quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Adriano Nunes: "Alegria"

"Alegria"


Aqui, em casa, a azaleia assevera:
Nada é mais como era!
Então eu toco as pétalas
Todas, que são tão belas,
Para ver se em meu ser
As cores da existência
Somam-se ao que se engendra
No olhar: a tela atenta
Do que me peso, ecos
De crisântemos certos
De que são lírios que
São cravos que ser pensam
Rosas e violetas
Que são o que ser querem.
Ah, quantas borboletas
O inesperado encenam!
Bem-me-quer, mal-me-quer...
Aqui, em casa, a alegria assevera:
Chegou a primavera!

Adriano Nunes: "Pra ti iguais as coisas só serão"

"Pra ti iguais as coisas só serão"


Vê: esse sol brilhante, sempre alto,
Que se aproxima, à trôpega passada,
Dirigindo-se aos sonhos teus - é claro 
Que ser só pode o amor a mais queimar
A alma, a vez e o corpo, o tudo e o nada -
Artimanha e armadilha feito fala,
De chamas e calor convulso mar.
Vê: o que o imaginar até abala.
O sol que é o cruel frio do Ártico
Também, que medo causa e ao vácuo lança
O que basta a seu rito, a gasta esp'rança.
Vê: aproveita, ainda tens visão.
Porque, a ti, brevemente, verás não.
Pra ti iguais as coisas só serão.

domingo, 27 de setembro de 2015

Adriano Nunes: "Astúcia" - para Antônio, meu pai (in memoriam)

"Astúcia" - para Antônio, meu pai (in memoriam)


Muito de ti devo ter
Perdido. O horizonte em ver-
So como se fosse haver
O horizonte pra deter-
Minar no coração isso
Que se deve ter partido,
O ritmo do compromisso,
O sol da ilusão vertido
Em solidão: mais de ti
Lançado em mim, outro se-
Vero tempo revesti-
Do que é mesmo ausente... E se
Sentes falta de mim, se-
Para o instante: já parti!


sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Adriano Nunes: "Vertu"

"Vertu"



Contra ti
Só teus nexos.
Contra ti
Só teus erros.
Contra ti
Só teu Eros.
Contra ti
Só teus meios.
Contra ti
Só teu ethos.
Contra ti
Só teu metro.
Contra ti
Só teu tempo.
Contra ti
Só teu dedo.
Contra ti
Sou teu veto.
Contra ti
Só teus medos.
Contra ti
Só teu preço.
Contra ti
Só teu senso.
Contra ti
Só teu reino.
Contra ti
Sou teu beijo.
Contra ti 
Só teus deuses.
Contra ti
Só teu eco.
Contra ti
Só teus restos.
Contra ti
Só teus textos.
Contra ti
Só teus véus.
Contra ti
Só teu peito.
Contra ti
Só teu peso.
Contra ti
Só teus freios.
Contra ti
Só teu mel.
Contra ti
Só teus versos.
Contra ti
Só teu céu.
Contra ti
Só teu jeito.
Contra ti
Só teus elos.
Contra ti
Só teu ver.
Contra ti
Só teus gestos.
Contra ti
Só teus prêmios.
Contra ti
Só teu fel.
Contra ti
Só teu ego.
Contra ti
Só teu ser.

Adriano Nunes: "d e v i r"

                                                          "d e v i r"


                                                    envol vido a esmo
                                     i n visto e                        m verte
                                                   e m ver         in verto te
                                     revi sto              te de         mim
                                                   invad o meen        fim
                                     revir                omem esmo

Adriano Nunes: "Para o corpo"

"Para o corpo"


Não é a noite
Que traz outro
Desassombro
Para o corpo.
Não é a noite
Que convoca
Este amor
Pra ser novo.
Eis o sonho,
Pouco a pouco,
A compor-me,
Sem temor:
Um leitor
De sóis solto,
Como córrego
Que em si some,
Como cosmo
Tátil, todo,
Sem as normas
Dos propósitos,
Ode e olho,
Onde e longe,
Ontem, hoje.
Que recolho?
Vejo o agora
A ser móvel,
Corte e cola,
Caos e cor.
Eis a noite
Indo embora...
É sem volta.
Que em mim sou?

