domingo, 29 de junho de 2014

Adriano Nunes: "Ponto final"

"Ponto final"


Eu não sei o que fazer
Para de vez esquecer-te.
Já tentei de tudo, juro,
Prece,
Praga,
Prenda,
Papo,
Prosa,
Pacto,
Pinga,
Pulo da ponte,
Do prédio,
Do porto,
Infalíveis manobras,
Macetes,
Partir para
Qualquer ponto,
Ser mesmo a todo custo
Um outro,
Dar-me como um louco
A um possível amor novo,
Mas parece, olha,
Que foi pouco.
Nada saiu como eu queria.
Agora me resta,
Exorcizar-te, com arte,
E, quem sabe, com ritmo,
Para, no mínimo,
Num passe de mágica,
De ti libertar-me,
Antes que seja tarde,
Ó melancolia!



sábado, 28 de junho de 2014

Adriano Nunes: "Sempre pra tudo ou nada"

"Sempre pra tudo ou nada"



Confesso, mesmo
Comigo decepcionado,
Que eu tentei, tentei.
Os romances com os romances
Eram só um rompante,
Apesar de inebriantes.
Os livros de filosofia me pesavam, 
Enquanto a cerca meu eu pulava.
E, assim, sentindo-se traídos, ficavam,
No canto da estante, empoeirados.
Em que pensavam?
Que plano ou sistema arquitetavam?
Ah, a poesia! Ah, a poesia! -
O primeiro amor,
O que nunca passou.
Quantos versos a ela dedicados,
Quantos rascunhos, rabiscos,
Rasuras, registros inacabados!
Tudo por ela.
Tão somente por ela.
E ela só me queria quando não
Havia como, no ônibus
Sem papel ou lápis,
Na sauna de massagens,
Na rua, ante a multidão,
No sono, nas festas, na sala de aula,
Sempre pra tudo ou nada.
Queria que lhe desse
A minha palavra.
E como lhe dei,
Ao máximo! Mas eis
Que o meu melhor companheiro,
O que me tem à loucura levado,
Mesmo que a mim não se entregue
Por inteiro,
É o próprio vernáculo!





sexta-feira, 27 de junho de 2014

Adriano Nunes: "Dos desencontros prontos da paixão"

"Dos desencontros prontos da paixão"



Pra que te prometer meu coração,
Se ele está tão gasto pela dúvida? 
Mas vale dar-te a noite, sem grã culpa,
Os astros e o almejar da imensidão

Que se abrigam no olhar que o amor procura. 
Pra que te prometer outra ilusão, 
Se ela não é mesmo a tentação
Que se quer e que muito a nós dois custa?

Pra que te prometer tanta emoção
Se sequer na novela das dez nunca
Vimos uma assim, densa, doida, abrupta,
Se os papéis não se invertem e vãos são?

Para que te enganar com as desculpas
Dos desencontros prontos da paixão?

Adriano Nunes: "A palavra que sopra"

"A palavra que sopra"



Adoro respirar,
Sentir o ar fluir
Pela boca e narinas,
A vida tida infinda,
Poder cantar, dizer
O quanto de amor vinga
Em cada verso dito.
As árvores! As árvores! 
Os oceanos tantos!
A palavra que sopra
O bálsamo, o prazer
De haver o amanhã, porta
Aberta para o riso,
Para um sussurro, um ai,
Um pranto, um grito, um beijo.
Oxigena-me ó oxímoro,
Dá-me fôlego ó metro,
Ar poético almejo!

Adriano Nunes: "Vinga o amor com o seu motivo"

"Vinga o amor com o seu motivo"


Madrugada. Talvez ainda
Reste alguma esperança infinda
Pra levar-me ao alívio preciso,
Pra em minha face pôr um riso
Nítido, prova de que vivo
Vinga o amor com o seu motivo.
Que amalgamo em minhas retinas?
Ó solidão, que bem me ensinas?
Ó ilusão, que almejo de ti?
Por que à angústia não resisti?
Tudo ou nada... Quer o infinito
Do que me sinto vir ao escrito,
Pra iluminar a minha lida.
Ó vez, como tê-la assistida?

terça-feira, 24 de junho de 2014

Adriano Nunes: "quimeras e riscos"

"Quimeras e riscos"



A infância era ser
Menino invisível, 
Menino biônico,
Quatro quarteirões
E um osso quebrado.

