terça-feira, 30 de julho de 2013

sábado, 27 de julho de 2013

Adriano Nunes: "Moral Suprema"

"Moral Suprema"


Em Kant agora imerso, bem constato
Que em mim o Imperativo Categórico
Não é nada fugaz, algo alegórico,
Que amalgama o âmago do meu ato.

Entre o proceder prático e o teórico,
O báratro das vontades exato
Age, enfrentando-me, num ultimato,
Mas, deixa-me o pensar, feliz, eufórico.

Eis que tudo vinga, finca-se claro
Ante quem mais me peso, peremptório,
Porque na Moral Suprema me amparo.

Já não me encarcera o contraditório
Império da ilusão, vivo, preclaro:
Fiz da magna razão meu oratório.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Adriano Nunes: "Mumunda" - Para Raimunda Pereira Martins (in memoriam)

"Mumunda" - Para Raimunda Pereira Martins (in memoriam)


As várias varizes a fazer
Cumes e curvas em minha vista, 
A tez alva, quase equilibrista, 
A carne magra, a voz por dizer,

Entre móveis velhos, a altruísta
Lida atada a todos, por prazer.
Como em memória te refazer
Sem que familiar dor me assista?

O tímido riso e o fundo ver
Infiltraram-se em mim, sem medida,
Fundiram-se ao qu' inda sei viver.

Mas qual palavra dá-se perdida
Agora, pra que nem mesmo o ver-
So me livre de voraz ferida?

quinta-feira, 25 de julho de 2013

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Walt Whitman: "O Tan-Faced Prairie-Boy"

"Ó rapaz dos prados de face bronzeada" (Tradução de Adriano Nunes)


Ó rapaz dos prados de face bronzeada

Antes de vires ao campo vieram muitas dádivas de boas-vindas,
Louvores e presentes vieram e nutritiva comida, até que, enfim, entre os recrutas,
Vieste, taciturno, sem nada a ofertar - nós, porém, flertamo-nos.
Quando, vê! Mais que todas as dádivas do mundo deste-me.

Walt Whitman: "O Tan-Faced Prairie-Boy"

O tan-faced prairie-boy,
Before you came to camp came many a welcome gift,
Praises and presents came and nourishing food, till at last among the recruits,
You came, taciturn, with nothing to give – we but look’d on each other,
When lo! more than all the gifts of the world you gave me.



WHITMAN, Walt. The Complete Poems. New York: Penguin, 2005.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Adriano Nunes: "Cesta básica" - para Carlos Spinelli

"Cesta básica" - para  Carlos Spinelli


Saint-Simon, Fourier, Owen,
Blanc,
Kingsley,
Proudhon,
Marx,
Cournot, Dupuit, von Thünen,
Jevons, von Wieser, von Böhm-Bawerk,
Marshall,
Wicksell, Fisher, Hawtrey,
Sraffa, Chamberlin, Robinson, 
Keynes...

Valor, demanda, oferta,
Jogo, juro, prazo, preço, regra,
Mercadoria, método, matéria, moeda,
Teoria, título, trabalho, técnica,
Lei, lucro, livre comércio,
Social, marginal, neoclássico e tal, etc.

Como engolir com gosto o ego?

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Adriano Nunes: "Os girassóis" - Para Caetano Veloso

"Os girassóis" - Para Caetano Veloso 



Abrigam-se, com graça, os girassóis
Entre tudo que se amalgama em nós:
Amarelo que não é cor, é voz,
Talo verde a ver que vingamos sós.

Dentro da métrica dos trololós,
Da pancada popcreta, a funda foz
Que nos transforma em pétala e não nos
Desbota, ante a Górgona feroz,

O Tempo, o que nos desfaz e constrói.
Alegram-se, com gosto, os girassóis
Sob a página azul e sob os pós-
Escritos do amor, grãs giros e sóis.

sábado, 13 de julho de 2013

Adriano Nunes: "À ilusão última que tudo emperra"

"À ilusão última que tudo emperra"


Disseco o seco do disse-não-disse,
Ao máximo, todo o clímax das máximas.
Não quero em mim o rótulo robótico
De ser moralmente método e máquina.

