quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Idea Vilariño: "La noche"

Idea Vilariño: "La noche"


"La noche"

La noche no era el sueño
Era su boca
Era su hermoso cuerpo despojado
De sus gestos inútiles
Era su cara pálida mirándome en la sombra
La noche era su boca
Su fuerza y su pasión
Era sus ojos serios
Esas piedras de sombra 

Cayéndose en mis ojos
Y era su amor en mí
Invadiendo tan lenta
Tan misteriosamente

(1968)



"A noite" (Tradução de Adriano Nunes)



A noite não era o sonho
Era sua boca
Era seu bonito corpo desnudo
De seus gestos inúteis
Era sua face pálida olhando-me na sombra
A noite era sua boca
Sua força e paixão
Era seus olhos sérios
Essas pedras de sombra 

Despencando em meus olhos
E era seu amor em mim
Invadindo tão lenta
Tão misteriosamente.




In: VILARIÑO, Idea. "Poesía Completa". Montevideo: Cal y Canto, 2012, p. 138.

Adriano Nunes: "O perdão" - Para a minha mãe

"O perdão" - Para a minha mãe


E logo após ser beijado na face
Por Judas, seguiu Jesus contemplando
O dia, o horizonte, a Cruz e o Calvário.
Maria tinha o olhar de eternidade

Castigado: O Tempo se declarara
Cego. À certa distância, todo o âmago
Do povo era babel e mesmo bárbaro.
Mas Jesus seguia a calculados passos

Seu trajeto de catarse e emoção.
Por inteiro, era preciso entregar-se
À roda-viva do horror vil, mundano,

À mecânica da fúria, do estranho
Cosmo do perdão: Era necessário,
Sobretudo, saber-se pleno, humano.

Adriano Nunes: "Nume" - Para Arnaldo Antunes

"Nume" - Para Arnaldo Antunes 


Um 
Um pássaro
Um pássaro passando
Um pássaro passando rápido
Um pássaro passando rápido tufão
Um pássaro pesado pedra pouso chão
Um pássaro pesado pedra pouso
Um pássaro pesado pedra
Um pássaro pesado
Um pássaro
Um

Pensamento à mão!

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Adriano Nunes: "Elegia"

‎"Elegia"


Quase madrugada
E o verso não vem.
Vêm o sono e o tédio, o
Que não me interessa,
Vêm o olvido e o vácuo, o
Que não me desperta, o
Silêncio que castra.

É quase manhã
E o verso não chega
Para a grande festa
Da minha ilusão.
Parece sequer
Que nada acontece.
Como tudo é breve!

Projeta-se a tarde
Envolta de névoa.
Nenhuma sinapse
Sabe em que alheamento
Esconde-se o verso.
As horas depressa
Passam, passam, passam...

E a noite despenca
Do celeste báratro.
Ó, verso, que faço
Pra achá-lo? Que dar
À existência, ao instante,
Pra na folha tê-lo,
Ante o sol que nasce?

Adriano Nunes: "Cinema"

"Cinema" 


Ela na tela

- A rosa púrpura -
Lança-nos à rusga
De que o amor é mesmo
Propício, (o amor?) mas
Não se pode ter

Tudo, está explícito.

Da tela emergindo,
Ele: o par perfeito,
A ilusão voraz,
O impossível ser,
Outra arquitetura.

Ela na sala

- A dor mais pura -
Leva-nos à única
Saída, a grã culpa
De que o amor é mesmo
Fictício, (o amor?) mas

Não se pode ter
Tudo?

Adriano Nunes: "Vazão"

"Vazão" 


O vazio vagueia
Em mim...
Sentimento raro
A condensar o
Que deveras possa estar
Acontecendo.

Claro,
Sem se alimentar,
Sem tirar proveito
Do que possivelmente há
Por dentro do
Que penso.

E, nesta tarde,
Em que já não cabem
Dúvidas, deuses, dores, dividendos,
É que bem me compreendo:
Poeta a desafiar o íntimo
Do tempo.

Walter Savage Landor: "You smiled, you spoke, and I believed

Walter Savage Landor: "You smiled, you spoke, and I believed"


"You smiled, you spoke, and I believed"

You smiled, you spoke, and I believed,
By every word and smile deceived.
Another man would hope no more;
Nor hope I what I hoped before:
But let not this last wish be vain;
Deceive, deceive me once again! 



