van a poblar el estatuto
de un largo sufrimiento victorioso.

Que amen como yo amé mi Manrique, mi Góngora,
mi Garcilaso, mi Quevedo:
fueron
titánicos guardianes, armaduras
de platino y nevada transparencia,
que me enseñaron el rigor, y busquen
en mi Lautréamont viejos lamentos
entre pestilenciales agonías.
Que en Mayakovsky vean cómo ascendió la estrella
y cómo de sus rayos nacieron las espigas.



"Testamento II"
(Tradução/transcriação de Adriano Nunes)


Deixo meus velhos livros, recolhidos
em recantos do mundo, venerados
em sua tipografia pomposa,
aos novatos poetas da América,
aos que algum dia
irão tecer no rouco tear interrompido
todas significações do amanhã.

Eles haverão nascido quando o agreste punho
de lenhadores mortos e mineiros
haja dado uma vida inumerável
para limpar a catedral torcida,
o grão precipitado, o filamento
que enredou nossas ávidas planícies.
Toquem eles o inferno, este passado
que esmagou os diamantes, e defendam
os mundos de cereais de seu canto,
o que nasceu na árvore do martírio.

Sobre os ossos de caciques, distante
de nossa herança traída, no pleno
ar de povos que caminham sozinhos,
eles irão povoar o estatuto
de um largo sofrimento vitorioso.

Que amem como eu amei meu Manrique, meu Góngora,
meu Garcilaso, meu Quevedo:
foram
titânicos guardiães, armaduras
de platina e nevada transparência,
que me ensinaram o rigor, e busquem
em meu Lautréamont velhos lamentos
entre as tais pestilentas agonias.
Que em Mayakovsky vejam como ascendeu a estrela
e como de seus raios nasceram as espigas.






In: NERUDA, Pablo. "Canto General". Mexico: Ediciones Oceano, 1954; Canto XV (Yo Soy); XXIV; páginas 563/564.



segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Adriano Nunes: "Violentamente. Qualquer horizonte" - Para Nelson Ascher

‎"Violentamente. Qualquer horizonte" - Para Nelson Ascher



O que devo fazer com a memória
Não revelada, sob metros e medos
Espalhados, nas gavetas dos sonhos,
Enquanto essa tristeza me convence

De que a poeira a pousar sobre a tez
De tudo que me sinto apenas cobre
A ilusão, negro esmalte, vítrea dor?
Ai, são tantas as úlceras por ver!

Liberto-me do olvido e volto à verve,
Violentamente. Qualquer horizonte
Serve-me de propício porto, ponte

Para o infinito, porque quero agora
A minha vida atada a cada verso,
O meu tempo sobre a carne do tempo.




quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

José Gorostiza: "Otoño"

"Otoño" - José Gorostiza


Un aire frío dispersó a la gente,
ramaje de colores.
Mañana es el primer día de otoño.
Los senos quieren iniciar un viaje
de golondrinas en azoro
y la mirada enfermará de ausencia.

!Otoño,
todo desnudez de oro!

Pluma de garza contra el horizonte
es la niebla en el alba.
Lo borrará de pronto con un ala
lejana;
pero tendré la tarde aclarecida,
aérea, musical de tus preguntas
esas eternas blandas.

!Otoño,
todo desnudez el oro!

Tu silencio es agudo como un mástil.
Haré de viento orífice.
Y al roce inmaterial de nuestras pausas,
en los atardeceres del otoño,
nunca sabremos si cantaba el mástil
o el viento mismo atardeció sonoro.

!Otoño,
todo desnudez en oro!



"Outono"
(Tradução/transcriação de Adriano Nunes)


Um ar frio dispersou toda a gente,
ramalhete de cores.
Amanhã primeiro dia de outono.
Os seios querem começar a viagem
das andorinhas com espanto
e a mirada adoecerá de ausência.

Outono,
toda desnudez de ouro!

Plumagem de garça contra o horizonte
é tal névoa na aurora.
o borrará de repente co'uma asa
distante;
no entanto terá a tarde colorida,
'érea, musical de tuas perguntas
essas eternas brandas.

Outono,
toda desnudez tesouro!

Teu silêncio é agudo como um mastro.
Fará do vento ourives.
E ao toque imat'rial de nossas pausas,
nos tantos entardeceres de outono,
nunca sab'remos se cantava o mastro
ou o vento mesmo tardava sonoro.

Outono,
toda desnudez em ouro!






In: GOROSTIZA, José. "Poesía y Poética". Madrid: ALLCA XX, 1997, p. 39.








José Gorostiza: "Oración"

‎"Oración" - José Gorostiza


La barca morena de un pescador,
cansada de bogar,
sobre la playa se puso a rezar.
!Hazme, Señor,
un puerto en las orillas de este mar!


"Oração"
(tradução de Adriano Nunes)


A barca morena de um pescador,
cansada de remar,
sobre a praia se projeta a rezar:
Dai-me, Senhor,
um porto no p'rímetro deste mar!




In: GOROSTIZA, José. "Poesía y Poética". Madrid: ALLCA XX, 1997, p. 35.




segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Adriano Nunes: "engasgo"

"engasgo"



dizer a ele
que leia o poema,
que não fique, à socapa, fingindo
ser a metáfora de tudo,
enquanto tudo.
dizer a ele
que a teia está tecida há tempos,
que o intervalo mágico não se desfaz,
que o instante raro raptou o sonho,
sem memória.

e se, por acaso, os dragões
voltarem à torre, com rajadas
de fogo sulfúrico e fumaça, em voo
rasante, nada
lhe diga mais.

o poema não tem pressa
e a sua
existência não é mero anexo
de folhas de urânio, de estantes
sombrias, de entranhas.
o seu sol pertence àquela galáxia
inalcançável.
e todo silêncio repousa sobre
a sua tez.




Federico García Lorca: "Deseo"

"Deseo" - Federico García Lorca


Sólo tu corazón caliente,
y nada más.

Mi paraíso un campo
sin ruiseñor
ni liras,
con un río discreto
y una fuentecilla.

Sin la espuela del viento
sobre la fronda,
ni la estrella que quiere
ser hoja.

Una enorme luz
que fuera
luciérnaga
de otra,
en un campo
de miradas rotas.

Un reposo claro
y allí nuestros besos,
lunares sonoros
del eco,
se abrirían muy lejos.

Y tu corazón caliente,
nada más.



"Desejo"
(Tradução de Adriano Nunes)

Somente teu coração quente,
e nada mais.

Meu paraíso um campo
sem rouxinol
nem liras,
com um rio discreto
e uma fontezinha.

Sem a espora do vento
sobre a fronde,
nem a estrela que quer
ser folha.

Uma enorme luz
que fosse
p'rilampo
d'outra,
em um campo de
olhadas rotas.

Um repouso claro
e ali nossos beijos,
lunares sonoros
d'um eco,
se abririam mui longe.

E teu coração ardente,
nada mais.





In: " "Libro de poemas". Buenos Aires: Editorial Losada S.A. O poema foi escrito em 1920.