terça-feira, 31 de março de 2015

Adriano Nunes: "A poesia irresistível"

"A poesia irresistível"


Não quero as roupas nem os livros.
Sequer momentos que teci
Contigo. Nem mesmo de ti
O paraíso irredutível,
O início sem o astuto fim.
Apenas, agora, aqui, vim
Para resgatar, noutro nível,
O que muito deixei de mim:
As begônias e os bem-te-vis,
Os impulsos que cometi,
A poesia irresistível
Que não sentiste, o arco-íris
Além do que existe, o bom vinho
Que, outrora, ganhei de Dionísio.

Adriano Nunes: "O Aqueu" - para Alberto Lins Caldas

"O Aqueu" - para Alberto Lins Caldas


Podem aproximar-se um pouco mais.
Podem usar quaisquer lentes de aumento,
Quaisquer técnicas, quaisquer instrumentos
Para análise: ele continua
Ali, quieto, imerso em sua mágoa,
Nem dá pra perceber que é uma fera
Indomável. Abram ambos os olhos,
Com propósitos. Ele se desfez
De inumeráveis certezas. Talvez,
Precisem chegar mais próximo, logo,
Ter à mão novo aparelho capaz
De descobrir quem só são, que por trás
Há dessa sutileza animalesca.
Sintam o vento convulso do mar
Roçar a própria tez de pó e pólvora.
Vejam-no violar as regras rígidas
De Hera. Provem-no a chorar a perda
De Pátroclo, o amor descomunal. Ouçam-no
A gritar contra as muralhas de Troia,
A abalar o Ocidente, a Poesia.
Contemplem Heitor ser morto arrastado,
Cantem o fogo e as cinzas pelos lados,
Por nossa crueldade abençoada.
Já não lhes restam senão alma e nada.
Um pouco mais do olhar, e saberão
Que também foram feridos, por flechas,
Fundo, no calcanhar, pra sempre.
E além do que ser possa o coração.

domingo, 29 de março de 2015

John Berger: "My heart born naked" (Tradução de Adriano Nunes)

"Meu coração nasceu desnudo" (Tradução de Adriano Nunes)


Meu coração nasceu desnudo
envolto em canções de ninar.
Posteriormente, fez de
poemas suas vestimentas.
Tal qual uma camisa
que carrego nas costas
a poesia tenho lido.


Então vivi por meio século
até que em silêncio nos conhecemos.

Da minha camisa sobre a cadeira
esta noite aprendi
quantos anos
de aprendizado decorado
eu esperei por ti.



John Berger: "My heart born naked"

My heart born naked
was swaddled in lullabies.
Later alone it wore
poems for clothes.
Like a shirt
I carried on my back
the poetry I had read.

So I lived for half a century
until wordlessly we met.

From my shirt on the back of the chair
I learn tonight
how many years
of learning by heart
I waited for you.


BERGER, John. And Our Faces, My Heart, Brief as Photos. New York: Vintage, 1992.

Adriano Nunes: "De ser só"

"De ser só"


Ó manhã
De tesouros
Para poucos!
Por que todo
Meu pensar
Para um corpo
Mais se volta,
Num só gozo,
Pelo olho,
Sol sináptico?

Por que outro
Corpo foge
Ao meu norte
E não pode
Minha fome
De horizontes
Saciar? 
Por que agora
Em mim doura
A vontade

De tocar-te,
Pele e lápis, 
Poro e lábia, 
Couro a couro, 
Ato e arte,
Pra deixar
De ser só
E ser outro,
Sonho e soro,
Por amor?

sábado, 28 de março de 2015

Stephen Vincent Benét: “A Minor Poet” (Tradução de Adriano Nunes)

“Um poeta menor” (Tradução de Adriano Nunes)


Sou uma concha. De mim não deves ouvir
Pomposos pulsos de tambores insistentes,
O ouro mor da voz da viola que ascende,
Pesado com esplendor, langoroso e nítido.
Todavia, se me comprimes contra o ouvido,
Um tênue, longe sussurro aumenta em clamor,
A estrepitosa batida e paixão do mar,
O vir das marés que afogam o elementar.

Uns com mãos sutis as cordas podem tirar,
Gerando até mesmo Amor na música audível,
E enterram uma glória. Sou só uma concha
Que se move, não de si, e ao mover-se canta;
Pondo uma fragrância, leve qual vinho vertido,
Um trêmulo murmúrio de grãs dias idos.