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Adriano Nunes: "Que o amor reverbera"

"Que o amor reverbera"


Mais que o verde e o vento.
Mais que o invento investe.
Em cada cor vertem-se
Sóis de cada pétala.
E sonho-te: esperas-me,
Vida, entre ideias
E estâncias estéticas
De livres libélulas,
Entre os lírios e
A quântica tela
Que o amor reverbera.
Disperso o ver: a
Esperança estreia
Com a primavera.

Adriano Nunes: "Invisto em ver-te"

"Invisto em ver-te"


Invento ver-te.
Invisto em ver-te
Através de 
Metros e medos.

Assim inverto-te
Em mim, num verso
Verde deveras.
Deve ser mesmo

A primavera.
De ver-te invento.
Em ver-te bem
Invisto, desde

Que o ritmo deixe
Tudo qual era.
Em mim deveras
Um verso deve

Querer rever-te:
Fome de flerte
Através de
Medos e metros.

Por amor, inverte-se
O amor que se
Veste de verve.
Vê: basta ver!

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Adriano Nunes: "Atado à existência"

"Atado à existência" 


Da infância querida
Que resta? A memória
Já gasta, a saudade
Desperta, a ilusão
De que um dia volta
O tempo sem volta.
Sorvete de essência,
Pedaço de pão
Com carne moída,
Refresco em garrafa
De refrigerante.
Era tudo importante.
Era tudo ou nada
No fulgor da vida.
Eis que algo fica
Atado à existência
Agora: a emoção
De poder lembrar
Com tantos amigos
Os dias mais íntimos
Da infância perdida.
Era tudo ou nada
No furor da dita.

Adriano Nunes: "O sonho de Yasmuradib"

"O sonho de Yasmuradib"



Certamente o amor pode estar em qualquer lugar e disponível a qualquer tempo. Sim, em qualquer lugar e a qualquer tempo. Esse é o mantra sagrado de Yasmuradib. Desde a aurora palpebral até o apagar das luzes. Muito cedo, Yasmuradib aprendeu que, por trás do amor, há um mundo novo. Aqui, Yasmuradib chama de amor o que pode ser uma transa apenas, uma aventura erótica prazerosa. O amor soa-lhe como um sonho. E são muitos sonhos para se ter, pensa Yasmuradib. Pouco importa o frio insólito da madrugada. Pouco importa o calor das tardes de teclas e perspectivas. Quando chegar o instante do amor, para Yasmuradib será amor. Pouco importa que seja só carne e gozo. Dez para as dez. A noite faz-se plena. Faróis, postes, automóveis e toda essa gente estranha. Yasmuradib ajeita a camisa azul turquesa. A vida tem sido boa o suficiente para ele. Nenhum traço de angústia ou tédio assomam seu cotidiano. Ah, lembra-se do encontro fortuito! Yasmuradib havia encontrado alguém na noite passada, na saída da boate. Yasmuradib não se lembra dos detalhes. Só o riso delicioso e tentador. E da língua a roçar os lábios qual convite. Esse desenho de tara quântico ficara impregnado nas sinapses de Yasmuradib. Pensou tanto o querer já, que, súbito, procura pela carteira de cigarros onde estaria o número para mais uma descoberta do amor. Ou do sonho do amor. Dez e quinze. Três chamadas e nada. Yasmuradib parece desistir. Vem-lhe a consciência da possibilidade de o destino estar agindo em seu favor. Acende um cigarro. Dá três voltas em redor da vítrea mesa. Recolhe as cinzas da esperança. De repente, surge a imagem de um senhor perfurado por uma faca. Muitos furos e talhos. O sangue dinâmico a dinamitar a alegria do que poderia ter sido outra chance para o amor. Para Yasmuradib qualquer transa poderia ser amor. Assustou-se. E nova imagem lhe toma a mente. Um jovem grita ao ser mortalmente espancado. Que acontece, indaga-se. Mas, mal desenvencilha-se da última imagem, outra lhe chega pelo córtex. Um homem maduro, com seus cinquenta anos, acorrentado à cama, sem defesa, vendo o próprio corpo ser destruído pelo fogo. Yasmuradib desperta do agora. Teria dormido? Queria ainda sair por aí, em busca do amor? Quatro e trinta e cinco da madrugada. O corpo de Yasmuradib é encontrado em seu quarto, sem mais a esperança de poder lembrar-se dos dias de sol na casa do amigo dileto Tsarakev. Dizem que já capturaram o autor dessa barbaridade. Pelo que sei, o pivete acusa Yasmuradib de não ter pago vinte reais. Yasmuradib deixou de sonhar por vinte reais. Claudius é o nome do vendedor de sonhos. Por que Yasmuradib não pagou os vinte reais pelo seu sonho? Já é manhã. O nome do vendedor de sonhos é Yazafim. Este diz que Yasmuradib tentou violentá-lo à força e, por isso, negou-lhe a chance de ter outros sonhos. O nome do vendedor de sonhos é Ninguém. Sim, Ninguém diz que matou Yasmuradib porque ele ameaçara acabar com os sonhos de Ninguém. Ninguém era feliz. Yasmuradib não era ninguém para Ninguém. Certamente o amor pode estar em qualquer lugar e disponível a qualquer tempo. Yasmuradib acorda assustado. Entre um cigarro e outro, entre chamadas não atendidas e voltas em redor da vítrea mesa, despencou sobre o sofá. Era mesmo meia-noite. Yasmuradib dirige-se à janela. À existência de tudo, tudo parecia-lhe mais intenso e repleto de luz. E, pronto para acordar a vizinhança, gritou: eu sou o meu próprio vendedor de sonhos! Despido, Prazetiev o esperava na cama.


