segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Lêdo Ivo: " A voz e o lugar"


"A VOZ E O LUGAR"


Laringes de grafite, de Adriano Nunes. A laringe é um dos esconderijos da voz, um lugar da enunciação e nomeação do mundo. E o grafite, estampado no muro planetário, é o espaço que se abre à insubmissão, ao protesto, à reivindicação utópica, ao bel aujourd’hui mallarmeano.

Entre esses dois espaços, entre esses dois mundos, o da voz ao mesmo tempo imemorial e cotidiana, ou enobrecida pela arte poética, e destinada ao ouvido, e a voz imagística que, em todos os lugares do mundo, é endereçada ao olhar, transita a poesia do alagoano Adriano Nunes. Nela, duas inclinações se cotejam e dialogam; e os procedimentos canônicos convivem com invenções já inventadas e ousadias já alcançadas pela pátina do aplauso academizador.

Entre o passado que é presente e o presente que já é passado Adriano Nunes se movimenta: irônico, zombeteiro, desenvolto, comedidamente meigo, sensível às lições do espólio inumerável. Exibindo louvável jogo de cintura – que é uma das seduções desta coletânea de versos inaugurais – exibe a sua reflexão maliciosa, a sua habilidade irradiadora.

Embora procedente da República das Alagoas, há nele um veemente selo emigratório. Há algo ou muito de paulista ou paulistano – ou de carioca que segue na praia os passos do admirável  Antonio Cícero.
Na sua capacidade assimiladora, latejam tanto as experimentações já tornadas vetustas – como o letrismo, a desarticulação verbal, o namoro da chamada poesia culta com a poesia dos compositores populares – como o cultivo das formas veneráveis.

As influências ou afinidades indicam a sua procedência, as águas que contribui para o seu rio pessoal. Aliás, no poema “Confissão”, ele diz claramente de onde vem, embora não diga para onde vai ou pretende ir.

Adriano Nunes rima e desrima. Metrifica e desmetrifica. Brinca e desbrinca, finge gravidade, ciceroneia o leitor nas paragens em que o soneto se dessonetiza e o famigerado verso livre se espartilha, graceja num diapasão às vezes embalador. E lida com aspirações, coisas etéreas, sentimentos, pensamentos. Há desvairados ares em sua expressão poética – e, em contrapartida, uma falta de terra, de natividade, de berço geográfico.

E, isolado neste livro de tantas evanescências exprime a sua solidão um poema nativo, dedicado a outro poeta alagoano, que celebra em seus versos os mangues da terra natal. Os caranguejos, goiamuns, peixes e demais habitantes da manguelândia, lembrados por Adriano Nunes, agradecem, sumamente honrados, a menção confortadora.


Lêdo Ivo

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