"As quimeras quânticas ainda não"
Eu não sou domesticado
Por vis vírgulas ou margens,
Parênteses ou parágrafos.
Sequer por pontos finais.
Eu sou do clã dos sentidos
Sortidos. Por que entregar-me
- Cabeça, existência, carne -
Numa bandeja de dígitos,
Lançar-me, intacto, aos dragões
Dos artigos articulados
Do íntimo coletivo?
Não vou deixar que me levem
Ao tédio, ao que em mim não quero.
É sério: mais dores surgem,
Em série, súbitas, feito
Anáforas duplicadas
Na página da minh' alma.
O sol deve estar sorrindo,
Onde a vida não precisa
De marca d'água, de código
De segurança, de folha
De ponto, de despropósito,
Das tais tarifas de embarque,
De selo óptico, anais
De sentenças pré-sinápticas,
De somas que dão em nada.
Tristeza? Talvez, ferrugem,
Fúria ou solidão em fuga.
Todas as quimeras quânticas
Não conseguiram romper
Do meu coração as fibras.
A ficção da infinitude
Fixou-se firme em meu flerte.
Jamais se deve temer
O estado acrítico, apático,
Dessa Crítica cocote,
Que vive a correr atrás
De modas e mídia e motes.
Ou não se pode ser Sísifo?
Ontem visitei as Górgonas,
Antes de chegar Perseu.
Medusa era o silêncio
De silício a desfazer
A miragem de haver tempo.
Não demorei muito não.
A verdade bem me deve
Um certo acerto de contas...
Aquelas tardes em pranto,
Aqueles túneis sem luz,
Os brinquedos nas vitrines,
Todos os medos insólitos,
Embaraços e desculpas,
Num repetir esperado:
- Eu não sou domesticado
Por vis vírgulas ou margens,
Parênteses ou parágrafos. -
Mas como não me lançar
À vida através do vão
Da janela e ver o dia
Assumindo a dimensão
Do agora? Os rascunhos têm
O mundo sem um enfeite.
Eu não quero mais contar
Até dez, para que a Arte
Ajeite-se e desencalhe.
Um comentário:
Grande poema, amigo. Forte inspiração.
(Continuo a gostar de te ler aqui, sempre).
bjs
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