Não havia medo,
Somente o desejo
De ser. E eu era
Um pirata, um náufrago
Sobre o antigo mapa.

O sol do sertão
Quanto me abrigava!
Existira em mim
A felicidade,
Não essa migalha

De riso contido.
Nunca almejei outro
Céu senão o de
Giz da amarelinha,
A inocência minha.

Meu mar imponente,
O Velho Francisco,
As praças, o Bráulio,
O Ginásio, o asfalto
Em brasa, as manhãs

Na feira, à procura
De coquinhos e
Muitas sementes
De mucunãs, para
Brincar bem à porta,

Eu e minha irmã.
Era tudo um jogo
Para o alto, um rito,
Um desinteresse
De louros e leis.

Desfeito de mim,
Forte me amalgamo
Na memória, ao tanto
De vestígio e sombras
Que me emocionam.

As idas a pé
Às entranhas do
Parujé, às brenhas
Da lagoa, atrás
Das aves nos ninhos,

Pra criar em casa,
Com arroz moído
E papa no bico.
Quimeras e riscos
Até quase os cinco.

Depois, o contato
inaugural com
A palavra, o íntimo.
A grã descoberta
De ser um poeta.





segunda-feira, 23 de junho de 2014

Adriano Nunes: "Sufficit"

"Sufficit" 



É sim, o verso quer sim
Nova ilusão, não só não
A lida lesada e o peso
Da salvação, todo o efeito
Do tédio no coração. 

É sim, o verso quer sim
Vasta invenção, não só não
A vida invejada e o preço
Da solidão, tudo feito
De tempo e prorrogação.

É sim, o verso quer sim
Outra canção, não só não
A dita arbitrária e o prelo
Da solução, em proveito
Do telos e da ambição.

Adriano Nunes: "O que o amor me concede"

"O que o amor me concede"



Atravessa-me a noite. Aos livros rente,
Procuro desvendar-me.
Que em mim soou o alarme
Pra avisar-me da lida, de repente? 

Lanço-me à folha, ao lápis. Posso dar-me
À linguagem, contente.
Sinto-a, e ela me sente:
O infinito a engendrar-nos, o desarme.

Ó ilusão ululante,
São onze horas quase, e Erato cede
Aos apelos do amante

De canto doce e de-
Terminado. Que em versos eu bem cante
O que o amor me concede!

domingo, 22 de junho de 2014

Adriano Nunes: "Os quânticos faróis do que pensar"

"Os quânticos faróis do que pensar"


Entre sonhos a noite mais se inflama.
Resta o risco de estar
À vista de um olhar,
A presença que calha

Mesmo aqui sem estar.
A rua acesa arde
Por fogueiras tomada, rente às casas,
Faíscas fazem flâmulas

Das alegrias várias,
A vida a se cantar, a decantar-se
Porque do amor se vale:

Os quânticos faróis do que pensar,
Ante a contemplação
De haver o São João.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Adriano Nunes: "Que se anuncia co' o nome de amor" - para Antonio Carlos Secchin

"Que se anuncia co' o nome de amor" - para Antonio Carlos Secchin



Ainda agora me agarra um poema 
Pelas orelhas. Talvez seja ele
Que esteja, subitamente, surgindo
Sobre a anêmica folha, sobre o ouro

Alvo da imensidão enquanto tento
Decifrar quem me peso, penso e sinto,
No labirinto de detalhes mínimos
Que se anuncia co' o nome de amor.

O gesto ágil e louco do lápis
A amalgamar proezas e sentidos...
Por que se faz viva a vontade de ser
Verso, qualquer verso, ou só mesmo um verso,

Como antídoto ou veneno, pra vida
Que vinga, entre prazer, perda e tédio?

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Adriano Nunes: "Só"

"Só"


ver so
sol que se dis sol
ve


so bre o al vo
tes
ouro

um ad as form as
mi mé ti cas
do a mor,

o seu
sua ve can to

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Adriano Nunes: "Que envolve o que escrevo"

"Que envolve o que escrevo"



Pronto. Chegaremos
A um acordo, creio 
Eu. Dar-te-ei o meu
Coração pequeno, 
Sem qualquer receio,

Com intacto selo
De ingênuo ser mesmo,
Um coração bem
Prestes a ser pétala
Atirada além

Da calçada, alerta
A atiçar desejos
Estéticos, sério.
Perfeito. Tomemos
Logo a dianteira,

E as cartas à mesa
Ponhamos. Que resta
Do olhar que nos preza,
Numa hora dessas?
Que ao espelho interessa?