Não me interessa o futuro infrutífero,
Seus matizes, suas quimeras mágicas,
Nem o passado anêmico a morder
A memória, o mel do momento agora.

Agarro-me ao arquétipo desse gozo
Instantâneo, em êxtase de existir.
À metafísica declaro guerra, e
À ilusão última que tudo emperra.

Louvo a vida e o presente em que contida
Vê-se, o sumo do segundo sangrante,
O estagnar das roletas ante a aposta,
Este sol a sorrir, o amor que aflora.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Edgar Allan Poe: “Alone”

"Sozinho" (Tradução de Adriano Nunes)


Sozinho



Do instante infante eu não fora
Como os outros - Não enxergara
Como os outros - Sequer trouxera
Paixões duma igual primavera -
Doutra origem eu conquistara
Minhas mágoas - Não despertara
Meu peito pra o prazer co' alinho -
Tudo amara e amara sozinho -
Portanto - na infância - na aurora
Da aflita vida desenhara
Do mal e bem a fossa infinda
O enigma que me atara ainda -
Dessa torrente, ou dessa fonte -
Do rubro báratro do monte -
Do sol que me houvera cercado
Pelo seu outono dourado -
Do relâmpago no céu alto
Quando por mim dera seu salto -
Do trovão e da tempestade -
Da nuvem que tomara de
(Quando o céu dera-se a brilhar)
Demônio a forma em meu olhar.



Edgar Allan Poe: “Alone”



Alone



From childhood’s hour I have not been
As others were—I have not seen
As others saw—I could not bring
My passions from a common spring—
From the same source I have not taken
My sorrow—I could not awaken
My heart to joy at the same tone—
And all I lov’d—I lov’d alone—
Then—in my childhood—in the dawn
Of a most stormy life—was drawn
From ev’ry depth of good and ill
The mystery which binds me still—
From the torrent, or the fountain—
From the red cliff of the mountain—
From the sun that ’round me roll’d
In its autumn tint of gold—
From the lightning in the sky
As it pass’d me flying by—
From the thunder, and the storm—
And the cloud that took the form
(When the rest of Heaven was blue)
Of a demon in my view—




POE, Edgar Allan. The Complete Poetry. With New Afterword by April Bernard. New York: Penguin, 2008, p. 65.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Adriano Nunes: "Ante a inspiração pura, plena"

"Ante a inspiração pura, plena"


Sempre tenho bastante medo
De que a poesia se perca
Na rigorosidade das regras,
Na formalidade que espreita
O sentido e a memória acerca
Do que ser, corrompendo o texto
Com burocráticos venenos,
Ante a inspiração pura, plena...

Esquecer a essência na métrica,
Ao ritmo o esqueleto do tempo
Dar, sufocando quem me penso
Pra aos críticos ofertar versos
Co'o peso do qu' eles esperam,
E, assim, estampar, com laurel,
O ego... E, no fundo, saber
Que a poesia se perdera.

domingo, 7 de julho de 2013

José Gorostiza: "El enfermo"

"O enfermo" (Tradução de Adriano Nunes)


Pelo amplo silêncio desse instante
passa um vago temor.
Talvez a porta gira sem motivo
e recolhe uma miragem distante,
como um mirante a alma ser supor.

Lá fora canta um pássaro cativo,
e com gota fugaz o jorrador.

Talvez fingem as cortinas altas
dobrar-se ao toque de uma mão intrusa,
e o perplexo rumor
às ambas pupilas do enfermo acusa
um caminho de lamento em redor.

Em seus olhos opacos, evasivos,
as coisas refletem-se com candor,
embora a queixa flua
aos lábios palidíssimos de dor.

Conta a Irmã as continhas do rosário
e pensa no Calvário
do Senhor.

Porém invade a sombra vespertina
um estranho temor,
e no pêndulo imóvel se adivinha
a sétima desventura do amor.

Talvez a porta gira sem motivo.
Lá fora canta um pássaro cativo,
e com gota fugaz o jorrador.



José Gorostiza: "El enfermo" 



El enfermo



Por el amplio silencio del instante
pasa un vago temor.
Tal vez gira la puerta sin motivo
y se recoge una visión distante,
como si el alma fuese un mirador.

