domingo, 29 de outubro de 2017

Adriano Nunes: "Ars poetica"

"Ars poetica"


A minha cabeça
Diz: desobedeça!
A minha ilusão 
Diz: tens a razão!
Pobre coração,
Não diz mais nada,
Cansou de infeliz
Ser e dar mancada.

A minha cabeça
Quer outra incerteza.
A minha emoção
Quer ficar acesa.
Tolo coração,
Não quer mais alma,
Cansou do que quis,
De manter a calma.

A minha cabeça
Pensa até ter mão!
Minha solidão
Baila entre as tretas
Do meu coração.
Ah, por que me fiz
Em migalhas, para
A voz que me ampara?

sábado, 28 de outubro de 2017

Hart Crane: "October- November" (tradução de Adriano Nunes)

"Outubro-Novembro" (tradução de Adriano Nunes)


Sol de verão indiano
Com plumas rubras que chicoteia a bruma, -
Afunda-se através do filtro de treliças
E doura a prata nos assentos sujos.
Agora ouro e púrpura fulguram
Nas árvores que parecem dançar
Em delírio;
Então a lua
Em uma louca laranja labareda
Inunda a noite de penduradas uvas.


Hart Crane: "October- November"


Indian-summer-sun
With crimson feathers whips away the mists,—
Dives through the filter of trellises
And gilds the silver on the blotched arbor-seats.
Now gold and purple scintillate
On trees that seem dancing
In delirium;
Then the moon
In a mad orange flare
Floods the grape-hung night.


CRANE, Hart. "October-November". In:_____.Academy of American Poets. URL: https://www.poets.org/poetsorg/poem/october-november. Acesso em 28 de outubro de 2017.

Adriano Nunes: "Μοῦσα"

"Μοῦσα"


Não há
Instante
Estético
Em que
Teu ser
Poético
Não marque
Presença.
És arte!

Estás
Em cada
Parte
Das Odes
De Horácio
Ou de
Fragmentos
De Safo.
Não tardes!

Sim, digo
A ti:
Não é
Tão fácil
Assim.
Do grego
Ao grácil
Latim,
À carne

Do átimo,
Ah, quanto
Aos versos
Antigos
Bem devo,
O metro e
O ritmo
Notáveis!

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Adriano Nunes: "Las rosas"

"Las rosas"


Las Rojas
Y blancas
Mis rosas
Se mueven
Al viento.

¡Ah, sólo
Mis ojos
Están
Atentos
Cogiendo

Las hojas,
Los brotes
Y los
Colores!
¿Por qué

Ningún
Camino
Persiguen,
Si riesgo
Hay siempre

En toda
Salida
Querida?
¡Ah, vengan
A verlas!

¡Las blancas -
Hay tantas!
¿Las rojas -
Qué alojan
Ahora?

¡Ah, vengan
A verlas,
Las rosas
Del Tiempo
Hermosas,

Con sus
Espinos
Nocivos,
Su estética
De olvido!

Adriano Nunes: “Prometeo”

“Prometeo”


¿Por qué es necesario
Rasgar el corazón
De todo lo que hay
Entre lo que espero
De las esperanzas
Y los vestigios
De lo que me pienso
Y siento, cuando sólo,

Cuando la mirada
Parece que sólo
Quiere engendrar
Las tantas lágrimas?
¿Por qué es necesario
Dejar el pecho
Apretado, estar
Triste, para entender

La frialdad de los acasos,
La violencia de los deseos,
De los sentidos?
Ah, cómo rehacerme
De los horrores de los ecos
Del ego, de la existencia?
Ah, cómo saber si aún
Arde el instante raro

De la libertad,
De lo que parece estar
Siempre nos podando,
Siempre nos prometendo
Que, de algún modo,
Vamos a romper las cadenas
Y liberarnos de las bicadas
De los cuervos hambrientos y rabiosos?

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Adriano Nunes: "Poético amar"

Poético ar”


Chove. Tudo enquanto
Tudo, quase pranto.
Que rima à vez dar
Para recordar

Quando for manhã, 
E a existência - vã -
Não mais for, pois, já 
Em nós dois sóis há

Que brilhem demais?
Chove, além dos ais...
Entre o cais e o mar
Do que dá pra amar.

Chove? Madrugada
Para tudo ou nada.
Aqui, nunca está...
Por que agora está

Em minhas sinapses,
No correr do lápis,
No nó do sonhar,
Poético ar?

