"Este poema não era para esta noite"
Este poema não era para esta noite.
Entretanto, por causa de insólito instante
De incerteza em que me vi sozinho, sozinho,
A friamente desafiar o meu íntimo,
Desvencilhando-me de memórias e amores,
Desvendando que não desvendo mesmo nada,
Que quem me penso e sinto é sim uma furada,
Resolvi dá-lo a mim, agora, nesta noite
Quando parar parecem as reativas horas,
Quando o peito aperta e a existência, à espreita, pesa.
Um poema qualquer, sem qualquer pretensão.
Um poema a correr o risco de até não
Ser. Mas por que será que o seu campo magnético
Assalta-me, cerca-me, sonda-me e disseca-me?
Que pretende co' a sua desmedida métrica,
Com estas palavras repetidas e gastas?
Que conchavo arquiteta com a folha em branco,
À socapa, enquanto incapaz sou d'uma anáfora?
Este poema não era para esta noite:
É que me encontro triste demais e não quero
Impregnar nenhum verso meu com um eu lírico
Decadente e mesquinho, ritmado e romântico.
Um poema é sempre uma alegria, um playground,
Um circo, um bilhete quente de loteria,
A descoberta da fonte da juventude.
É, este poema não era pr' esta noite,
Todavia, não irei guardá-lo, rasgá-lo
Nem dedicá-lo a ninguém. E não vou moldá-lo
À primeira sinapse voraz. Que voz tem
À tez do discernimento? Estou pronto. Aceito-o.
Viva! Mas... Quando haverá de ser sua vez?
Que dor! Que dor! Este poema é um diabinho.
Bem qu' eu poderia queimá-lo e não ouvir
Os seus gemidos ou sua satisfação
Para com isso. Este poema não é
Que me trouxe uma inviolável felicidade!
Nenhum comentário:
Postar um comentário