"Sorriste, falaste, e eu convencido" (Tradução de Adriano Nunes)



Sorriste, falaste, e eu convencido,
Por cada palavra e riso iludido.
Nenhum homem esperaria tanto;
Sequer espero o que esperei, portanto:
Não deixes o último apelo ser vão;
Dá-me, dá-me outra nova ilusão!


In: LANDOR, Walter Savage. "The Complete Works of Walter Savage Landor". New York: Barnes & Noble, 1969.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Adriano Nunes: "A um crítico de Poesia"

"A um crítico de Poesia" 


Decidi fazer um verso,
Um outro,
Para ver se assim te trago
- De novo? -
Pra perto da Poesia,

Pra dar-te o áureo mistério
Do corpo
Rítmico, o estético rapto
E, logo 
Após, que não sentirias? 

Decidi louvar-te, é serio,
- Mais solto? -
Para ver se assim te salvo
Do cosmo
Escuro do dia a dia.

Adriano Nunes: "Mais um verso" - Para Péricles Cavalcanti e Lidia Chaib

"Mais um verso" - Para Péricles Cavalcanti e Lidia Chaib 


Com qual arte
Com qual âmago
Com qual álibi
Com qual álcool

Com qual busca
Com qual báratro
Com qual brinde
Com qual bênção

Com qual cálculo
Com qual código
Com qual cláusula
Com qual cor

Com qual dúvida
Com qual dádiva
Com qual deus
Com qual dom

Com qual elo
Com qual ética
Com qual ênfase
Com qual erro

Com qual força
Com qual forma
Com qual fome
Com qual fim

Com qual gesto
Com qual gosto
Com qual grito
Com qual gozo

Com qual hora
Com qual honra
Com qual hábito
Com qual hábitat

Com qual Ítaca
Com qual íntimo
Com qual ímã
Com qual istmo

Com qual joio
Com qual jogo
Com qual júbilo
Com qual jura

Com qual kit
Com qual kant
Com qual Kümmel
Com qual Kepler

Com qual laço
Com qual língua
Com qual lógica
Com qual luz

Com qual métrica
Com qual modo
Com qual música
Com qual medo

Com qual náusea
Com qual norma
Com qual núcleo
Com qual não

Com qual olho
Com qual óbvio
Com qual ordem
Com qual óxido

Com qual pressa
Com qual ponte
Com qual preço
Com qual pranto

Com qual queixa
Com qual química
Com qual quanto
Com qual qual

Com qual rima
Com qual risco
Com qual ritmo
Com qual regra

Com qual sonho
Com qual surto
Com qual sorte
Com qual som

Com qual tato
Com qual tempo
Com qual timbre
Com qual tom

Com qual urro
Com qual uso
Com qual úvula
Com qual útero

Com qual vínculo
Com qual vício
Com qual vida
Com qual voz

Com qual Wilde
Com qual Watt
Com qual web
Com qual why

Com qual Yeats
Com qual yang
Com qual yin
Com qual yes

Com qual zanga
Com qual zebra
Com qual zelo
Com qual zen

E pra quando?
E por onde?
E pra quê?
E pra quem?

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Adriano Nunes: "Íntimo do infinito"

"Íntimo do infinito" 


É perigoso o amor,
O seu violento jogo
De artimanhas e olvido -
Canta o meu coração
Essa assertiva, o risco
Da entrega, o novo sonho.

Mas, ontem, ao voltar
Pra casa, à tardezinha,
Andando, distraído,
Co' a imagem do horizonte
Azul, do mar, à tez
Do sentir e pensar,

Com a ilusão que, às vezes,
Secretamente, vinha
Encontrar-me, notei
Um grã vácuo tomar-me
Inteiro: Aquele instante
De perda inenarrável,

Aquela fuga incerta,
Aquele bom tropeço...
Ante as rígidas regras ,
Ante a pétrea razão.
Ai, como muito quero o
Súbito calafrio,

A espera angustiada, o
Ir à janela, à porta,
O riso escancarado,
O grito da surpresa,
O próximo rompante, o
Que se pode supor

De um abrupto romance!
É audacioso o amor...
O seu instável modo
De desafiar tudo, a
Máquina da existência, o
Íntimo do infinito.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Adriano Nunes: "Ensaio sobre a obediência servil, cega"


"Ensaio sobre a obediência servil, cega"