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Adriano Nunes: "Inquietud extraña"

"Inquietud extraña"


¡Otra tarde!
Otro tiempo que en mi corazón arde.
¿Qué quieren mis ojos de ilusión?
¡Ah, cómo yo quise dar al poema todo
Que cada rima y cada metro pueden!
¡Ah, cómo yo quise dar a la vida del verso
La verve indestructible de la alegría y del sueño!
¡Otra tarde!
Otro rincón de asombros y miedos.
¡Ah, cómo yo quise dar a mis esperanzas
Todas las posibilidades de infinitos!
¡Ah, cómo yo quise romper con las reglas rígidas
De las indiferencias de conocidos y desconocidos,
De los personajes que abrigué en mí
Sólo para cantar el instante de luz
En que ya no son necesarias las lágrimas!
¡Otra tarde!
Otro porvenir que me mira,
Mientras escribo.

Adriano Nunes: "Brasil"

"Brasil"


Brasil -
Comédia?
Tragédia? 
É certo
Que a coisa
É séria!
País
Que não
Tem como
Ser como
Bem quis,
Lugar
Em que os
Tais liber
Ais made
In China
Dependem,
Demais,
Pra sempre,
Qual vírus
Ou tênias,
Do Estado.
E como
Dependem!
E os tais
Comunas
Jamais
De luxo
Abdicam!
Ter mais
Não é
Ter tudo!
Há quem
Entenda?

Adriano Nunes: "Nihil"

Nihil



No hay nadie. 
No hay nada
Para ser como usted.
Ni siquiera las palabras!
¡Ah, corazón que,
Casi ahora, casi
De la caja torácica
Salta!
No hay nadie...
No hay nada.

sábado, 21 de outubro de 2017

Adriano Nunes: "Ícaro"

“Ícaro”


Ver-te em voo, ver-
Tente do ser, verve
Da vida que ferve,
Do que se faz ver.

Ver-te avulso, ver-
So, semente leve
Que se leva e serve
À vez do viver.

Ver-te vácuo a ver-
Ter-se em ultraleve e
Voar - tudo é breve! -
Sem nada antever.

Richard Wilbur: "The House" (Tradução de Adriano Nunes)

Poema de Richard Wilbur (vencedor de 2 Prêmios Pulitzer em poesia: em 1957 e em 1989. Falecera este mês, no dia 14, aos 96 anos) traduzido por mim:

"A casa" (Tradução de Adriano Nunes)

Às vezes, ao acordar, os olhos fecharia
Pr' última olhada à casa branca qu' ela viu
No sono sozinha, e que título não possuía
E não tinha ainda entrada, pra seus cicios.

O qu' ela me disse daquela casa dela?
Portão branco; terraço; basculante à porta;
Andar de viúva acima da costa pétrea;
Ventos de sal que irritam abetos à volta.

Agor' ela está lá, onde quer que ser possa?
Somente um homem tolo esperaria achar
Tal paraíso feito por sua mente utópica.
Noite após noite, meu amor, eu pus o mar.


Richard Wilbur: "The House"


Sometimes, on waking, she would close her eyes
For a last look at that white house she knew
In sleep alone, and held no title to,
And had not entered yet, for all her sighs.

What did she tell me of that house of hers?
White gatepost; terrace; fanlight of the door;
A widow’s walk above the bouldered shore;
Salt winds that ruffle the surrounding firs.

Is she now there, wherever there may be?
Only a foolish man would hope to find
That haven fashioned by her dreaming mind.
Night after night, my love, I put to sea.

*From Anterooms: New Poems and Translation by Richard Wilbur. Copyright © 2010 by Richard Wilbur. Houghton Mifflin Harcourt Publishing Company. Disponível em: https://www.poets.org/poetsorg/poem/house.


terça-feira, 17 de outubro de 2017

Adriano Nunes: “Que basta?”

“Que basta?”

Só neste
Lugar
Sacana,
Capenga,
Careta,
Carente
De gente
Pra frente,
Nascer
Já pobre
Ou preto
Ou fora
Do fixo
Padrão
Dos brancos
Da elite,
Só neste
País
De brutos
Bacanas
Babacas,
Que beira
À farsa,
Em que a
Miséria
Impera
Em riste,
Que cheira à
Desgraça,
Sem ter
Ouvida a
Palavra

- É mesmo
Não ter
Direito
A nada! -

Que fede
À bala
Perdida,
À escola
Fechada,
À fraude
Fiscal,
A igrejas-
Empresas,
A escândalos
De sul
A norte,
Que fez
Um pacto
Co’a morte,
Co’a lei
Dos que
São fortes,
Mais fortes,
Ser gay,
Ser gótico,
Ser puta,
Ser punk,
Ser por
Ser o
Que se
Quer ser,
É mesmo
Ser nada.
Ó, quando
Diremos
Que basta?

