segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Adriano Nunes: "Ah, por que não o amor?"

"Ah, por que não o amor?"


Ah, pedir uma pizza nunca foi tão fácil!
Vem de moto, vem logo.
Ah, tudo é mesmo móvel, 
Ah, tudo é demais lógico!
Ah, por que não o amor?
Por que nunca chegou
A tempo de mordido
Ser, comido, sentido
Total? Por que não veio,
Via emeio, sem freios,
Através dos Correios
Etc e tal?
Pedir sushi nunca foi tão banal agora!
Vem de táxi, de bike...
Quando menos se espera
Até de drone já
Na janela, na porta!
Ah, por que o amor demora?
Como fazer pra vir,
Via sedex, embrulhado,
Feito presente, urgente,
Ligeiro, para ser
Um denso amor primeiro,
Pra ser pra sempre e ser
Devorado, com máximo
Prazer? Será que agora
É você?


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Ó, solidão de sóis e riscos!"

"Ó, solidão de sóis e riscos!"


Madrugada. Sono é não ser.
Tantas tristezas impregnadas
Em minha face, aquela mágoa
Mesquinha, em busca de porquês...

Ah, por que temos que existir
Pra tudo, para o nosso íntimo?
Ah, por que temos que sentir
A dor de existirmos assim?

Tragam-me o vinho de Dioniso!
Tenho pressa! Tragam-me a Lira
De Erato! Tragam-me a esperança
De que esperar mesmo adianta!

Ah, por que dói-me o ser em si?
Por que me fere a expectativa
De haver saída intempestiva?
Por que esperamos o porvir?

Ó, solidão de sóis e riscos!
Tragam-me o ácido do amor,
Urgentemente! De Cupido,
As flechas acertem-me, às pressas!

Madrugada... Sonhar é ver
A ferida do agora aberta.
Ah, sofrimento multiforme,
Que queres fazer do meu ser?

Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Que queres, solidão?"

"Que queres, solidão?"


Que queres, solidão?
Um Buendía engendrar-me?
Um Sísifo de carne
E osso, para nada?
O vazio da cama.
Passeio sem mãos dadas.
Aquele olhar pra os lados
A medir os espaços.
Ah, sempre me salvaram
De dores as manhãs,
Dos pássaros os cantos,
Da flor o despertar,
Fazendo a vida em pétalas,
A leitura dos vates...
Afinal, mesmo vale
A pena decantar-te
Em meus versos, ou não,
Astuta solidão?


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Montesquieu"

"Montesquieu"


o
om
ome
omed
omedo
omedos
omedose
omedosem
omedosemp
omedosempr
omedosempre
omedosemprea
omedosempreau
omedosempreaum
omedosempreaume
omedosempreaumen
omedosempreaument
omedosempreaumenta
omedosempreaumentat
omedosempreaumentatu
omedosempreaumentatud
omedosempreaumentatudo


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "PARACAETANOVELOSO"

"PARACAETANOVELOSO"


CONCRETOOFERTÓRIO
CONCRETOOFERTÓRIP
CONCRETOOFERTÓRPA
CONCRETOOFERTÓPAR
CONCRETOOFERTPARA
CONCRETOOFERPARAC
CONCRETOOFEPARACA
CONCRETOOFPARACAE
CONCRETOOPARACAET
CONCRETOPARACAETA
CONCRETPARACAETAN
CONCREPARACAETANO
CONCRPARACAETANOV
CONCPARACAETANOVE
CONPARACAETANOVEL
COPARACAETANOVELO
CPARACAETANOVELOS
PARACAETANOVELOSO


Adriano Nunes

Adriano Nunes: “Economia”

“Economia”


Nasci sob os efeitos
Do Cruzeiro,
Em meio à ditadura,
À estrutura esdrúxula
De não ter direitos.

