sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Adriano Nunes: "As torres de Alatarbuch" - Para Joca Libânio

"As torres de Alatarbuch" - Para Joca Libânio



Caminhamos sem uma direção. Talvez, responda-me o leitor que para a morte seja incontesti. Não sabemos bem. Com Sócrates, dizemos: nada sabemos. Mas o deserto escaldante e insólito nos confirma que seguimos. Ou para frente. Ou para trás. Ou em círculos contínuos. Seguimos sem suspeitar de que somos seguidos. Atrás, a massa acéfala nos acompanha. Deixe-me apresentar, porque também não tenho muito tempo de conversa, de conversar contigo, leitor desatento, pois a jornada parece que será longa, mesmo que o conto termine daqui a poucas linhas. Chamo-me Yamaderzine. Sou líder dessa tribo de nômades. Tenho onze filhos e três esposas. Seguem-me os que creem em mim. Os que ainda têm alguma esperança trancafiada em suas aljavas imundas. Creem em mim aqueles que já não têm esperanças e depositam nesse percurso tudo o que imaginam que têm. Prometi-lhes que os levaria para a grande felicidade. Eles estão felizes por saber que podem chegar à grande felicidade. Porém eu nunca lhes disse o que era bem a grande felicidade porque eu também não sei o que é essa grande felicidade.Contentamo-nos em seguir sem saber o que é a grande felicidade.Será o deserto a grande felicidade? Será o seguir roboticamente a grande felicidade? Será o nada? Seguimos sem mais questionamentos. Estamos a seguir já no décimo primeiro dia. Pronto. Apresentei-me. Deixo-os com o narrador. Ele é que deve saber de algo que nos possa explicar. Ou confundir-nos melhor. Fugindo da culpa de serem quem são, persistem em seguir os nômades de Tarkesh-Wizayd. Tarkesh-Wizayd já fora a capital do mundo inteligível. Hoje a barbárie toma conta de tudo que há entre os seus muros de pedra e obviedades sanguinolentas. Parece que depois de certas épocas, as cidades vão crescendo, crescendo, crescendo e tudo é igual à massa de pão quando não tem mais para onde expandir-se. Seca e apodrece. Assim, vejam bem curiosos leitores, Tarkesh-Wizayd cresceu demais. E crescer demais também é um deserto. Esse é o deserto. Tarkesh-Wizayd tem lá os seus nômades diários que vivem a percorrer vias convulsas de trânsito, ruas sujas e deselegantes, becos sórdidos, grotescos à espera de vítimas. Todos estão em Tarkesh-Wizayd. Eu e você. E os seguidores cegos de Yamaderzine. Para ele e os seus, os que lhes são diferentes não devem ter nenhuma consideração, nenhum respeito ou valor. Yamaderzine coordena as explosões. Ontem foi uma escola de crianças nos arredores de Sanzazvik. Hoje planejam explodir o metrô. Tudo está seguindo conforme planejaram. Alguns estão dispresos entre os do povo comum. Outros estão preparando as questões necessárias, os pontos pragmáticos do que vale um dia de sol intolerante e muito quente. O metrô fica em frente às torres de Alatarbuch. Dez para as dez. As torres parecem agora chaminés devido à fumaça. Estranho. Yamaderzine não sorriu. Parece que, mesmo estando só destroços e carne queimada em seu campo de visão, ele não pôde capturar a grande felicidade. Imaginou que ela fugira no último trem da estação do metrô antes da explosão. Não. Ele pensou seriamente que ela estaria em algum avião, no aeroporto central. Ou em outro lugar mais diferente, mais humano, mais liberto. Yamaderzine não é tolo.



Adriano Nunes

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