Adriano Nunes: "Ciranda nefasta"

“Ciranda nefasta”


A cultura da superficialidade festejada,
A burrice crônica aplaudida,
O jeitinho brasileiro como didática,
A preguiça elástica condecorada,
Os discursos sofismáticos premiados,
A pós-verdade que não diz nada bajulada,
Os políticos vitalícios e seus lesivos conchavos,
Os corruptos homenageados nas praças com estátuas,
Os egos superinflados comissionados,
A inveja prêt-à-porter admirada,
As ideologias cegas implantadas na alma,
A moral moralizadora imposta à crença ou à bala,
Os pastores midiáticos milionários,
Os hipócritas com pedigree venerados,
Os séquitos de imbecis proliferados,
A todo momento, por todos os lados,
Ó, povo cordeiro,
Ó, massa prendada,
Ó, povo solícito,
Ó, massa alienada,
Ó, povo que a tudo se dobra!
Sonhar é fácil!
Sonhar é de graça!
Para que essas algemas?
Para que esses cabrestos?
Para que essas bitolas?

Adriano Nunes: "Ou nada"

“Ou nada”

De beijo
A beijo,
A boca
Já busca
O vinho
De Baco,

E, abaixo,
A bunda
Desnuda
Do broto
E, fundo
Na carne,

Aquela
Mordida
Ardente
Engendra,
Dá, sem
Pudor,

Sem ter
Receio
De mácula
Ou mágoa.
Agora
Só falam

Que o amor,
Ou o que
Sobrou,
Caminha
Na corda
Elástica

Do tudo
Ou nada.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Adriano Nunes: "Poesia" - para André Vallias (por seu aniversário)

"Poesia" - para André Vallias (por seu aniversário)

Eis o que
Quer a
Poesia, além 
Do fato de
Ser poesia

(Ela nem
Sempre vem
Como a gente
Arquiteta e
Gostaria!)

Apenas:
Ter a alegria
Irreverente
Das ironias e das
Paráfrases

Engendradas,
Pra tudo ou nada,
Pelo André
Valias, não é
Mesmo, Poesia?

Adriano Nunes: "Ideias"

"Ideias"


Se em sua mente
Uma ideia fez-se,
Casualmente, 
Semente
Somente,
E a razão
Conta dela dera
Criticamente,
Ainda bem!
Poderia ser
Bem diferente.

Poderia ser uma
Ideia que se fizesse
Potente
E quisesse
Inibir qualquer outra
Ideia, como se
Ela fosse
A gênese
- Ou o chefe
Da mente -
E gerasse ideias
Totalitárias sempre.

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Adriano Nunes: "Contra a censura"

"CONTRA A CENSURA"


LIBERDADEFULGURA
LIBERDADEFULGURD
LIBERDADEFULGUDI
LIBERDADEFULGDIG
LIBERDADEFULDIGA
LIBERDADEFUDIGAM
LIBERDADEFDIGAMN
LIBERDADEDIGAMNÃ
LIBERDADDIGAMNÃO
LIBERDADIGAMNÃOÀ
LIBERDDIGAMNÃOÀC
LIBERDIGAMNÃOÀCE
LIBEDIGAMNÃOÀCEN
LIBDIGAMNÃOÀCENS
LIDIGAMNÃOÀCENSU
LDIGAMNÃOÀCENSUR
DIGAMNÃOÀCENSURA

sábado, 7 de outubro de 2017

Adriano Nunes: “Ylyalim”

“Ylyalim”


Nada foi fácil - repete pra si
O velho Ylyalim, enquanto brinca
Com algumas pedrinhas, ante a bica,
Aquela mesma bica de marfim
E medos, de esmeraldas, onde Sísifo
Banhava-se nu, antes do castigo
Infindo. Por que brinca, só, ainda
O velho Ylyalim, enquanto a vida
De tudo parece dar-se a um porvir
Sem portentos, como se um cruel crime
Estivesse pra cometer, no mínimo?
Nada é fácil - diz o velho feliz.
Há muito está só, lúcido e até livre
De suas grãs astúcias e tolices.
Livre, brincando com as pedrinhas
Ante a bica de pedras e marfim,
Sem lamentar coisa alguma, nem isso
Que lhe furta os pensamentos - Aqui -
Diz para a água que escorrega fria
Entre os dedos enrugados, feridos -
A tocar-te estou, líquido destino!
Segues sem mim e assim símile sigo!
Agora brinco com as pedras, vivo!
Agora brincas, com arte, comigo.
Para quê? Não me digas! Não me digas!
Nada foi fácil! - repete pra si
O velho Ylyalim, enquanto ri
Do acaso que arquitetara o devir.