Adriano Nunes

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Leonard Cohen: "The Faith" (tradução de Adriano Nunes)

"A fé" (tradução de Adriano Nunes)


O mar tão profundo e secreto
O sol, o selvagem pesar
O clube, a direção, o cérebro,
Amor, não te cansaste já?

O sangue, o solo, toda a fé
Ditos não podes olvidar
Teu voto e canto santo até
Amor, não te cansaste já?

Uma cruz em cada montanha
Uma torre, um astro estelar
Para preencher covas tantas
Amor, não te cansaste já?

O mar tão fundo e sem saída
Onde ainda o sol deve estar
E o momento em si desfadiga
Amor, não te cansaste já?

Leonard Cohen: "The Faith"


The sea so deep and blind 
The sun, the wild regret 
The club, the wheel, the mind, 
O love, aren't you tired yet?

The blood, the soil, the faith 
These words you can't forget 
Your vow, your holy place 
O love, aren't you tired yet?

A cross on every hill 
A star, a minaret 
So many graves to fill 
O love, aren't you tired yet? 

The sea so deep and blind 
Where still the sun must set 
And time itself unwind 
O love, aren't you tired yet? 


COHEN, Leonard. Poems and songs. Edited by Robert Faggen. New York: Alfred A. Knopf, 2011, p. 210.

Leonard Cohen: "The Road To Larissa" (Tradução de Adriano Nunes)

"A estrada para Larissa" (Tradução de Adriano Nunes)



Perdido estava
quando eu te encontrei na estrada
para Larissa
a estrada reta entre os cedros

Pensaste
que eu era um homem de estradas
e amaste-me por ser tal homem
Eu não era tal homem

Eu estava perdido quando
encontrei-te na estrada
para Larissa


Leonard Cohen: "The Road To Larissa"


The Road To Larissa


I was lost
when I met you on the road
to Larissa
the straight road between the cedars

You thought
I was a man of roads
and you loved me for being such a man
I was not such a man

I was lost when
I met you on the road
to Larissa


COHEN, Leonard. Poems and songs. Edited by Robert Faggen. New York: Alfred A. Knopf, 2011, p. 102.

Adriano Nunes: "O átimo do amor"

"O átimo do amor"


O primeiro contato
Com o amor fora mesmo
Um desespero, um vasto
Engano. Dei-me inteiro,
Dei-me tanto. Que erro!
Não sabia que o átimo
Do amor era um instante
Fugaz, fora do alcance
Do pensar. Dei-me intacto,
Dei-me todo, sem medo.
Não queria que o abraço
Do amor fosse assim frágil.
Tudo era importante
Para mim. Dei-me a acasos,
Dei-lhe tudo, tão cedo!
O contato primeiro
Com o amor fora cheio
De atropelos, de estragos.
Era um mar. Dei-me rápido,
Dei-me cego ao desejo.

domingo, 20 de setembro de 2015

W. B. Yeats: "The Lover Pleads with His Friend for Old Friends" (Traduzido por Adriano Nunes)

"O amante pleiteia com o amigo por velhos amigos" (Traduzido por Adriano Nunes)



Embora estejas em teus dias de fulgor,
Vozes entre a multidão
E ocupem-se amigos novos com teu louvor,
Rude ou esnobe, sejas não,
Mas pensa sobre os velhos amigos os mais:
O fluxo amargo do tempo elevar-se-á,
Findará tua graça e perdida estar vai
Pra todos os olhos, exceto pra este olhar.



