terça-feira, 26 de janeiro de 2010

ADRIANO NUNES: "Sem mera ressalva" - Para Antonio Cicero.

"Sem mera ressalva" - Para Antonio Cicero.




Outra madrugada.
O meu coração
Tudo abraça em vão.
A vida é tragada

Por tola ilusão.
O verso me salva
Sem mera ressalva.
Palavras que são

Senão tudo e nada?
À tela atrelada,
A constatação:

Alta, fugaz, alva,
Vinga a estrela d'alva
Em vil solidão.





Adriano Nunes.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

ADRIANO NUNES: "No papel. Salvador" - Para João Mateus

"No papel. Salvador" - Para João Mateus.




Eis a vida vertida
Do verso, quase sonho
Ou mais: mágica lida
Que, de repente, exponho

No papel. Salvador
Dista demais. O mar,
À vista, já não há.
Tudo provém da dor

Da saudade. Não tarda
A esperança. Somente
Vinga o Sol reluzente
Do Norte, a pele parda

Do crepúsculo. Até
A alegria mais linda
Parece que não é
E, fugazmente, finda.




domingo, 17 de janeiro de 2010

ADRIANO NUNES: "Através das frestas"

"Através das frestas"




Sou outra criança
Solta no perímetro
Desse paraíso
Perigoso. Sonho:
Posso ser expulso

A qualquer momento,
Sem mexer em nada.
O meu coração
Corre todo o risco
De agradar à farsa

De Deus. Não preciso
De provar do fruto
Da escravidão. Fujo
Feito aquele pássaro,
Às pressas, da víbora.

Da vida divina,
Sem devir, sem graça,
O que me interessa?
Através das frestas
Da cerca da crença,

lanço-me à razão.
Que felicidade
Afaga o meu ser!
Por pirraça, furto
Os pomos pra mim.








sábado, 16 de janeiro de 2010

ADRIANO NUNES: "Haiti"

"Haiti"




Terremoto.
A garganta
Da tragédia
Tudo engole.
Deus existe

De propósito.
Muita dor.
Muito medo.
Muitos mortos
Sem escala.

Sangue, lágrima,
Caos, concreto.

Depois passa...
Pelo Inmetro
Lá do céu.





quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

ADRIANO NUNES: "De grafite, alegria"

"De grafite, alegria"




Nesse céu de grafite,
Abriguei outro fim
De tarde, uma alegria
Em mim, talvez um arco
-Íris da cor da vida -
É que fiz um poema.





terça-feira, 12 de janeiro de 2010

ADRIANO NUNES: "Finjo caber no sonho" - Para Mariano.

"Finjo caber no sonho" - Para Mariano.




Sempre quis ter o mundo
Nas mãos, ganhar a vida
De uma vez. De partida,
Com um susto profundo,

Joguei-me às avenidas,
Aos prédios do futuro,
No itinerário escuro
De passagens perdidas,

Tentando-me salvar
Da rotina do lar.
Afastei-me de mim,
Pela rota sem fim

Dessa realidade.
Ah! Que alegria aflora
Nas pessoas lá fora!
Que vontade me invade

De sumir por aí,
Sem de mim mais saber!
Ai, quanto bel prazer
Tive que reprimir

Dentro do coração!
Finjo caber no sonho
Infindo em que me ponho.
Ai, que forte emoção!

Movimenta o meu ser
Essa imensa esperança
Que à socapa me lança
A tudo que hei de ser.

Deverei quem eu sou
Àquela idéia bela,
Àquele cego vôo,
Rente à minha janela.







sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

ADRIANO NUNES: "Entre tudo e nada" - Para a minha amada mãe.

"Entre tudo e nada" - Para a minha amada mãe.



Outra madrugada
Voraz. Minha vida
Vaga desvalida
Entre tudo e nada.

O meu coração
Nunca me perdoa:
Sou essa pessoa
Sem consolação!






quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

ADRIANO NUNES: "Da noite, sobre a cidade" - Para Antonio Cicero.

"Da noite, sobre a cidade" - Para Antonio Cicero.





