quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Adriano Nunes: "você"

"você"


um amigo é um
esconderijo.
mesmo aquele
já perdido ou o
da infância tão
esquecido
no coração.
até o demais rijo,

o estranho,
o incomum.
que seria
das intrigas,
das horas mais íntimas,
das adversidades
das coisas que
ninguém sabe,
sem ele?

Adriano Nunes: "Um poeta não se faz só" - para Aetano Lima Santos

"Um poeta não se faz só" - para Aetano Lima Santos 


Um poeta não se faz só
De palavras e pensamento
Nem do que tanto pulsa adentro.

Um poeta não se faz só.

Às vezes, pousa o próprio invento
No acaso, como se por dó,
Numa plena ilusão, mas só.
Às vezes, poupa-o do alheamento.

Todo poeta não é feito
Sob o forte efeito do sonho,
Do apelo prático do peito

Nem do risco mais enfadonho.
Todo poeta, ser suspeito,
Tem de tudo medo medonho.

Adriano Nunes: "E que ilusão é essa?" - Para Carlos Drummond de Andrade

"E que ilusão é essa?" - Para Carlos Drummond de Andrade 


Que mais dizer agora
ante o sonho que aflora,
dia a dia, mas sem 
poder doá-lo a alguém?

E que alegria a fundo
a conversa atravessa,
enchendo-me de vida

enquanto a vida é tida

como um veraz Proteu?
Que mais dizer aos meus
e aos outros que não há?
Como abraçá-los lá,

onde a incerteza acerta
o peito, deixando-o alerta?
É preciso correr
o risco de viver.

Como pensar o mundo,
desencravar-lhe a lança?
E que ilusão é essa
que a mente não alcança?

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Adriano Nunes: "Porque apenas manhã era"

"Porque apenas manhã era" 



A manhã se incendiara
De magna artimanha e máscara.
O amar tanto abdicaria...
Moeda e mercadoria,
Moda, modo e monumento, o in-
Finito momento, o spin
De uma quântica quimera,
Porque apenas manhã era.


Sem venda ou amarra, amei-te
Até a noite, pra deleite
Do meu coração cansado
De bater, feito um chiado,
Ante o impulso e o desespero,
Sem arriscar, sem ser perro.
A manhã se incendiara
De estranha saudade e tara.

Antonio Machado: "Campo"

‎"Campo" - Antonio Machado 


La tarde está muriendo
como un hogar humilde que se apaga.

Allá sobre los montes,
quedan algunas brasas.

Y ese árbol roto en el camino blanco,
hace llorar de lástima.

¡Dos ramas en el tronco herido, y una
hoja marchita y negra en cada rama!

¿Lloras?... Entre los álamos de oro,
lejos, la sombra del amor te aguarda. 



"Campo" (Tradução de Adriano Nunes)



A tarde está morrendo
feito fogueira humilde que se apaga.

Além por sobre os montes,
sobram algumas brasas.

E essa árvore rota no rumo branco,
faz prantear de lástima.

!Dois ramos no tronco ferido, e uma
folha árida e negra em cada ramo!

?Lamentas?... Entre os álamos de ouro,
a sombra do amor, ao longe, te aguarda.





In: MACHADO, Antonio."Soledades, Galerías y otros Poemas" . Poesías completas. Madrid: Espasa-Calpe, 1983

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Adriano Nunes: "E, à tez do olho, o ser brilha"

"E, à tez do olho, o ser brilha"



A estudar óptica estando,
Aflora uma redondilha,
E, à tez do olho, o ser brilha.
Fora de qualquer comando,

Além das lentes, fervilha 
A vez dos feixes em bando,
O que estou considerando:

Vê-se o verde duma ervilha

porque o verde é refletido
No córtex, e a imagem tida
É mesmo toda invertida.

Por que, ó poesia, nítida
Miragem, grã estampido,
A teus pés tenho caído?

Adriano Nunes:"Vivianne Accioly"

"Vivianne Accioly"


Perto de casa, fundo
A fundo, grácil gata
Salta, ao pensar, exata,
No qual mais me aprofundo.

Meu ser então constata:
As vidas deste mundo
São poucas, são. No fundo,
Tudo é uma cascata

De pulos, planos, provas,
Perdas, pontes e o espanto
De haver promessas novas.