Cresci co’ a esperança
De ser verdadeiro,
Da ponta do pé
Ao cabelo.
Passo a passo,

Nos anos oitenta,
No fim de fevereiro,
Acertou-me em cheio
O Plano Cruzado,
Houve até retorno

Dos parcos Centavos.
Não demorou mesmo!
Um outro dinheiro,
- Eu já era um moço,
Ainda que tolo! -

O Cruzado Novo,
Com forte cruzado
Machucou meu bolso.
Sofrer não é pouco!
Até que em meados

De março, retorna
O Cruzeiro.
O mercado é solto!
Mudou-se a moeda,
A miséria é velha

O momento inteiro.
E o ser dilacera.
Depois, - nunca esqueço! -
Quase surreal!,
Das cinzas renasce

O Cruzeiro,
Agora Real.
Não durou
No total um ano
Sequer. De lá para

Cá, preciso, vejo,
Cair na real,
Na realidade
Cruel do Real.
Pois sou brasileiro.


Adriano Nunes 

Adriano Nunes: "Solilóquio"

"Solilóquio"


Sempre tive medo de saber-me
Inteiramente.
Primeiro, porque não sei
Quantos em mim há.
E se houver tantos que têm
Medo do que me sinto e penso?
E se, em meio aos outros de mim,
Eu me descobrir como um outro
Que não me reconhece?
E, ao saber-me todo, de que isto me serve?
Será que me tornaria mais leve?
Ao ser-me sem saber quem sou,
Sinto a madrugada esvair-se aos poucos.
Ser é ter fim?
Ah, metâmeros de meros sentidos!
Sempre tive medo de dar-me a espelhos.
Seria a imagem de silício e silêncios
A parte de mim que me reclama,
Que clama por mim, que se estende
Do olhar às sístoles e diástoles
Da alegria sem fim?


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "A Mulher do Pau-Brasil"

"A Mulher do Pau-Brasil"


AMULHERDOPAUBRASIL
AMULHERDOPAUBRASIA
AMULHERDOPAUBRASAD
AMULHERDOPAUBRAADR
AMULHERDOPAUBRADRI
AMULHERDOPAUBADRIA
AMULHERDOPAUADRIAN
AMULHERDOPAADRIANA
AMULHERDOPADRIANAC
AMULHERDOADRIANACA
AMULHERDADRIANACAL
AMULHERADRIANACALC
AMULHEADRIANACALCA
AMULHADRIANACALCAN
AMULADRIANACALCANH
AMUADRIANACALCANHO
AMADRIANACALCANHOT
AADRIANACALCANHOTT
ADRIANACALCANHOTTO


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Θάνατος" - para Gal Oppido

"Θάνατος" - para Gal Oppido


Da Noite, o filho mais temido,
É o que os tais humanos têm dito.
Do Destino, o lance fatal,
Súbito, às vezes, outras mal
Podemos descrever, qual nuvem
Escura no céu, tudo ilude.
Um gesto e... Traz o inesperado
À tona: a existência tão frágil
Parece render-se a seu ato
Nefasto. Dizem ser mais forte
Que o próprio pensar e que pode
Verter o Tempo que é contado
Em memória, em silêncio e olvido.
Ó Tânatos, deus dos acasos
Que a vida têm atormentado,
Como escapar de ti, se existo?


Adriano Nunes

Pablo Neruda: "Soneto XXV" (tradução de Adriano Nunes)

"Soneto XXV" (tradução de Adriano Nunes)


Antes de amar-te, amor, nada era meu:
Vacilei pelas ruas e pelas coisas:
Nada contava e sequer tinha nome: 
O que há era do ar que esperava.
Eu conheci salões de tons cinzentos,
Os túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam sobre a areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tuas beleza e pobreza
De dádivas impregnaram o outono.


Pablo Neruda: "SONETO XXV"


Antes de amarte, amor, nada era mío:
vacilé por las calles y las cosas:
nada contaba ni tenía nombre:
el mundo era del aire que esperaba.
Yo conocí salones cenicientos,
túneles habitados por la luna,
hangares crueles que se despedían,
preguntas que insistían en la arena.
Todo estaba vacío, muerto y mudo,
caído, abandonado y decaído,
todo era inalienablemente ajeno,
todo era de los otros y de nadie,
hasta que tu belleza y tu pobreza
llenaron el otoño de regalos.

NERUDA, Pablo. Antología General. Lima: Real Academia Española, 2010, p. 344.