Confesso-me: não sou nada
A não ser versos e sonho.
Amo tudo e tudo exponho
Do meu ser. A vida é dada

A quem faz por merecê-la?
Entrego toda a minh'alma
D'uma vez, sem medo ou calma,
Feito uma longínqua estrela

A brilhar, pra que o breu verta
Da noite, sobre a cidade
Desconhecida, deserta.

Não será felicidade
Isso que mais me desperta,
Mesmo que somente tarde?





ADRIANO NUNES: "Talvez, ela"

"Talvez, ela"



Da janela,
Talvez, ela
Seja bela.

Na aquarela
Do céu, vê-la
Feito estrela

A brilhar,
(No luar
Desse olhar

Que luz há!)
Do meu lar,
É sonhá-la.

Eis a lua,
Solta, nua,
Já na rua.

Alta a lua
Continua,
Bem na sua.

Só cintila,
Tal película,
Na pupila.

Refleti-la
É senti-la
Sobre a vila.





domingo, 3 de janeiro de 2010

ADRIANO NUNES: "Numa caixa d'osso" - Para Antonio Cicero.

"Numa caixa d'osso" - Para Antonio Cicero.




O cérebro pensa
Estar sobre tudo
E, mesmo mudo,
Plena onisciência,

Planalto no nada.
A deus-eixo preso,
Entre mil cabelos
E vertebral Atlas,

Numa caixa d'osso,
O cérebro sente
Ser só. Diferente-
Mente, do pescoço

Pra baixo, um liame
Faz-se pelos órgãos
Vassalos-pagãos
E ninguém reclame

Do caos das sinapses:
Um amor perdido,
Os versos no olvido
Do trilhar do lápis.








ADRIANO NUNES: "Cantada"

"Cantada"




Entre o medo e o desejo,
Tudo que mais almejo:
O jogo perigoso
Do amor, o sol manhoso

Do sonho. Em convulsão,
Algo no coração
Quase nos intimida.
Não será mesmo a vida

Disso que nos invade,
Que dizem ser saudade?
Não haverá depois
Nada. Apenas nós dois.





sábado, 2 de janeiro de 2010

ADRIANO NUNES: "Esperanças pesam e calham"

"Esperanças pesam e calham"




Passa o dia. Pela janela,
Vejo a rua. Vai-se a vontade
De viver. Nesse itinerário,
Cada passo dado é pirraça,

Mas não há nada pra fazer
A não ser esses versos tristes.
Tudo é sem volta. O paradeiro
Dos meus sonhos quem saberá?

O amor vagueia desatento
Feito o sangue dentro das veias.
Por onde quer ir, nunca pode -
Segue o percurso permitido.

Entre as dúvidas, o desejo
Cobra tudo. Apenas o tédio
Tem acesso livre à rotina,
Arruinando todo momento.

Ah! As infinitas lembranças
De quando o porvir era prova,
Grande angústia, realidade,
Pega-pega, pelada, pipa!

Meu coração não mais aguenta
Essa convulsão na memória,
Esse retrato impressionista,
Esse filme sem fim feliz.

Por que traz tanto tormento
Esse dia que passa? Evito
Observar aquelas pessoas
Que passeiam. Seres aflitos,

Máquinas, bichos, pensamentos:
Tudo é sem vez. Quantos ruídos,
Vozes, corre-corre, ilusões!
Estou mesmo preso a tal dia -

É véspera de um ano novo
E, talvez, outra jamais haja.
Preciso-me apressar! Agora
Onde estão todos meus amigos,

Minha família, a velha câmera,
O vinho, o champanhe barato,
Aquele abraço, aquela carta
Guardada no armário, minh'alma?

Tudo é pranto! O tempo parou
Em frente à rua. Que prazer
Invade-me subitamente
Fazendo-me crer no impossível!

Resgato-me do esconderijo,
Do meu quarto. Agarro-me ao mundo
Num só flerte, a todos os fios
Das Parcas. O destino vem

À tona: as roupas, os sapatos,
Âmago, relógio, perfume,
Planos, pressa, promessa, paz,
Poemas, perdões e pecados.

Sou eu! Sim, sou eu! Não há sobras
Do que ficou pra trás. Somente
Esperanças pesam e calham
Enquanto decido por mim.

As horas se tocam com força,
Conduzem-me à felicidade.
Compartilho com todos isso:
Ouvem-no? Meu coração bate!