Longe de casa, um tanto
Perto do peito, em trovas,
Saúdo teu encanto!

domingo, 28 de outubro de 2012

Adriano Nunes: "Enquanto desafio o infinito"

"Enquanto desafio o infinito"


Enquanto em cálculos infindos 
Imerso estou, em meus estudos
Diários, fico pressentindo os
Portentos surgirem desnudos:

O sorriso-sol de alguém vindo
Sondar-me, - Meu bem? - Ou me iludo? -
Os sonhos todos e o mais lindo

De um amor: entender que é tudo.

As grãs incógnitas do futuro
Abrigando-se além do dito,
Outro mundo múltiplo e obscuro.

Mas quem vem, ao longe, que fito
Com o coração pleno e puro,
Enquanto desafio o infinito?

sábado, 27 de outubro de 2012

Adriano Nunes: "Cicatriz" - Para Roberto Bozzetti

"Cicatriz" - Para  Roberto Bozzetti 


Sou um quadro.
Estou retomando um antigo tema.
Sou um quadro
Colorido em demasia, com 
Sombras amarelas, azuis e rosas.
Pintaram-me quem me penso
Com certos olhos e bocas.
Há muito, preso à parede

Da existência, não sei mais
Que traços pertencem aos sonhos
Ou à deliciosa realidade
Das coisas comuns.
Colorido em demasia, com toques
De uma vulgaridade íntima.
Rasgam-me os flertes alheios,
Vez por outra e, vez por outra,
Suponho saber sorrir.
Sou um quadro.
Estou enfeitando o infinito
Do ser que já não mais me sinto.
Pintaram-me com as nuvens do amor
E as metáforas das saudades.
Nenhuma traça se atreve
A roer carne das minhas ilusões,
A roda-viva policromática
Das minhas angústias, dos meus medos,
Das minhas inusitadas taras.
O branco faz o fundo.
Alguém grita de lá.

Adriano Nunes: "À tua Ítaca"

"À tua Ítaca"


Conta até dez.
Pensa-te. Pesa 

Os grãs tesouros
Da Terra e além, 


Se for preciso.
Lança-te ao íntimo.
Não sejas tolo.
Um verso tem

Valor infindo.

Esquece os louros.
Canta, de vez,
Toda a existência.

Sem qualquer pressa,
Dá-te aos esboços,
À tua Ítaca,
À Erato serve.









sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Anne Sexton: "Words"

A pedido do meu amigo Rodrigo Tomé: 


"Words" - Anne Sexton


Be careful of words, 
even the miraculous ones. 
For the miraculous we do our best, 
sometimes they swarm like insects 
and leave not a sting but a kiss. 
They can be as good as fingers. 

They can be as trusty as the rock
you stick your bottom on.
But they can be both daisies and bruises.
Yet I am in love with words.
They are doves falling out of the ceiling.
They are six holy oranges sitting in my lap.
They are the trees, the legs of summer,
and the sun, its passionate face.
Yet often they fail me.
I have so much I want to say,
so many stories, images, proverbs, etc.
But the words aren't good enough,
the wrong ones kiss me.
Sometimes I fly like an eagle
but with the wings of a wren.
But I try to take care
and be gentle to them.
Words and eggs must be handled with care.
Once broken they are impossible
things to repair. 




"Palavras" (tradução de Adriano Nunes)




Cuidado com as palavras,
mesmo as milagrosas.
Com as milagrosas façamos o certo,
às vezes, aglomeram-se como insetos
e não deixam ferroada mas um beijo.
Elas podem ser tão boas quanto os dedos.
Elas podem ser tão confiáveis quanto a rocha
que te serve de assento.
Mas podem ser margaridas e hematomas.
No entanto, estou apaixonada pelas palavras.
São pombas despencando do teto.
São seis divinas laranjas pousadas em meu colo.
São as árvores, as pernas do verão,
e o sol, sua face afeiçoada.
No entanto, falham-me, por demais.
Tenho tanto o que quero dizer,
muitas estórias, imagens, provérbios, etc.
Mas são imprecisas as palavras,
e apenas as inviáveis me beijam.
Às vezes, voo feito uma águia
mas com as asas de um pardal.
Porém tento tomar cuidado
e ser gentil com elas.
Palavras e ovos manuseiam-se com cuidado.
É impossível, se quebrados,
Serem reparados.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

William Blake: "The Voice of the Ancient Bard"

"The Voice of the Ancient Bard" - William Blake 


Youth of delight! come hither
And see the opening morn,
Image of Truth new-born.
Doubt is fled, and clouds of reason,
Dark disputes and artful teasing.
Folly is an endless maze,
Tangled roots perplex her ways,
How many have fallen there!