W. B. Yeats: "The Lover Pleads with His Friend for Old Friends"



Though you are in your shining days,
Voices among the crowd
And new friends busy with your praise,
Be not unkind or proud,
But think about old friends the most:
Time’s bitter flood will rise,
Your beauty perish and be lost
For all eyes but these eyes.




YEATS, William Butler. The Collected Poems of W. B. Yeats. Hertfordshire: Wordsworth Editions Ltd; New edition, 1994.

Adriano Nunes: "Extrato íntimo" - para a minha mãe

"Extrato íntimo" - para a minha mãe


Entre as traças e os ácaros,
Entre os signos e os átimos,
Entre as sombras e os ânimos,
Entre os traços e os átomos
Da alegria de estar
Entre os meus livros amados,
Estes versos de álea,
Íntimo extrato estranho.
Entre as tramas e os álibis,
Entre os sonhos e os álbuns,
Entre as somas e os ábacos,
Entre os trunfos e os ácidos
Da alegria de estar
Imerso em mim, intacto,
Estes versos sem lar,
Íntimo estranho extrato.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Adriano Nunes: "Ser é sangrar-me"

"Ser é sangrar-me"

Digo que sinto
O que só sinto.
Mas não será
O que em mim há
Apenas isso:
Da solidão
Voraz vestígio?
Digo que sou
O que só sou.
Mas não seria
A alegoria
Do não-ser? Ou
Dessa ilusão
O ritmo rígido?
De ser desisto.
Ser é sangrar-me
Por mais estar
Mesmo restrito.
Múltiplo ou mito,
Tudo em mim arde,
Outros há. Sinto-os.

Adriano Nunes: "A busca"



"A busca"

Nenhum
Sinal
De Eros
Nos vales,
Nos prados,
Nos montes,
Nas várzeas,
Nos sítios,
Nos prédios,
Nas casas,
Nas ruas,
No ar,
No mar,
No nada.

Somente
As flechas
Quebradas
Repousam
Sangrando
Na grama
Dos campos
Dos sonhos.
E ao lado
A aljava
Entregue
Ao ácido
Das traças
Do olvido.

Nenhum
Sinal
De Eros
Menino.
Nem mesmo
O forte
Pulsar
No peito.
Sequer
A face
Corada.
Qualquer
Estranho
Vestígio.

Cadê
Aquela
Midríase
Tão bela,
Disposta
A ter
O mundo
Inteiro
No olhar?
Cadê
O frio
Suor
Nas mãos,
A insônia,

As noites
Mais longas
De sol?
E onde
Encontram-se
As portas
Abertas
Pra o ânimo
Sem fim?
Em que
Lugar
De mim
Achar
Eu vou

Aquilo
Que é
Tomado,
Sentido,
Inscrito
No signo
Amor? 

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Adriano Nunes: "Ainda não sei" - para Antonio Carlos Secchin​

"Ainda não sei" - para Antonio Carlos Secchin​


Não tinha tempo para mim
Porque eu não sabia quem
Eu era. Ainda não sei, 
Porém sei que tenho também
Tempo para este que penso
Ser neste implacável momento. 

A mim, que já sou este, eis
Que até dedico as horas todas.
À borracha, ao lápis e à folha, 
Entrego-me inteiro: é a lei
Que pra mim mesmo promulguei.
Pareço não seguir leis outras.

Tendo o infinito como objeto,
A imaginação como o meio,
E a beleza como fim, creio
Que em mim poderei ter um bem
Raro: o tempo como mais quero,
O que me faz escrever versos.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Adriano Nunes: "Tudo enquanto tudo"

"Tudo enquanto tudo"


Os tudologistas 
Descobriram que
Sabem sim de tudo,
Na lógica própria
Que só eles têm,
Dentro de seus muros. 
Mas há um estorvo
Grave, gigantesco:
Como descrever
Tudo enquanto tudo?
O que é tudo mesmo?

