quarta-feira, 5 de julho de 2017

Adriano Nunes: "Eu não posso ir às tralhas dos sonhos"

"Eu não posso ir às tralhas dos sonhos"


Eu não posso ir às cinzas de Troia.
Sei que outros de mim há entre escombros
Que são mesmo a vida e a dor da cidade.
Do mar alto a fumaça me diz tudo.
Eu não posso ir às tralhas dos sonhos.
Cada gemido, cada grito têm-me
Inteiramente. Sou esta agonia
Desesperada de não saber o
Que acontece entre as chamas e as flechas.
Nossos deuses estão demais doentes.
Nossas fúrias estão atentas, bailam.
Ah, esta fumaça longínqua e fria!
Ah, este horror que é carne e tormento!
Não posso ir às mágoas de Troia.
Meus anseios de mar me agarram para
Que eu possa sentir o medo e a malícia
De saber que medo e malícia há
Entre as entranhas da manca esperança.
A esperança de Troia estar intacta!
Ah, por que me deste, como presente,
A ilusão da paz e do dia após?
Por que me incendiaste por beleza?
Do mar exausto, vejo o vasto fogo
Tomando conta do que era a praia,
O recanto, a fortaleza, um instante
De êxtase em existir. Para nada.
Cinzas e gritos, prantos, sangue e névoa.
Eu não posso ir às chagas de Troia.
Ao mofo cruel da memória, às lágrimas...
O meu coração vai-se arrebentar!

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