Stephen Vincent Benét: “A Minor Poet”

A Minor Poet

I am a shell. From me you shall not hear
The splendid tramplings of insistent drums,
The orbed gold of the viol’s voice that comes,
Heavy with radiance, languorous and clear.
Yet, if you hold me close against the ear,
A dim, far whisper rises clamorously,
The thunderous beat and passion of the sea,
The slow surge of the tides that drown the mere.

Others with subtle hands may pluck the strings,
Making even Love in music audible,
And earth one glory. I am but a shell
That moves, not of itself, and moving sings;
Leaving a fragrance, faint as wine new-shed,
A tremulous murmur from great days long dead.


BENÉT, Stephen Vincent. Young adventure : a book of poems. New Haven: Yale University Press, 1918.

* Stephen Vincent Benét ( 1898-1943)

quarta-feira, 25 de março de 2015

Adriano Nunes: "Proeza"

"Proeza"


Não gosto de desafiar os deuses.
Eles são eles em elo: um nó técnico,
São todos os seus risíveis remendos.
Os escombros de Troia em mim acesos
Ardem ainda. Os mistérios de Elêusis
Não me anteciparam a primavera, e
Vestiu-me apenas o devir de inverno.

Por ser-me e sonhar-me, só me esfacelo.
Nessa intermitência de morte e tédio,
Não sou quem me penso ou sinto, decerto.
Mas ante as estrelas e a treva estética
Desta noite, em que o inesperado cega-me,
Em que a vida é escrever, é o que resta,
Constato: que alegria é ser poeta!

terça-feira, 24 de março de 2015

Adriano Nunes: "Para dentro"

"Para dentro"


Que hora imediata
Esta que me apavora,
Que só me expõe à prova,
Sem dó, pra tudo ou nada!

E são lembranças novas
Que me atingem, pancadas
No ringue das palavras,
Que traçam todo o agora.
E são paixões cantadas,
- Ou serão delas sobras
Que me assombram? - as obras
Que me cobram mais alma.
Que importa ver que passa
Feito tudo, se joga
Cada ato, de fora
Pra dentro, e poda as asas
Do contento? Que hora
Máxima, que me afaga
Com seus dedos de adaga,
Esta que me devora!
E são quimeras mágicas
Que se fixam, qual âncora,
Em meu pensar, embora
Achar sequer as possa.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Adriano Nunes: "No que sequer há"

"No que sequer há"


Eu te rasurava.
Eras mar em volta -
A mínima ilha,
Aquela palavra
Que falta, o que o amor
Denota em um gesto
Que foge ao intelecto.
Eu te rabiscava
Enquanto em mim via
Surgir a alegria
De só definir
Teus lapsos a lápis.
Também me buscavas
No que sequer há,
Decerto. Eu não
Sonhava contigo.
Riscos preferia
Correr. Entretanto,
Em mim desenhava-te.
Na alma e na carne.
E eras meu canto,
A alada elegia
Que mais te elegia
O meu coração.
Ah, e o tempo,! o tempo
A borracha a ser
Pôs-se, e, assim, desfez,
Primeiro, o horizonte,
Os barcos ao longe,
A areia engendrada,
As ondas e cada
Imagem aquática.
Por fim, o teu nome.
E tudo apagara
Para que o meu ser,
Com vasto prazer,
A ti inventasse,
Aqui, outra vez.

sábado, 21 de março de 2015

Adriano Nunes: "Quem sou me falta"

"Quem sou me falta"


O que me falta
Salta até pelos
Dois cotovelos,
Forja-me afeito
Ao que é falta,
Do hálux dedo
Ao meu cabelo.
Do vácuo inteiro
Do ser que falta
A mim só sê-lo,
Dou-me a desejos -
Enigma e erros.
E ao ser eu mesmo,
Quem sou me falta.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Adriano Nunes: "Do lago para Narciso"

"Do lago para Narciso"


Entrego-te quem mais sou,
Ante as púrpuras hortênsias
Dos vales em minha volta,
Esses sonhos de paisagens
Inescapáveis e alegres,
Esses rascunhos do mundo
Grácil que vinga em reflexo,
Esse infinito de signos
Sincréticos que me amansam.
Mas não vês as entrelinhas
Da Arte, e mesmo enfadonho
Achas o que a ti proponho.
Queres tanto a ti somente,
Que o abismo do amor não notas.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Adriano Nunes: "Por um instante leve"

"Por um instante leve"