Na tudologia
A regra do jogo
É outra, e, tampouco,
Importa se tudo
Precisa ser tudo
Pra que eles saibam
Que de tudo sabem.
O que eles sabem
Já é tudo. Pronto:
Certezas também
Como ninguém têm.

Ah, quantas certezas
Eles tanto têm!
Será que as constatam
Enquanto eu sonho
Como dar à fala
A medida exata,
Ou arrumar a sala,
Reler Epicuro?
Os tudologistas
Devem de férias
Estar, neste instante.

Ó quantas questões
Demais importantes
Pra ser resolvidas,
E um sinal de vida
Deles sequer há! 
A dor, a miséria, 
A fome, o rancor, 
As guerras, a inveja, 
O amor, a morte, a ira,
A solidão nítida, 
As doenças tantas,

A falta de água, 
A falta de alma,
A falta de falta,
O ser, o futuro, 
Os medos, as mágoas, 
Muitas coisas sérias,
Que nem pra pensar
Dá, porque não há
Como pensar em
Tudo, tudo, tudo..
Tudo a tudo basta?


Os tudologistas
Não servem pra nada?

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Adriano Nunes: "Estendendo-o em mim"

"Estendendo-o em mim"


Não sei aonde vai
O tempo, nem sei mais
Onde se guarda o intento
Que era sonho e já foi,
Porque tinha que ir.
Assim, sem ais, invento-o
Estendendo-o em mim.
Não sei aonde vai
O lugar que há adentro,
Que régua exata mais
Adentra-o em sair,
Que passagem depois
Surgirá, sentimento
Que é um mar sem fim.
Não sei por que me penso.
Encontro-me a fluir
Pra o que o agora me pôs,
Emergindo demais
Do lugar e do tempo
Que ficaram pra trás.
Que é existir enfim?

domingo, 13 de setembro de 2015

Adriano Nunes: "Solidão"

"Solidão"

Aqui, só,
Entre os sóis
Dessa insólita
Solidão,
Não desisto
De encontrar
O lugar
Mais propício
Pra guardar
Todo o amor
Que em mim quero.
Não há nada
De mistério:
Guardarei
As metáforas
Dos metâmeros
Dos momentos
Mesmo nossos,
Rimas raras
Dos propósitos
Sempre óbvios,
Ritmos rotos
De algum gozo
Infinito,
Bem aos poucos,
Pra lembrar-me
Do teu rosto.
Guardarei
Tudo isso
Em meus versos.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Adriano Nunes: "Que a tudo me leva"

"Que a tudo me leva"


A Poesia é a minha
Varinha de condão...
Em um milésimo de segundo,
Monto o mundo, todo o mundo, construo o
Paraíso, secretamente
Invento a víbora, a minha preferida
Serpente de estimação,
Para cair em apuros.

Depois, por impulso, seduzo,
Sem árvore, sem fruto,
Sem medo, qualquer Adão,
Qualquer Eva... Sequer penso
Nas consequências da ilusão
De ter um coração
Que a tudo me leva.
Os sonhos, que são?

Adriano Nunes: "Poesia não é o sem-sentido"

"Poesia não é o sem-sentido"





Poesia não é o sem-sentido ou a ausência plena de quaisquer sentidos. Porque se assim fosse, não haveria a necessidade de haver ars poetica: bastava um emaranhado de palavras feito ao acaso, sem preocupação alguma sobre o que viria a ser. Saibamos: todo poeta que assim pensa a poesia pode certifica-se de que pode fazer alguma coisa emaranhadamente desconexa de um mínimo de inteligibilidade, mas não faz poema algum. E se, como astúcia, faz as suas insanidades com pretensões estéticas em verso, faz versos com pretensões estéticas, mas não faz poema. Harold Bloom costuma separar os versificadores (vasta maioria!) dos verdadeiros poetas. E assim deve ser feito porque não posso considerar um poema, objeto estético de amplidão inenarrável, como qualquer recurso de composição, mesmo que este seja em versos. Um recado pode ser escrito em versos e nem por isso será um poema. Os poemas pertencem à categoria de arte maior, aquela que esteticamente se relaciona com a beleza. Com isso, não quero dizer que para se fazer um poema tenha que obedecer a alguma regra predeterminada. Sendo assim, discordo da posição de João Cabral de Melo Neto (MELO NETO, 1998) quando adere ao pensamento de Paul Valéry:


"A rima é algo necessário. Valéry me convenceu de que, para se criar algo, é necessário um esforço. Um obstáculo diante do ser o obriga a muito mais esforço e faz com que ele atinja o seu extremo. Para mim, a rima é uma necessidade que precisa se impor."