O Brasil está morto. Incendiado. Queimado. Carbonizado. Intoxicado. Sem palavras. De luto. Estou mais morto. Morto de mim para com a minha parte de tudo por pertencer ao instante em que se dá a dor de saber-me semelhante à imagem do que fere, cerca e alicerça toda a vida. Santa Maria precisa de ajuda. Precisamos de ajuda. Precisamos ser melhores conosco e com os próximos. E com os distantes. Médicos, enfermeiros, técnicos em geral, a população brasileira, todos nós devemos nos mobilizar para auxiliar no que for preciso. E precisamos refletir um pouco para não fazermos caos nem falsos juízos. Ateus, cristãos, crentes não têm motivos pra celebrar coisa alguma ou ficar com dogmas à mostra, salivando venenos sobre o como e o porquê do ocorrido, manifestando falsas morais em proveito de um episódio doloroso como esse. Falta de fiscalização nas boates? Há. Tragédias acontecem. Muitas acontecem. O que é inadmissível é ouvir grupos fanáticos se vangloriando diante das mortes de jovens. Pior que a falta da fiscalização da segurança estrutural na boate de Santa Maria foi a falta de humanidade diante do acontecimento em si, durante a saída desesperada das pessoas, isto é, a obediência servil, cega, dos seguranças da boate (num primeiro e lastimável momento, segundo noticiado. Porque, se houve tal empenho em não liberar os jovens, morto estou novamente. Bem mais morto que poderei estar um dia), que, a fim de evitar perdas financeiras, cumpriu bem o papel nazista de invalidar a esperança que as vítimas ainda tinham para viver. Lembra-me tudo os falsos cegos e os cegos mesquinhos de "Ensaio Sobre a Cegueira" de José Saramago. Resta o horror da face mais podre humana, aquela que ainda precisa de comprovante pago para provar que é digna, que pode ter livre acesso à saída do cárcere social.

Adriano Nunes: "O fóssil do infinito mais íntimo"

"O fóssil do infinito mais íntimo"


Como acalmar o meu coração
Nesta noite em que tudo me dói,
A existência,
O sentido,
O desejo?

Como convencer-me de que resta
O fóssil do infinito mais íntimo,
Ante o assombro
Da esp'rança,
Ante o amor?

O lápis lança-se além, além...
E o peito precipita-se em prantos.
Como dar
Ao momento
O que penso?

Adriano Nunes: "Do astuto, audacioso e ágil ciúme"

"Do astuto, audacioso e ágil ciúme"


O silêncio, o silêncio, o teu silêncio
A desafiar a minha existência,
A minha audácia, a minha paciência,
Os meus sonhos, este grácil amor,
As horas novas, quem me sinto e penso,
O infinito, o que em mim só se passou.

Este denso silêncio, o teu silêncio
A desafiar minha inconsciência,
A pôr poeira na saudade agora,
A despertar os dragões da suspeita,
A alimentar os demônios da angústia,
A instigar todos os monstros do olvido.

O silêncio, o grã vácuo, o teu silêncio
A impulsionar-me ao que pulsa lá fora...

Idea Vilariño: "Eso"

Idea Vilariño: "Eso"


Mi cansancio
mi angustia
mi alegría
mi pavor
mi humildad
mis noches todas
mi nostalgia del año
mil novecientos treinta
mi sentido común
mi rebeldía.
Mi desdén
mi crueldad y mi congoja
mi abandono
mi llanto
mi agonía
mi herencia irrenunciable y dolorosa
mi sufrimiento
en fin
mi pobre vida.



"Isso" (Tradução de Adriano Nunes) 



Meu cansaço
minha angústia
minha alegria
meu pavor
minha humildade
minhas noites todas
minha nostalgia do ano
mil novecentos e trinta
meu sentido comum
minha rebeldia.
Meu desdém
minha crueldade e minha aflição
meu abandono
meu pranto
minha agonia
minha herança irrenunciável e dolorosa
meu sofrimento
enfim
minha pobre vida.




In: VILARIÑO, Idea. "Poesía Completa". Montevideo: Cal y Canto, 2012, p. 90.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Adriano Nunes: "A minha irreverente musa"

"A minha irreverente musa"


A minha irreverente musa
É, sem dúvida, a minha mente.
Às vezes, assusta-me: Intrusa,
Intrépida, astuta, impaciente.

Às vezes, surge, de repente,
E, a entregar-me o sol, se recusa,
Como se eu fosse um oponente,
Tal Perseu diante de Medusa.

