terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Paul Verlaine: "Sagesse II - I"

"Sensatez II - I" (Tradução de Adriano Nunes)


Ó meu Deus, tens-me ferido de amor,
E a ferida está ainda vibrante,´
Ó meu Deus, tens-me ferido de amor.

Ó meu Deus, teu receio me queimou
E a queimadura a gritar permanece,
Ó meu Deus, teu receio me queimou.

Ó meu Deus, eu soube que tudo é vil
E em mim a tua glória se instalou,
Ó meu Deus, eu soube que tudo é vil.

Afoga-me o ser co' ondas de teu vinho.
Mescla minha vida ao pão de teu prato,
Afoga-me o ser co' ondas de teu vinho.

Eis o meu sangue que não derramei,
Eis minha carne indigna de sofrer,
Eis o meu sangue que não derramei.

Eis minha fronte somente corada,
Pra o banquinho de teus pés adoráveis,
Eis minha fronte somente corada.

Eis as minhas mãos que não trabalharam,
Pra os ardentes carvões e o incenso raro,
Eis as minhas mãos que não trabalharam.

Eis meu coração que bateu em vão,
Pra palpitar nas sarças do Calvário,
Eis meu coração que bateu em vão.

Eis os meus pés, frívolos viajantes,
Pra ceder aos gritos de tua graça,
Eis os meus pés, frívolos viajantes.

Eis minha voz, rumor falso e irritante,
Para as reprovações da Penitência,
Eis minha voz, rumor falso e irritante.

Eis meus olhos, luminárias de erro,
Pra apagarem-se nos prantos da prece,
Eis meus olhos, luminárias de erro.

Ai, Tu, Deus do perdão e da oferenda,
Qual é o poço de minha ingratidão,
Ai, Tu, Deus do perdão e da oferenda.

Deus do terror e Deus da santidade,
Ai, o negrume abismo de meu crime,
Deus do terror e Deus da santidade.

Tu, Deus da paz, gozo e felicidade,
Meus temores e minhas ignorâncias,
Tu, Deus da paz, gozo e felicidade.

Já conheces tudo isso, já o conheces,
E que mais pobre que os demais eu sou,
Já conheces tudo isso, já o conheces,

Porém, meu Deus, o que tenho te dou.




Paul Verlaine: "Sagesse II - I"



Ô mon Dieu, vous m'avez blessé d'amour
Et la blessure est encore vibrante,
Ô mon Dieu, vous m'avez blessé d'amour.

Ô mon Dieu, votre crainte m'a frappé
Et la brûlure est encor là qui tonne,
Ô mon Dieu, votre crainte m'a frappé.

Ô mon Dieu, j'ai connu que tout est vil
Et votre gloire en moi s'est installée,
Ô mon Dieu, j'ai connu que tout est vil.

Noyez mon âme aux flots de votre Vin,
Fondez ma vie au Pain de votre table,
Noyez mon âme aux flots de votre Vin.

Voici mon sang que je n'ai pas versé,
Voici ma chair indigne de souffrance,
Voici mon sang que je n'ai pas versé.

Voici mon front qui n'a pu que rougir,
Pour l'escabeau de vos pieds adorables,
Voici mon front qui n'a pu que rougir.

Voici mes mains qui n'ont pas travaillé,
Pour les charbons ardents et l'encens rare,
Voici mes mains qui n'ont pas travaillé.

Voici mon coeur qui n'a battu qu'en vain,
Pour palpiter aux ronces du Calvaire,
Voici mon coeur qui n'a battu qu'en vain.

Voici mes pieds, frivoles voyageurs,
Pour accourir au cri de votre grâce,
Voici mes pieds, frivoles voyageurs.

Voici ma voix, bruit maussade et menteur,
Pour les reproches de la Pénitence,
Voici ma voix, bruit maussade et menteur.

Voici mes yeux, luminaires d'erreur,
Pour être éteints aux pleurs de la prière,
Voici mes yeux, luminaires d'erreur.

Hélas ! Vous, Dieu d'offrande et de pardon,
Quel est le puits de mon ingratitude,
Hélas ! Vous, Dieu d'offrande et de pardon,

Dieu de terreur et Dieu de sainteté,
Hélas ! ce noir abîme de mon crime,
Dieu de terreur et Dieu de sainteté,

Vous, Dieu de paix, de joie et de bonheur,
Toutes mes peurs, toutes mes ignorances,
Vous, Dieu de paix, de joie et de bonheur,

Vous connaissez tout cela, tout cela,
Et que je suis plus pauvre que personne,
Vous connaissez tout cela, tout cela,

Mais ce que j'ai, mon Dieu, je vous le donne.




VERLAINE, Paul. "Sagesse". "Oeuvres complètes". Paris: Librairie Léon Vanier, Éditeur, Quatrième Édition, 1908.

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