Não quero um pensamento
Que te faça adentrar
Na minha alma, alegre.
Não quero um sentimento
Que te faça saudade
Entre o que é e se perde.
Sequer quero a ilusão
De engendrar-te em meu ser
Por criar-te - a que serve
A imaginação? Não
Quero apenas a verve
Que me faz do amor hóspede.
Quero-te mais que isso
Que se diz concebível -
O que um ritmo concede:
Quero-te em versos, quero-te.
E em sínquises arder,
Por um instante leve!

segunda-feira, 16 de março de 2015

Francisco de Figueroa: "Maldito seas, Amor, perpetuamente" (tradução de Adriano Nunes)

"Sejas maldito, Amor, eternamente," (tradução de Adriano Nunes)


Sejas maldito, Amor, eternamente,
teu nome, tua seta, venda e fogo:
teu nome, que com tal desassossego
força-me a andar perdido entre a gente;

tua flecha, que a mim fez obsequente
daquela falsa, de quem já renego;
a venda, com que me fizeste cego
e logo julguei por anjo a serpente;

seja maldito o fogo, cuja chama
não toca ao cordato, que é grã loucura,
e ao néscio só a crueza consciente.

E assim o pobre espírito que ama
dirá, vendo-te o rosto ou a figura:
"Sejas maldito, Amor, eternamente."


Francisco de Figueroa: "Maldito seas, Amor, perpetuamente"


XXXI


Maldito seas, Amor, perpetuamente,
tu nombre, tu saeta, venda y fuego:
tu nombre, que con tal desasosiego
me fuerza a andar perdido entre la gente;

tu flecha, que me hizo así obediente
de aquella falsa, de quien ya reniego;
tu venda, con que me hiciste ciego
y así juzgué por ángel la serpiente;

y el fuego sea maldito, cuya llama
no toca al cuerdo, que es muy gran locura,
y al necio sólo su crueldad consiente.

Y así el cuitado espíritu que ama
dirá, tu rostro viendo o tu figura:
"Maldito seas, Amor, eternamente"



FIGUEROA, Francisco de. Antología Cátedra de Poesía de las Letras Hispánicas. Selección e introducción de José Francisco Ruiz Casanova. Madrid: Ediciones Cátedra, 2005, p. 276.

* Francisco de Figueroa (1536-1578)

sábado, 14 de março de 2015

Adriano Nunes: "Outro bálsamo"

"Outro bálsamo"


Noite, caiba
Neste drama.
Poucos, lá
Fora, a alcançam -
O céu claro,
Estrelado,
Lua alta,
Áurea arte,
Que, vejamos,
Quem a sabe
Explicar,
Por ser mágica?
Noite, valha!
Nesta trama
De palavras,
Plena, paire.
Amalgame-me
À chegada
Improvável
De algum bárbaro
De Kaváfis,
Outros bálsamos -
Qualquer cântico
De além-mar.

Noite, traga
Verve vasta
Pra alegrar
Cada página
Que, passada,
Vidas faz.
Brilhe e abra
Suas cápsulas
De amanhãs,
Seja Erato
Para os tantos
Que a bem cantam.
Noite, aja!
E, aqui, faça-se
Musa quântica
Dessa Atlântida
Que me assalta,
Da Pasárgada
Que me abraça
Por Saudades.
Entre flauta,
Lira e lápis,
Noite arda.
E perpasse!

sexta-feira, 13 de março de 2015

William Carlos Williams: "The Loving Dexterity" (Tradução de Adriano Nunes)

"A terna destreza" (Tradução de Adriano Nunes) 



A rosa 
    ruiu
ela a viu

    onde
jaz
    uma púrpura pétala

intacta
         aptamente
a pôs

        em
seu talo
        novamente


William Carlos Williams: "The Loving Dexterity"


The flower
        fallen
she saw it

        where
it lay
        a pink petal

intact
        deftly
placed it

        on
its stem
        again




WILLIAMS, William Carlos. "Pictures from Brueghel". In:_____. The collected Poems of William Carlos Williams - Vol. II. Edited by Christopher MacGowan. New York: New Directions, 2001, p. 396.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Adriano Nunes: "Em ter-te cantos levado"

"Em ter-te cantos levado"


Ó, por que, Euterpe, barganhas
O prazer, com artimanhas?
Minha verve não te alcança?
Não te conformas com tantas
Horas a ti dedicadas,
Em ter-te cantos levado?
Não me negues tua flauta -
Eternidades não há!
Ruíra o Império Romano.
Não há mesmo ferro ou mármore
Que pra sempre se proclamem.
Que resta ainda de Esparta,
Se até a memória é nada?

terça-feira, 10 de março de 2015

William Carlos Williams: "Silence"(tradução de Adriano Nunes)

"Silêncio" (tradução de Adriano Nunes)

Sob um baixo céu -
esta calma aurora
de vermelhas e
amarelas folhas -

um pássaro amola
não mais do que um galho
do verde copado
pessegueiro

William Carlos Williams: "Silence"

Under a low sky -
this quiet morning
of red and
yellow leaves -
a bird disturbs
no more than one twig
of the green leaved
peach tree.