Proezas? São sete
Horas e sequer
Dilacero o tédio
Que envolve o que escrevo.
Tanto amor que quer?

terça-feira, 17 de junho de 2014

Adriano Nunes: "Só o tempo a passar"

"Só o tempo a passar"



Pode machucar o meu coração, 
Dilacerá-lo, triturá-lo,
Pedaço por pedaço. 
O amor, bem sei, quando vem
Não é em vão, 
Pode até ser mesmo
O contrário do que é esperado, 
O amor é mágico, 
O amor é trágico,
É fato. Só o tempo a passar
É tão comportado.

Pode maltratar o meu peito então.
Os dragões da insegurança
Foram-se. Os medos
Do além-amar já
Não me alcançam.
Fragmento por fragmento,
Batida por batida,
O meu coração está disposto
A provar do gosto
Da desilusão incontida,
Pode soltar a sua gargalhada

De conquista e império.
Servo dos meus desejos,
Aceito, contente, o que quero.
Parte por parte,
Ritmo por ritmo,
Do nervo à carne que arde,
O meu coração
O impacto acata,
Não se importa mais com nada.
Pode alardear sua vitória,
Obter seus louros agora.

Fibra por fibra,
Frequência por frequência,
Contra toda a expectativa,
Meu coração se dá
Por dominado.
Que interessa o desabrochar
Das rosas, o sonhar a pino,
Outra tentação surgindo,
A flauta de Pã,
O amanhã,
A lira de Erato?




sexta-feira, 13 de junho de 2014

Adriano Nunes: "E ver que a vida avança"

"E ver que a vida avança"



Pra pôr à prova o peito,
Pancada por pancada,
Proponho a ti, amada
Paciência, o que feito
Tenho para, do nada,
Obter o par perfeito. 

Que importa algum defeito
Se a afeição reformada
Pode até ser? Prazer
É ter o que me alcança
Muito além da lembrança,
Uns versos a fazer

Pra não me desfazer,
E ver que a vida avança.

sábado, 7 de junho de 2014

Adriano Nunes: "O que co' amor escrevo agora" - Para a minha mãe

"O que co' amor escrevo agora" - Para a minha mãe



Aconchega-se o dia em mim.
Tudo é saber-te, ó mãe, manhã. 
E sinto-te. E canto-te em lírica
Alegria, pra eternizar-te
Em meu âmago, em minha arte.
Mas a arte da qual se vale
O meu coração não se finca
No que se pretende só ser.
Procuro, apressado, um jardim
Florido. Não há. Não desisto.
E transformo, em folhas e pétalas,
Cada palavra que me atesta,
O bailar do lápis, e em rosas,
O que co' amor escrevo agora.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Adriano Nunes: "A dinâmica perfeita"

"A dinâmica perfeita" 



Quando se finca
No ato a cabeça, 
O desejo quer mais
E mais e mais ainda,
O gosto,
O suor,
O olhar que já
Não é mais só, 
A desesperada hora,
O corpo todo,
Os gemidos,
Os sussurros fortuitos,
Os ais,
A dinâmica perfeita
Do gozo, 
O jorro,
A metáfora
Que aflora. 

Pois bem:
Debruçado no catre,
O poeta tece a
Sua arte,
Entregue ao lápis
E à folha virgem,
Segue, além,
Do que se sabe,
Íntimo, 
Convulso, 
Contente, 
Dado a regras e impulsos,
Finge que finge,
E penetra fundo
Na linguagem -
Quântica viagem -
Para engendrar - quem o sente? -
Mundos múltiplos.




terça-feira, 3 de junho de 2014

Adriano Nunes: "Entre as dores que me atestam"

"Entre as dores que me atestam"



É preciso estar desperto
Para o tempo
Ilhado do alheamento.
Que perigo ronda, perto,
O que quero!
Só um verso! Só um verso!
Entre as dores que me atestam
Ser quem sou, apenas esta
Em mim pede
Ao que lhe
Mais interessa
Para ser (ou pra ser breve?)
Quem a escreve.
É preciso estar atento
Para o que
Vinga adentro.
Eis a regra: ser poeta!
Que perigo sonda, vejo,
O desejo:
Só um verso (será um beijo?)
Contra o tédio!