"A palavra-pólvora" - Para Bia Dias
Outra noite tensa.
Eu não sei se quero o dia por vir
Nem se me amalgamo no itinerário
Corrosivo do silêncio, nos vínculos
Íntimos em que estou imerso, enquanto
Tudo é incêndio, ali, naquela praça,
Naquela rua rota e iluminada,
Naquela esquina, ponto de parada
Das tímidas meninas de raríssima
Conversa cujos sonhos, dissolvidos,
Um a um, em véus, engendram a esperança
De que densa alegria surgirá,
Para a vida, as grãs sombras noturnas,
Minha expectativa,
Fragmentos do âmago
Dessa Poesia.
Outra solidão
Pensa-me. Outro livro em mim relido.
O papel em branco pesa-me. Sinto-o.
Vou à janela. Quem está por dentro?
Arrisco olhar para aquele rapaz
Do lado mais longínquo da avenida,
À procura de vestígios, de sóis
Da vontade alheia.
As cores dos riscos
Em meu caderno de anotações, signos,
Não são mais as brincadeiras de quando
Eu era garoto,
Corre-corre, esconde-
Esconde, os saltimbancos, a pelada,
Cabra-cega, bola-de-gude, pega-
Pega, pipa, pião. Rasgam-me as regras.
Íris veio antes.
O vácuo fez-me lesiva visita,
Lançou-me sobre o breu em volta, sobre
Os retornos que sempre vingarão.
Ai, coração métrico!
Ai, coração repleto de infinitos
Conceitos, teorias, ficções, formas!
Ai, tumulto ululante de ter
Consciência! Abdicar das tantas taras
Dissonantes e das provocações
Metalinguísticas, como queria!
Perder o medo de ser quem me sinto,
Libertar as laringes de grafite,
Deixar ecoar
Os desassossegos!
O tempo é outro.
Bem será das rimas
E do ricos ritmos!
Sobre o que além finca-se,
A sináptica migalha do amor.
Erato adormece.
O verso não vem.
Insisto. O verso reveste-se de
Tédio. O que convém?
O instante raro me encarcera, traga-me,
Embriaga-me, envenena-me, seca-me.
Sei que não desejo a aurora encoberta
De clichês e vestes certas. Revela-se
A palavra-pólvora
Sem que sequer dar por ela eu possa.
Eis que tudo leva.
Nenhum comentário:
Postar um comentário