E concordo com o maior poeta da Língua Portuguesa, Fernando Pessoa (PESSOA, 1994, p. 276):


"As regras apertadas, longe de serem um sinal de força, são um sinal de fraqueza"


Há inúmeros poemas não rimados que são esteticamente mais belos que poemas rimados, basta citar o magnânimo poema "Tabacaria" de Fernando Pessoa (PESSOA, 1944, p. 252), considerado por muitos críticos como um dos mais belos poemas da humanidade. Aqui um único verso (pensado, construído com arte, um alexandrino perfeito!) de Tabacaria que, de certo modo, trata da in-utilidade (a única utilidade do poema é ser poema, por isso, separo a palavra "in-utilidade") de um poema:


"Essência musical dos meus versos inúteis,"


Como o belo deve ser tomado por um juízo de gosto, um juízo estético, a priori, já deve estar evidente que não posso fazer um poema como um simples objeto utilitário, pois tal objeto estético deve ser tomado como destituído de conceitos e finalidades para que possa ser sentido universalmente. Universalmente sentido porque a palavra estética em sua origem grega quer dizer "sensação". Universalmente porque se espera que todos concordem com este juízo estético. Por isso Immanuel Kant afirma que a bela arte não pode vir exclusivamente da inspiração, mas do labor árduo e do uso de todas as faculdades intelectuais.


"Para dar essa forma ao produto da arte bela se requer unicamente gosto, e a este se atém o artista em sua obra depois de havê-lo exercitado e depurado mediante diversos exemplos da natureza ou da arte, e depois de vários ensaios, amiúde laboriosos, encontra a forma que o satisfaz; é por isso que esta não pode ser considerada como coisa de inspiração ou de livre exaltação das energias espirituais, mas antes constitui um trabalho lento, e até penoso, de retificação que, tornando adequada a forma ao pensamento, não redunde em detrimento da liberdade no jogo dessas faculdades."


Sim, foi Kant, um dos primeiros, senão o primeiro, a atentar para a elaboração de um poema, da necessidade do uso das faculdades intelectuais todas na construção de um belo poema. Então o que João Cabral de Melo Neto (MELO NETO, 1997) fez foi repetir uma lição kantiana quando dizia que um poema tem mais transpiração que inspiração ou aqui, nesta sentença de “Poesia e composição: a inspiração e o trabalho de arte”:


"O trabalho de arte deixa de ser essa atividade limitada, de aplicar a regra, posterior ao sopro do instinto. Também não se exerce nunca num exercício formal, de atletismo intelectual. O trabalho de arte está, também, subordinado às necessidades de comunicação."


Fernando Pessoa (PESSOA, 1966, p. 121), em seus textos sobre estética diz que:


"As três qualidades fundamentais do artista são:


1) A originalidade,
2) a construtividade, e
3) o poder de sugestão."


Assim, na modernidade, para não cair no abismo do dito de Publius Terentius Afer "nullumst iam dictum quod non dictum sit prius.", sigo o pensamento de Johann Wolfgang von Goethe (GOETHE, p.153) sobre a questão da originalidade:


"The most original authors of modern times are so, not because they produce what is new, but only because they are able to say things the like of which seem never to have been said before."


Quanto à construtividade, as palavras do poeta e filósofo Antonio Cicero (CICERO, 2012, p. 49) são esclarecedoras:


""poesia" significa feitura ou produção, e o poema é o feito, o produto."


Aqui, acrescento que para que se enquadre o feito, o produto como poético, ele terá que atender aos requisitos estéticos supracitados, no começo do artigo. Ou se afastar, definitivamente, do que esteticamente denuncio como um pretenso poema ou um péssimo poema.


