"Canto irreverente XI"
Eu canto o não-canto,
A vida sem volta,
O vestido velho
Das novas lembranças,
O canto das ditas,
O canto dos véus,
O canto dos mudos,
Dos muros, do caos
Escuro, do céu
Sem nuvem, sem Deus,
Canto a outra voz
Dos tantos assombros,
Os grilos, as grutas
Grávidas dos ecos,
Laringes de pedras,
Grilhões de traqueias,
Gargantas de vidro,
Provetas e pelves
De plástico, tubos
De ensaio de músculos,
Contrações e traumas,
Eu canto a babel,
Todos os projetos
Dos desiludidos,
Todas as cigarras,
Atritos e tédios,
Termômetros, trânsitos,
Greves, grades, grãos,
O rosa no azul,
O verde dos olhos,
Grandes precipícios,
Poemas rasgados,
Eu canto propósitos,
Promessas, retinas,
O silêncio em si,
As sombras, as preces,
Os bêbados bardos,
Os buracos negros,
Os sebos, os sonhos
Das iranianas,
A tristeza, as sombras
Na Faixa de Gaza,
Delícias, delírios,
Eu canto o infinito
Do verso, a beleza
Na vitrine, o luxo
Dos tapetes persas,
O nexo dos loucos,
O plexo dos nervos,
Medusas, sereias,
Travestis, mulatas,
As rotas, os jorros,
As cartas marcadas,
O medo dos homens,
Eu canto o vazio
Das almas, a luz
Dos bares, o som
Dos carros, a cor
Das aves, a voz
Dos rádios, a vez
Da televisão,
Todos os palhaços,
Todos os profetas,
Todos os profanos,
Todos os programas,
Eu canto o tormento,
O canto não-cântico,
O eterno retorno,
O cinema novo,
O amor sem ser medo,
O amor sem ser mofo,
O amor sem ser mudo,
O amor sem ser mídia,
O amor sem ser média,
O amor sem ser moda,
O amor sem ser merda,
Eu canto o lá fora,
O momento agora,
Passado, porvir,
Festas, funerais,
Passeios, paradas,
Pecados, perigos,
Os sextos sentidos,
Buda, Cristo, Alá,
Os livros, os discos,
Convites, conchavos,
Tropeços, estradas,
Eu canto mentiras,
Verdades, vontades,
Angústias, agostos,
Galeras, exílios,
Os quadros, os círculos,
Vênus e Vesúvios,
Quedas, saltos, vôos,
Pernas, braços, paus,
As vulvas, as vendas,
Vínculos e vícios,
Começos e fins,
Eu canto o que sou.
4 comentários:
Gostei em particular da sonoridade da segunda estrofe!
Beijinho
Que belo ritmo
que o meu amigo imprimiu
ao seu poema!
Forte abraço
Ana,
Que bom! Fico feliz!
Adriano Nunes.
Vieira,
Esse seu elogio ao meu poema é plenamente engradecedor, pois vindo de um grande poeta como você, eu só tenho que ficar honrado! Muito obrigado!
Abraço forte!
Adriano Nunes.
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