"A VOZ E O LUGAR"
Laringes de grafite, de Adriano Nunes. A laringe é um dos
esconderijos da voz, um lugar da enunciação e nomeação do mundo. E o grafite,
estampado no muro planetário, é o espaço que se abre à insubmissão, ao
protesto, à reivindicação utópica, ao bel
aujourd’hui mallarmeano.
Entre esses dois espaços, entre
esses dois mundos, o da voz ao mesmo tempo imemorial e cotidiana, ou enobrecida
pela arte poética, e destinada ao ouvido, e a voz imagística que, em todos os
lugares do mundo, é endereçada ao olhar, transita a poesia do alagoano Adriano Nunes.
Nela, duas inclinações se cotejam e dialogam; e os procedimentos canônicos
convivem com invenções já inventadas e ousadias já alcançadas pela pátina do aplauso
academizador.
Entre o passado que é presente e
o presente que já é passado Adriano Nunes se movimenta: irônico, zombeteiro,
desenvolto, comedidamente meigo, sensível às lições do espólio inumerável. Exibindo
louvável jogo de cintura – que é uma das seduções desta coletânea de versos
inaugurais – exibe a sua reflexão maliciosa, a sua habilidade irradiadora.
Embora procedente da República
das Alagoas, há nele um veemente selo emigratório. Há algo ou muito de paulista
ou paulistano – ou de carioca que segue na praia os passos do admirável Antonio Cícero.
Na sua capacidade assimiladora,
latejam tanto as experimentações já tornadas vetustas – como o letrismo, a desarticulação
verbal, o namoro da chamada poesia culta com a poesia dos compositores
populares – como o cultivo das formas veneráveis.
As influências ou afinidades indicam
a sua procedência, as águas que contribui para o seu rio pessoal. Aliás, no
poema “Confissão”, ele diz claramente de onde vem, embora não diga para onde
vai ou pretende ir.
Adriano Nunes rima e desrima.
Metrifica e desmetrifica. Brinca e desbrinca, finge gravidade, ciceroneia o
leitor nas paragens em que o soneto se dessonetiza e o famigerado verso livre
se espartilha, graceja num diapasão às vezes embalador. E lida com aspirações,
coisas etéreas, sentimentos, pensamentos. Há desvairados
ares em sua expressão poética – e, em contrapartida, uma falta de terra, de
natividade, de berço geográfico.
E, isolado neste livro de tantas
evanescências exprime a sua solidão um poema nativo, dedicado a outro poeta alagoano, que celebra em seus versos
os mangues da terra natal. Os caranguejos, goiamuns, peixes e demais habitantes
da manguelândia, lembrados por
Adriano Nunes, agradecem, sumamente honrados, a menção confortadora.
Lêdo Ivo
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