WILLIAMS, William Carlos. "The Wedge". In:_____. The collected Poems of William Carlos Williams - Vol. II. Edited by Christopher MacGowan. New York: New Directions, 2001, p. 91.

domingo, 8 de março de 2015

Adriano Nunes: "Romance"

"Romance"


O amor é somente um.
Eu & tu, nós dois
A ouvir a canção Três -
Ficamos de quatro.
E, depois do chá das cinco,
Revimos Éramos Seis.
Nem fomos ao Posto Sete.
Oito ou oitenta? Oito.
Novela das nove...
E dizes-me: a vida é dez!

Adriano Nunes: "Cuidado com o que escondido haja"

"Cuidado com o que escondido haja"


Cuidado! Pode ser que haja
Por detrás da porta da entrada
Da tua casa, um vil babaca
Fundamentalista, e te ache
Um herege e mate-te, é praxe.

Cuidado! Pode ser que haja
Debaixo da cama um bastardo
Terrorista e logo te faça
Em pedaços, co' adaga, é fato.


Cuidado! Pode ser que haja
A bomba a explodir numa carta
Que chegue, e tudo pelos ares
Vá, pois já não é novidade.

Cuidado! Pode ser que haja
Em tua alma este cara
Extremista, e, em único ato
De barbárie, exploda-te rápido.

Cuidado! Pode ser que não
Haja nenhuma solução
Para o teu problema. Então abre
Livros de poemas. Lê-os alto!

O amor bem entendas, quem sabe.

sábado, 7 de março de 2015

Adriano Nunes: "O ciúme"

"O ciúme"


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avesso

Adriano Nunes: "Dos sonhos, apenas isso" - para a amiga Carmen Presotto

"Dos sonhos, apenas isso" - para a amiga Carmen Presotto


Tanto esforço despendido
Com contratos, compromissos!
Antes tivesse relido
As Odes de Horácio, infindo,
Sobre as gramíneas do sítio
Dos sonhos, apenas isso.
E não teria em mim visto
As marcas do tempo, o íntimo
Demais ferido, no mínimo.
Tanto empenho empreendido
Com os encargos e enguiços!
Antes, feliz, traduzido
O Paraíso Perdido
Do poeta inglês John Milton!

Adriano Nunes: "Desconstrução"

"Desconstrução"


                           Primeiro, o olhar.
Depois, os gestos
Mal calculados,
                          O jeito, o cheiro,
O toque ao dedo,
A aproximação,
                         Um denso ensejo,
                         O fogo ardente
Da tara, a fala
                        Que não diz nada.
A língua ao lábio,
Um embaraço
                       De sóis sinápticos.
Quente o momento
Tão de repente!
                       A tarde atada
                      Ao sonho: um ato
Iridescente,
                      Calafrio e medo,
                      Por trás de um beijo,
Do gozo mesmo,
                     Que o imaginário
                     Projeta e quer.
                     Também o queres? 
Deixa o poema
Então chegar
Ao coração.
                    Não há problema
                    Nem solidão:

                    Nós dois concebo
Num só desejo,
Co' exatidão.


sexta-feira, 6 de março de 2015

Adriano Nunes: "Um verso exposto"

"Um verso exposto"


Dá-me o teu olho
Que o ar te dou
Com toda cor
E nuvens, com
Áureo arcabouço
De sonhos, outros
Tesouros. Pronto:


Dá-me o teu olho
E, logo, Apolo
Leva-te ao ponto
Alto do cosmo,
Perto dos sóis
Dos oximoros,
Onde o amor mora.

Dá-me o teu olho
Que em meu ser todo
O ver composto
Ser possa - o gozo
Que bem se nota
Num verso exposto
Às vocais cordas.

Adriano Nunes: "Quero um canto" - para a minha mãe

"Quero um canto" - para a minha mãe


Triste estando,
Quero um canto
Que a ser bálsamo
Venha, enquanto
O amanhã
Não vem, mas
Que em mim já
Sonhos sangra.