They stumble all night over bones of the dead,
And feel they know not what but care,
And wish to lead others, when they should be led. 




"A voz do velho bardo" (tradução de Adriano Nunes)




Juventude de encanto, aconchega-te
E vislumbra a aurora,
Imagem da Verdade obtida agora.
É evitada a dúvida, e nuvens da razão,
Negras disputas e astuta provocação.
O desatino é um infindo labirinto
Com caminhos de intricadas raízes;
Quantos lá não estão!
Eles tombam à noite nos ossos dos mortos;
E preocupam-se, mas com o quê, sabem não,
E almejam liderar, quando deviam obedecer a outros.

In: "Songs of Experience". The William Blake Archive. Editors Morris Eaves, University of Rochester, Robert Essick, University of California, Riverside, Joseph Viscomi, University of North Carolina at Chapel Hill.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Adriano Nunes: "A Felicidade"

"A Felicidade" 


Pelo carro, outros
Carros, casas, coisas
Que passam, perpassam.
E, à orla do que há,
A vida infinita
Dos nossos desejos.

Walt Whitman: " Sometimes with one I love"

"SOMETIMES WITH ONE I LOVE" - Walt Whitman 


SOMETIMES with one I love I fill myself with rage for fear I effuse 
unreturn'd love, 
But now I think there is no unreturn'd love, the pay is certain one 

way or another,
(I loved a certain person ardently and my love was not return'd,
Yet out of that I have written these songs.)




"Às vezes, com aquele que amo" (Tradução de Adriano Nunes)




Às vezes, com aquele que amo, fico furioso pelo medo de efundir
amor sem recompensa,
Mas agora acho que não há amor sem recompensa, o pagamento é certo de um modo ou outro,
(Eu amava uma pessoa ardentemente e o meu amor não era correspondido,
No entanto, por causa disso, escrevi essas canções.)










In: The Walt Whitman Archive, edited by Ed Folsom and Kenneth M. Price, is published by the Center for Digital Research in the Humanities at the University of Nebraska–Lincoln under a Creative Commons License.

Adriano Nunes: "Daquela rígida equação"

"Daquela rígida equação
  


Entre essa estrada que separa
Qualquer instante interessante,
O signo de um significante e
O olvido de uma ideia rara,

A face da felicidade
Infinda, a mais nítida, plena,
Pela qual sempre vale a pena
Ir além, a totalidade

De desvendar-me e tudo o mais,
Áureo sentido de uma emoção,
A desvencilhar-me dos ais

Daquela rígida equação
De não precisar dar jamais
Outra dúvida ao coração.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Walt Whitman: "Miracles"

"Miracles" - Walt Whitman 


WHY, who makes much of a miracle?
As to me I know of nothing else but miracles,
Whether I walk the streets of Manhattan,

Or dart my sight over the roofs of houses toward the sky,
Or wade with naked feet along the beach just in the edge of the
water,
Or stand under trees in the woods,
Or talk by day with any one I love, or sleep in the bed at night
with any one I love,
Or sit at table at dinner with the rest,
Or look at strangers opposite me riding in the car,
Or watch honey-bees busy around the hive of a summer forenoon,
Or animals feeding in the fields,
Or birds, or the wonderfulness of insects in the air,
Or the wonderfulness of the sundown, or of stars shining so quiet
and bright,
Or the exquisite delicate thin curve of the new moon in spring;
These with the rest, one and all, are to me miracles,
The whole referring, yet each distinct and in its place.

To me every hour of the light and dark is a miracle,
Every cubic inch of space is a miracle,
Every square yard of the surface of the earth is spread with the
same,
Every foot of the interior swarms with the same.

To me the sea is a continual miracle,
The fishes that swim—the rocks—the motion of the waves—
the ships with men in them,
What stranger miracles are there?