E o próprio Pessoa (PESSOA, 1966, p. 121) descreve com genialidade o conceito de "poder de sugestão":


"o conceito geral de “poder de sugestão”. Por esse termo desejo exprimir aquilo que no artista permite tornar inteiramente perspícua a sua intenção e a sua emoção. Importa muito — a distinção é de relevo capital — não confundir “poder de sugestão” com “compreensibilidade”, como importa não confundir perspicuidade com clareza. Sobre confusões destas assenta o erro que sempre houve, da parte das pessoas de escassa sensibilidade, na crítica aos poetas simbolistas e decadentes — todos aqueles que, no seu pleníssimo direito, foram perspícuos sem serem claros."


Para então ser claro: não basta escrever em versos, não basta tecer um emaranhado de versos ou palavras sem o mínimo de sentido estético, de inteligibilidade. Pode-se estar fazendo outra coisa, menos poemas.


CICERO, Antonio. Poesia e filosofia. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 49.


GOETHE, Johann Wolfgang von. Maxims and Reflections of Goethe. Translated by Bailey Saunders. London: The MacMillan Company, 1906, p. 153.


KANT, Immanuel. Crítica da faculdade de julgar. Tradução de Daniela Botelho B. Guedes. São Paulo: Ícone, 2009, p. 162


MELO NETO, João Cabral de. “Poesia e composição: a inspiração e o trabalho de arte”. In: João Cabral de Melo Neto: prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.


MELO NETO, João Cabral de. In: ATHAYDE, Félix de. Ideias fixas de João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: FBN - UMC - Nova Fronteira, 1998.


PESSOA, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993), p. 252.


PESSOA, Fernando. Poemas Completos de Alberto Caeiro. Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha. Lisboa: Presença, 1994, p. 276.


PESSOA, Fernando. Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: Ática, 1966, p.121.


Adriano Nunes

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Adriano Nunes: "Apodítico amor"

"Apodítico amor"

Amo-te já, mar aberto
Sem fim, ave que voou
Com as asas do mistério.
E tudo em mim faz-se amor
Por ti, num gesto apodítico,
Pra reter-te em meu lirismo
Comedido e mesmo métrico.
Estranho...Aqui não estás,
Mas sinto o teu olhar mais
Fundo no meu - quase cego!
Teu nome? Enigma de luz
No soneto que compus:
De redondilha um jasmim
Num jarro de sóis de mim.

Adriano Nunes: "Arte poética"

"Arte poética"


Se se pode dizer tudo
Num poema e ao mesmo tempo
Não dizer nada, então vemos
Que um poema tudo é.
Mas um poema não é
Emaranhado de versos.
Um poema como objeto
Estético só quer ser
O que é: poema apenas.
Mesmo que não tenha metro
Preciso, mesmo que não
Tenha ritmo sequer rima.
Há um pequeno problema:
Um poema, quando finda?

domingo, 6 de setembro de 2015

Adriano Nunes: "Do que sequer saber quero"

"Do que sequer saber quero" 


Não me quero conhecer
Além do que inevitável
É. Pra que todos os dados
De mim, sem que possa haver
Algum mistério ou surpresa?
Deixa-me ter do deslize
A sensação de que existe
A angústia, a dor, o prazer,
O erro. Saber-me a quê?
As horas sem hora, o ato
Impensado, o gesto rápido
E desprevenido, a carne
De cada instante vivido
Sem nenhuma régua exata.
Deixa-me entregue ao que valha
Um raio de sol, um pássaro
Voando sem direção,
A emitir seu livre canto,
As coisas como só são.
O espelho já me diz tanto
Do que sequer saber quero.
Até levo o acaso a sério.
Que em mim tudo seja qual
Um verso: estranho e total.

Adriano Nunes: "Mais que viver"

"Mais que viver"

Nem tudo pode dar errado.
Porque tudo não pode ser
Tudo. Assim claramente o ser
Surpreenda-se por ter dado
Um passo mesmo em falso ao crer
Que tudo iria dar errado.
Seria um enorme fiasco
Deixar o agir sem o prazer
De que a ilusão acontecer
Plena poderia, sem rasgos.
Uns versos deste afoito bardo
Aceita, então. Sente quão mágico
Este instante é, mais que viver.
Vê: certo algo deu de fato!