Afuera canta un pájaro cautivo,
y con gota fugaz el surtidor.

Tal vez fingen las cortinas altas
plegarse al toque de una mano intrusa,
y el incierto rumor
a las pupilas del enfermo acusa
un camino de llanto en derredor.

En sus ojos opacos, mortecinos,
se reflejan las cosas con candor,
mientras la queja fluye
a los labios exangües de dolor.

Cuenta la Hermana cuentas de rosario
y piensa en el Calvario
del Señor.

Pero invade la sombra vespertina
un extraño temor,
y en el péndulo inmóvil se adivina
la séptima caída del amor.

Tal vez gira la puerta sin motivo.
Afuera canta un pájaro cautivo,
y con gota fugaz el surtidor.




In: GOROSTIZA, José. "Poesía y Poética". Madri: ALLCA XX, 1996, p. 13.

Adriano Nunes: "Os animais são uns" - Para o professor Roberto Bozzetti

"Os animais são uns" - Para o professor Roberto Bozzetti


Os humanos são uns
Animais e nem mais
Nem menos, e comuns
São seus atos letais.

Sobre os breus estatais,
Desumanos jejuns
Descansam, imorais.
Os animais são uns

Animais. Deviam ver
As vidraças, as redes
De caça, as vis paredes

Das jaulas do viver
Humano, pra viver
Sem as humanas sedes.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Adriano Nunes: "Certeza"

"Certeza"


Escrevo alguns versos e,
Sobre os assaltos métricos do momento,
Embriago-me do mel do que possa ser
Um mistério.
Que em mim ainda quero?

terça-feira, 2 de julho de 2013

Jorge Luis Borges: "Los enigmas"

"Os enigmas" (Tradução de Adriano Nunes)

Os enigmas

Eu que sou o que agora está cantando
serei amanhã o misterioso, o morto,
o morador de um mágico e deserto
orbe sem antes nem depois nem quando.
Desse modo afirma a mística. Eu
Creio-me indigno do Inferno ou da Glória,
porém nada predigo. Nossa história
cambia como as formas de Proteu.
Que errante labirinto, que brancura
cega de esplendor será minha sorte,
quando me entregue o fim desta aventura
a curiosa experiência da morte?
Quero beber seu cristalino Olvido,
ser para sempre; mas não haver sido.



Jorge Luis Borges: "Los enigmas"



Los enigmas

Yo que soy el que ahora está cantando
seré mañana el misterioso, el muerto,
el morador de un mágico y desierto
orbe sin antes ni después ni cuándo.
Así afirma la mística. Me creo
indigno del Infierno o de la Gloria,
pero nada predigo. Nuestra historia
cambia como las formas de Proteo.
¿Qué errante laberinto, qué blancura
ciega de resplandor será mi suerte,
cuando me entregue el fin de esta aventura
la curiosa experiencia de la muerte?
Quiero beber su cristalino Olvido,
ser para siempre; pero no haber sido.



BORGES, Jorge Luis. El Otro, El Mismo. Obra Poética. Buenos Aires: Emecé, 2007, p. 227.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Jorge Luis Borges: "La prueba"

"A prova" (Tradução de Adriano Nunes)


A prova

Do lado contrário da porta um homem
deixa cair a corrupção. Em vão
elevará esta noite uma súplica
a seu curioso deus, que é três, dois, uno,
e dir-se-á que é imortal. Agora
ouve a profecia de sua morte
e sabe que é um animal sentado.
És, irmão, esse homem. Agradeçamos
os vermes e o olvidar.


Jorge Luis Borges: "La prueba"



La prueba

Del otro lado de la puerta un hombre
deja caer su corrupción. En vano
elevará esta noche una plegaria
a su curioso dios, que es tres, dos, uno,
y se dirá que es inmortal. Ahora
oye la profecía de su muerte
y sabe que es un animal sentado.
Eres, hermano, ese hombre. Agradezcamos
los vermes y el olvido.




BORGES, Jorge Luis. Obra Poética. Buenos Aires: Emecé, 2007, p.545.