"Milagres" (Tradução de Adriano Nunes)




Por que alguém se impressiona com um milagre?
Quanto a mim, não sei nada que não sejam milagres,
Se percorro as ruas de Manhattan,
Ou lanço a vista sobre as telhas dos lares na direção do céu,
Ou ando descalço ao longo da praia, junto à água,
Ou finco-me sob as árvores nas florestas,
Ou falo durante o dia com qualquer um que amo, ou durmo na cama à noite
com qualquer um que amo,
Ou me sento à mesa no jantar com os demais,
Ou olho pra os estranhos à frente de mim no carro,
Ou vejo as melífluas abelhas trabalhando em redor da colmeia numa manhã de verão,
Ou os animais se alimentando nos campos,
Ou as aves, ou as maravilhas de insetos no ar,
Ou as maravilhas do crepúsculo, ou das estrelas cintilando tão quietas e brilhantes,
Ou as exóticas, delicadas e finas curvas da lua nova na primavera;
Esses e além, um e todos, são para mim milagres,
Todo o referido e, contudo, cada um distinto em seu lugar.

Para mim cada hora de luz e treva é um milagre,
Cada centímetro cúbico do espaço é um milagre,
Cada jarda quadrada da superfície é feita de um,
Cada pé de suas profundezas repleto de um.

Para mim o mar é um contínuo milagre,
Os peixes que nadam-as rochas-o movimento das ondas-
os navios com os homens neles,
Que mais estranhos milagres há?


In: "The Walt Whitman Archive". The Walt Whitman Archive, edited by Ed Folsom and Kenneth M. Price, is published by the Center for Digital Research in the Humanities at the University of Nebraska–Lincoln under a Creative Commons License.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Adriano Nunes: "Segredos, silêncio, olvido..." - para Antonio Cicero

‎"Segredos, silêncio, olvido..." - para Antonio Cicero 


Dista de mim quem me sou
E finca-se quem me sinto
Num insólito recinto

De sombras e ecos. Sou

Todo o mistério distinto
Que ressoa sem fim ou
Essa pessoa que ousou
Ser o próprio labirinto

Íntimo? Sequer o sonho,
Segredos, silêncio, olvido...
E ser mesmo indefinido.

Isso? Aquilo? Que enfadonho
Dar à existência o estampido
Do ser de que só disponho!



Adriano Nunes: "Nos báratros do silêncio"

"Nos báratros do silêncio"


Passara a existência inteira
À sua incauta maneira.
Pensara as gentes e o mundo
Dos eus e o seu, mas, no fundo,
Em nada sequer pensara,
Pensar era pedra rara.
Vez ou outra, lera um verso
E escrevera uns, inda imerso

Em amor e na rotina
Demarcada, citadina.

Pesara a existência toda,
Projetando pra si outra.
Polira a alegria a fundo
E espelhara-se fecundo
Nos báratros do silêncio
Enquanto ardia o silêncio.
Vez ou outra, lera um verso
E escrevera uns, muito imerso
Em insólito destino,
Solitário, clandestino.

Debruçado sobre a tez
Do infinito, dessa vez,
Sem medo ou qualquer receio,
Sorrira: Em que mesmo creio?
Pensara... E pesara... E tudo
Era o espectro só de tudo:
Os devaneios, a vida
E a inalcançável saída.
Porque era atado às quimeras,
Chamaram-no de poeta.

Adriano Nunes: "À tez do cosmo"

"À tez do cosmo" 


Noite sem norte...
Em mim teu nome
Pulsa, desponta e,
À tez do cosmo,
Envolve e cobre-me

De sonhos sólidos,
Memória e voz.

Ai, dizes só
Pensar em sóis,
Quânticos sóis!

Adriano Nunes: "Da memória a arder"

"Da memória a arder" 


Um pouco depois
Das sete e a manhã
Despe-se do véu
Do frio silêncio.


É que, mesmo só,
Algumas palavras
Bastam pra abrigar-me.
E tudo vislumbro. 



Da memória a arder
Sobre o denso tempo,
Restamos nós dois
E o infinito sonho


De que, além, mais tarde,
Algumas palavras
Prontamente bastem,

Brilhem, signo e sumo.

Adriano Nunes: "Por dentro"

"Por dentro"


O VersO O
retém
DISPersO
POR DENTRO.
não vê?

domingo, 21 de outubro de 2012

Adriano Nunes: "Minério" - Para Antonio Carlos Secchin

"Minério" - Para Antonio Carlos Secchin 


Da vida, o intervalo
Prático de pôr
À prova esse amor
Que mais se desdobra.
Como capturá-lo?
Talvez, dispersando-se
Pelos dicionários
Repletos de incógnitas

E instantes sumários
Ou só pelo se-
letivo rumor
De apreender, de fato?

