terça-feira, 25 de outubro de 2011

Adriano Nunes: "As quimeras quânticas ainda não"

‎"As quimeras quânticas ainda não"




Eu não sou domesticado
Por vis vírgulas ou margens,
Parênteses ou parágrafos.
Sequer por pontos finais.
Eu sou do clã dos sentidos 

Sortidos. Por que entregar-me
- Cabeça, existência, carne -
Numa bandeja de dígitos,
Lançar-me, intacto, aos dragões
Dos artigos articulados
Do íntimo coletivo?
Não vou deixar que me levem
Ao tédio, ao que em mim não quero.


É sério: mais dores surgem, 

Em série, súbitas, feito 
Anáforas duplicadas
Na página da minh' alma.
O sol deve estar sorrindo, 

Onde a vida não precisa 
De marca d'água, de código 
De segurança, de folha 
De ponto, de despropósito,
Das tais tarifas de embarque,
De selo óptico, anais
De sentenças pré-sinápticas,
De somas que dão em nada.

Tristeza? Talvez, ferrugem,
Fúria ou solidão em fuga.
Todas as quimeras quânticas 

Não conseguiram romper 
Do meu coração as fibras.
A ficção da infinitude 

Fixou-se firme em meu flerte.
Jamais se deve temer
O estado acrítico, apático,
Dessa Crítica cocote,

Que vive a correr atrás
De modas e mídia e motes.
Ou não se pode ser Sísifo?


Ontem visitei as Górgonas,
Antes de chegar Perseu.
Medusa era o silêncio 

De silício a desfazer 
A miragem de haver tempo.
Não demorei muito não.
A verdade bem me deve
Um certo acerto de contas...
Aquelas tardes em pranto,
Aqueles túneis sem luz,
Os brinquedos nas vitrines,
Todos os medos insólitos,
Embaraços e desculpas,


Num repetir esperado:
 - Eu não sou domesticado
Por vis vírgulas ou margens,
Parênteses ou parágrafos. -

Mas como não me lançar
À vida através do vão
Da janela e ver o dia
Assumindo a dimensão 

Do agora? Os rascunhos têm 
O mundo sem um enfeite.
Eu não quero mais contar 

Até dez, para que a Arte
Ajeite-se e desencalhe.




Um comentário:

Ana Tapadas disse...

Grande poema, amigo. Forte inspiração.

(Continuo a gostar de te ler aqui, sempre).

bjs