Quero um canto
Mesmo quântico,
Mais que oásis
Que a buscar
Vivo, mar
Pra ser cais,
Pois, a estar
Triste, ando.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Adriano Nunes: "Recado fixo à porta da geladeira"

"Recado fixo à porta da geladeira"


Eros, por favor, ao saíres, recolhe
As lembranças ardentes que em mim deixaste
De outra boca, as intermináveis tardes
Que ainda ardem sobre o colchão e as colchas,
Todas as fotos rasga, em diversos cortes,
Lança-as no fogo do olvido, a vista é tola,
Pode querer reaver o que não vale
Simples sinapse, outra ilusão, saudade.
Porém, ouve bem, deixa a prova dos noves -
As fendas das flechadas abertas, todas!
Pra que em busca de catarse bem me mova.
E também por mim último ato faze:
Leva o cão para passear, lava a louça,
E volta, à madrugada. Será que podes?

quarta-feira, 4 de março de 2015

Adriano Nunes: "Que tudo pode engendrar" - Para a minha mãe

"Que tudo pode engendrar" - Para a minha mãe


Sincréticos signos - nada
Define sequer o nada
Que faz casa em minha alma
Quando o sol do amor encalha

No báratro da palavra
Que um mero sentido capta.
Miméticos mitos - nada
Delimita mesmo o nada.
Em meio a cartas marcadas,
Entrego-me, alegre, à mágica
Do pensar: o nada é nata
Que tudo pode engendrar.

terça-feira, 3 de março de 2015

Adriano Nunes: "Desprendendo-se do metro exato"

"Desprendendo-se do metro exato"


Tão urgente é o amor
Que os crisântemos sorriem
Para as loucas libélulas, e, sorrindo,
Parecem querer voar, no mínimo.
Tão urgente é o amor
Que as pedras ensaiam a canção da alegria,
E movem-se num êxtase de existir,
Em busca de uma voz que sonhos lhes daria.
Tão urgente é o amor
Que os noventa dragões que a esperança vigiam
Dançam contentes e brincam de amarelinha,
Como crianças! A inocência os tinha!
Tão urgente é o amor
Que o poeta apressa-se a louvá-lo,
Desprendendo-se do metro exato -
Importam somente os labirintos do íntimo.

Quão ardente é o amor
Que de mim e de tudo se apossou!


Adriano Nunes: "No infinito do que dito pode ainda"

"No infinito do que dito pode ainda"


Sobre o branco que se expande logo cedo,
Sob um incognoscível céu que se finca
No infinito do que dito pode ainda
Ser sobre o que pode ser de qualquer jeito,
Nasce um soneto para o amigo Roberto,
Com onze soltas sílabas, pra que diga
Ao poeta, no seu dia, quão antiga
Nossa amizade, desde a Grécia, decerto
É. Com imenso prazer, canto a cantiga
Da existência, do que comemora o estreito
Laço que em nós cria a alegria e interliga
Verso a verso, o que não pode ser desfeito,
Como um contrato no qual o amor assina
E deixa a sua irreconhecível firma.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Adriano Nunes: "Que é bem só"

"Que é bem só"


Uma cobra
Se desdobra
Sobre o solo.
Só, se enrosca
Numa corda
Que se solta
Lá do sótão
Como folha
Ante o outono,
Como o pomo
Da discórdia.
Logo olha
Para a corda
Que se move
Quase erótica.
Tola cobra,
Que é bem só!
Olha e olha e
Como gosta
Do contorno
E das cores
Que se mostram
Num só tom.
Pende a corda
Sem ter nós.
Prende-a a cobra
Sob o dorso
Como um corpo,
Trança e gozo,
Porque sonha
Ser a corda
Outra cobra,
Tem nos ósculos
Do que for
Mesmo lógico
A peçonha
Do propósito
Que se pôs
Todo amor.
Sobe, sobe,
Se enrosca,
Chega ao topo,
Lá no sótão,
Num esforço
Rente a cobra
Que é corda.
E cai corda.
E cai cobra.
E, no tombo,
Tonta, acorda.

domingo, 1 de março de 2015

Adriano Nunes: "Os sumos da voz"

"Os sumos da voz"


Meu coração dis-
Para... A vida fiz
De versos. E só
Fui assim feliz,
Desatando o nó
De mim. Não sentis
Como são sutis
Os sumos da voz
Que é mais do que nós,
Que, com os ardis
Das sinapses, diz
O que bem desdiz,
Faz da vez o pó
Das horas, por vós?