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Adriano Nunes: "A falar de versos" - para Antonio Cicero (por seu aniversário)

"A falar de versos" - para Antonio Cicero (por seu aniversário)


Praia planejada
No primeiro encontro.
Mas a chuvarada
Veio forte e... Pronto:

Estamos nós dois
A falar de versos
E do que depois
Será, mais imersos

Em cada poeta
Que amamos. O mar
Até nos completa,
Neste patamar

De alegria estética.
Do Latino, as Odes
Belas, as grãs Odes!
Do Helênico, a Ética...

Na prima visita,
Rápida, na praia,
A arte se espraia,
E a vida se agita.

Adriano Nunes: "Canção de amor"

“Canção de amor”


Verso, se for
Pra ser de amor,
Em hora dessa,
Esqueça, por
Favor, a métrica
Que já lhe estou
Mesmo a impor.
Veja se leva
A lida, à flor
Da verve, à vera.
O que passou
Que mal deixou
Senão a pressa
De amar o amor?
Verso, se for
Pra vingar mera
Espécie estética,
Será melhor
Deixar-me só
Co’ a minha meta
De ser poeta
Só, sem louvor,
Sem céus ou cédulas.
Poeta só,
Atado à tétrica
Noite em que só
Ser o conecta
Ao ser que sou.

Adriano Nunes: "Da grã tristeza"

“Da grã tristeza”


Sim, estou triste
Como estar posso.
Parece lógico
Estar assim.
Dores existem,
Eu já te disse.
Não passam logo.
Umas sem fim
São, sem propósito.
Gravam-se em corpos.
Guardam-se em óbvios.
Lágrima, enfim.
Às vezes, noto
Que fico triste
Porque sou livre,
De qualquer modo.
Quem soa em mim?

domingo, 1 de outubro de 2017

Adriano Nunes: "Um mar a mais"

"Um mar a mais"


Ah, o devir contra o dever!
Este mar a mais pode ser
O amar, outra trilha a buscar
Qualquer lugar, qualquer saída,
Outro ritmo, lá no Pelô,
Onde sequer sei como estou,
Porque a lira livre delira.

Pode ser o que já não cabe
No sentir, por amalgamar-te
No intacto existir, pra cantar-te,
Pra dar-te o que em ser mais admiras.
Pode ser que seja este canto,
Onde a onda do a-mar advém
Da língua a roçar a alegria
- Mais que as verdades, as mentiras, -

Que é o amor, que já transbordou,
Que vem água e espuma virar
Na orla aleatória de Ondina
Onde tudo se descortina,
Para ser mesmo imenso mar,
Como se arrebentasse adentro
Do sonhar, a cada momento,
Pois certo é que o mundo gira.

Ah, disperso mar de silêncios
Que é todo o gostar de pensar-te
Assim, areia e sol, calor
E cor, sereias e tritões,
Ipanemas, Leblons, sons bons,
Fundo em mim, pra não estar só
Com metáforas e desculpas,
Acendendo no peito a pira

Do desejo que te deseja,
Pra singrar em ti, em sentidos,
Mergulhando no abismo íntimo
De um ritmo, duma valsa avulsa,
Porque tudo no verso pulsa,
Porque tudo no verso é risco,
Porque o infinito o verso aspira.

Adriano Nunes: "Quando tudo já não vale"

"Quando tudo já não vale"


Para que pressa
Se o poema pronto só está
Quando bem quer, quando diz
Ao poeta: "pronto! Estou
Pronto!". Pode levar dias, meses, anos.
Pode levar o quanto
Necessário for,
Para espanto do leitor,
Para espanto do autor.
Pode dar em nada.
Se o poema estiver certo de que já pode brotar
Na folha alva, ele para ela salta,
Ele sempre quer dar as cartas.
Mas como sabê-lo perfeito em si mesmo?
Como parar a caneta, o lápis, o dígito
Do teclado automático?
Como deixar falá-lo?
Às vezes, deixo-o vir, versos em falso,
Tropeçando, pisando em ovos,
Até quase me enganando
Em seu estético propósito.
O poema é, não duvidem, acertar na trave,
Quando tudo já não vale.