Adriano Nunes: "De amor possível"

"De amor possível"

Aqui te sirvo o
Desejo vivo.
Risos e riscos,
Beijos banidos
Do corpo erguido
Graças a isso
Que chamas vício
De amor possível.
Aqui te visto
Do matiz nítido
Dos precipícios
Do agora, misto
Do que mais íntimo
Há no ser, digo,
Algum vestígio
De um raro vínculo.
Aqui me dispo
De mim e imprimo
À vez o mínimo
De prazer lírico,
Pra estar contigo.
E não mais finjo
Ter-me esquecido
Do gozo infindo.

sábado, 5 de setembro de 2015

Adriano Nunes: "O verso vem" - para a minha mãe

"O verso vem" - para a minha mãe

Nem mesmo o eco
Do signo eco.
O verso vem
Chegando perto.
Nem mesmo o oco
Do signo oco.
O verso vem
Chegando aos poucos.
Nem mesmo o signo
Do signo signo.
O verso vem
Chegando íntimo.
Nem mesmo o mesmo
Do signo mesmo.
O verso vem
Chegando feito.
Nem mesmo nem.
O verso vem
Só quando vem.
E quando vem
Expõe seu átimo
De ritmo e metro.
Ou nada disso
Serve a seu crítico
Juízo estético.
Leve qual pena,
Tudo sustenta.

Adriano Nunes: "Enquanto tudo"

"Enquanto tudo"

Tudo dói. Pronto.
Repito: tudo
Dói neste ponto
Para ser tudo.
E os astros todos
No vácuo escuro
Sabem da dor
De todo mundo.
A orelha e o globo
Ocular, o
Sentido claro.
O barro múltiplo
De todo absurdo
E o sêmen novo
Que engendra o sol
De algum futuro.
Desdigo: dói
Do umbigo ao útero
Dos despropósitos
Em gesto puro.
Dói desde o óbvio.
Tudo por tudo
Ser. Até só
Ser tudo enquanto
Tudo for tudo.
Por isso dói
Cada vez mais
Adentro, fundo.

Adriano Nunes: "Como o procuro"

"Como o procuro"


Dizem do amor
Que é mesmo tudo.
Como o procuro
Em mim! E, juro,
Que se o encontrar,
Seja onde for,
No coração
Ou muito solto
Em minhas mãos,
Darei a ti.
Mas o problema
A resolver,
Vê bem, é este:
Quem és aqui
Em meu poema?
Tanta lembrança?
O que ficou
Na corda bamba?
Algum desejo
Que não concebo?
Outra ilusão
Além do não
Ter que dizer
Não? Outro engano?
Ou mesmo o tanto
Que agora quer
Ser canto até?
Dizem que o amor
É mais que tudo.
Juro: encontrando-o,
Todo te dou.
O que não é
Assim tão pouco.

Adriano Nunes: "Ad infinitum"

"Ad infinitum"

Eis a hora da poesia:
A da magnânima alegria.
Nem precisa de rima rica.
Nem precisa mesmo de rima.

Adriano Nunes: "Eco"

"Eco"


No instante do verso
Um sol
Um som
Um sim
Um sal
Um céu
Um sul
Um cio
Um ser
Um se
Um sem
Um só
Este sou eu

Adriano Nunes: "Assombro" - para minha mãe

"Assombro" - para minha mãe


Coração, não me dite
O que me pode deixar
Alegre ou triste.
Veja: aquela porta
Abre-se para o agora.
E muita coisa é
Sem volta.

Adriano Nunes: "Armadilha"

"Armadilha"


Pudesse dizer teu nome.
Mas teu nome é só
Um nome entre nós
De letras e sons.
Só sóis de signos, sopros
De solidão. Só um nome
Que aos poucos me consome.
Um nome torto.
Talvez te nomeie, como todo
Amor.
Seria então um codinome.

Adriano Nunes: "Assim"

"Assim"


Entre a indiferença
E a inútil presença,
Melhor um poema.
Estenda o ser
Não só ao que se
Pensa.
Entre a essência do ver
E a maledicência,
Um novo dilema:
Por que será que
A dúvida vale a pena?

Adriano Nunes: "Engano"

"Engano"


A mulher da flor
Vai de bar em bar,
De mesa em mesa,
Quase agora ela passou.
Ela não sabe mesma
Que em mim imerge o amor.
De bar em bar, a par
Do que pode propor.
A mulher da flor
Não entende em sua queixa
Por que com tanta flor
Para casa voltou.
Talvez, suponha já
Que dinheiro a tantos faltou.