Outras vezes, remanescente
Do estupor do tédio, confusa,
De não a iluminar me acusa,

Culpa-me da vida reclusa
Que leva, que assiste, somente. E,
Por isso, pouco me consente.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Walt Whitman: "WHAT AM I AFTER ALL"

Walt Whitman: "WHAT AM I AFTER ALL"


WHAT am I after all but a child, pleas'd with the sound of my own
name? repeating it over and over; 
I stand apart to hear—it never tires me.

To you your name also;
Did you think there was nothing but two or three pronunciations 
in the sound of your name? 



"Que sou eu, afinal" (Tradução de Adriano Nunes)



Que sou eu, afinal, senão uma criança, contente com o som do meu
nome? repetindo-o mais e mais;
Distancio-me pra ouvi-lo. Ele nunca me entedia.

Para ti teu nome também;
Pensaste não haver nada além de duas ou três pronúncias
no som de teu nome?

In: WHITMAN, Walt. "Leaves of Grass". Philadelphia: DAVID McKAY, PUBLISHER,1891-'2, page 303.

Walt Whitman: "AS I LAY WITH MY HEAD IN YOUR LAP CAMERADO"

Walt Whitman: "AS I LAY WITH MY HEAD IN YOUR LAP CAMERADO"


AS I lay with my head in your lap camerado,
The confession I made I resume, what I said to you and the open 
air I resume, 
I know I am restless and make others so,
I know my words are weapons full of danger, full of death,
For I confront peace, security, and all the settled laws, to unsettle
them, 
I am more resolute because all have denied me than I could ever
have been had all accepted me,
I heed not and have never heeded either experience, cautions,
majorities, nor ridicule,
And the threat of what is call'd hell is little or nothing to me,
And the lure of what is call'd heaven is little or nothing to me;
Dear camerado! I confess I have urged you onward with me, and
still urge you, without the least idea what is our destination,
Or whether we shall be victorious, or utterly quell'd and defeated.



"Quando pouso a minha cabeça em teu colo, companheiro" (Tradução de Adriano Nunes)



Quando pouso a minha cabeça em teu colo, companheiro,
A confissão que te fiz confirmo, o que te afirmei ao ar livre reafirmo,
Sei que sou inquieto e torno outros assim,
Sei que minhas palavras são armas repletas de perigo, repletas de morte,
Pois confronto paz, segurança, e todas as leis estabelecidas, para desestabelecê-las,
Sou mais resoluto porque tudo se negou a mim do que pelo que poderia ter, se tudo me aceitasse,
Não presto atenção e nunca prestei atenção em qualquer experiência, cuidados, maiorias nem no ridículo,
E a ameaça do que é tido como inferno é pouco ou nada para mim,
E a atração do que é tido como paraíso é pouco ou nada para mim;
Caro companheiro, confesso que te tenho impelido a seguir comigo, e ainda te instigado, sem a menor ideia do que será nosso destino,
Ou se seremos vitoriosos, ou plenamente subjugados e derrotados.



In: WHITMAN, Walt. "Leaves of Grass". Philadelphia: DAVID McKAY, PUBLISHER,1891-'2, page 251.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Adriano Nunes: "Descoberta"

"Descoberta" 


Descobri que sou poeta.
Pela fresta do infinito 
Íntimo, um outro me observa.
O que quer tanto de mim, 
Agora que me explicito
Assim - Finjo? - Nesse escrito?
Descobri que tudo dói
Em minh'alma, que se agita,
Como se, qualquer saída
Pretendida, nunca houvesse,
Nem a existência bastasse
Mais... Eureca! Eureca! Eureca!
Descobri que sou poeta!

Adriano Nunes: "A memória pétrea, inconfessa"

"A memória pétrea, inconfessa"


Dos frágeis fósseis do amor, resta
A memória pétrea, inconfessa.
Sequer o pó de uma promessa
Sub-reptícia a enrugar a testa.

Era madrugada, tal esta
Em que nada mais me interessa,
Em que cada instante depressa
Passa e à vida esse vácuo empresta.

Era manter a porta aberta
E ver onde o sonho começa,
Desvendando o quebra-cabeça,

Em silêncio, peça por peça.
Ai, de estranho torpor desperta
O meu peito e mantém-se alerta!

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Adriano Nunes: "Mesmo" - Para Wilson Caritta Lopes

"Mesmo" - Para Wilson Caritta Lopes 


Todo poema é uma Esfinge. 
Decifrá-lo é perder a chance 
De ser devorado por ele. 
Melhor apenas lê-lo, amá-lo,
Senti-lo, encará-lo, dizê-lo,
Guardá-lo no peito. Ou no cérebro 

Mesmo.