Do tempo, o enigmático
Ato de lançar-se
Ao íntimo da Flor
De Lácio e propor
À vista o embaraço
Viável, o ponto
Da emoção, a cláusula,
Projetando cosmos
Em todos os cosmos
Como se só fosse
Isso a grã catarse
Da contemplação.

Sobre as mil ondas
De felicidade
A inundar os olhos
E os ouvidos, todos
Os ossos do sonho...
E a desafiar
O infinito, o verso,
Pra que sempre possa
Existir a mágica
Fonte de esperança,
Um sorriso fácil
Ante a dor humana.

sábado, 20 de outubro de 2012

Adriano Nunes: "à mão" - para Carmen Silvia Presotto

‎"à mão" - para Carmen Silvia Presotto 


difunda
o fundo
de si
e finque-se em
silêncio
na firme
grã fonte
dos júbilos
infindos,

à mão,

não queira
fuzis
nem a
maneira
friíssima
dos brutos.
no fundo, um
poema
é tudo.

Adriano Nunes: "Quase uma canção" - Para Nelson Ascher

"Quase uma canção" - Para Nelson Ascher


Eis grácil manhã
Grafitando o dia
Que o amor melodia
Em lira pagã.


A existência vã,
O sol preludia...
Que tanto o entedia,
Ó, terso titã,

Não ouves o canto
Das aves, o vivo
Uivo do homem-bicho

Recluso em seu nicho
De sonhos, cativo
De si, por enquanto?

Adriano Nunes: "Para o desfecho tático, pra o fim das contas" - Para Lêdo Ivo

‎"Para o desfecho tático, pra o fim das contas" - Para Lêdo Ivo 


Certamente partir de van, às onze e vinte,
Com tantas expectativas, para o sertão,
É por demais interessante e, sério, é tão
Rentável para o coração, tem o requinte

Da contemplação da grã vista, da paisagem,
Do cinza citadino, do verde do agreste 
Quando verde, sob a calota azul celeste,
Aos desbotados pastos, secos, que interagem

Com o impacto dos cactos, calor e a carcaça
Dos sonhos mortos e a pose das pedras prontas
Para o desfecho tático, pra o fim das contas,
Enquanto as miragens o devaneio caça...

Recontar as tais horas, cantar o inesp'rado
Flerte co' a falta da tez mais grácil da vida?
Ou dar à vasta viagem a gente esquecida?
Reconfortar o peito, considerar dado

Outro passo e o horizonte além da capital.
Certamente, partir de van, às onze e vinte,
Pra o áureo sertão alagoano, caro ouvinte,
Rende-nos o infinito de um tempo total.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Adriano Nunes: "De certo modo"

"De certo modo" 


Como me alegro,

Como me assusto, 
Quando te penso,
Quando te peso, 
Espectro, espírito,
Espelho, estímulos,
Braços e pernas,

Boca na boca,

Olho no olho,
A carne e o íntimo.
É que, depois,
Sempre depois, 

Mais me alicerço
Noutros mistérios,
Vingo e devolvo-me
À grã rotina 


Da antiga regra:
Saltar de mim,
Ao gozo agarrar-me,
Para saber-me.

Das somas quânticas,
Solto-me e, em sonhos, 
Finco-me. Mas
Quando se atira


Do infindo báratro
A noite, todos 
Os faróis do 
Que somos nós
Dão-me à vigília...

Leio alguns versos,
Desloco a vista 
Pra o que me instiga 

E intriga e entrego-me  - 
Servo do sono -
À tal memória,
À tua imagem,
Mais que milagre, 

Mira ou miragem,
Tantas  sinapses 

O amor invadem.

De certo modo,
Que ao libertar 

O meu olhar
Dos grilhões súbitos 

Das minhas pálpebras,
Percebo mesmo
Com que propósito
- Além? - Aquém? -


Meu coração 

Quer que eu fique 
Desperto, à espera,
À tua espera...
E, pela vítrea 

Janela, vejo 
Que vens, - és quem? -
Sem qualquer pressa.