"Retrato-falado" - Para a minha mãe
Tantos palhaços no centro da praça,
Outrora. Eu era criança... Lembro-me
De que um grande circo ali se instalara,
Entre as batidas do meu coração.
Era a alegria imensa. Era festa
De primos e parentes e amiguinhos
Da minha rua. Era uma alegria e
Eu não sabia o que significava
Ter Alegrias. Ela nunca passa.
Ela finge que passa, passa. Pássaro
Pra longe voa. Por que pedra não
Canta? Que canto? Por que pedra não
Grita? Ela jamais responde nada.
Ela não me maltrata. Ela diz
Que quer mais. Ela sequer me arquiteta
De vez. A mesma vida vista. A vida.
A lida moldada em casa, pelos olhos
De minha mãe, por comedida graça.
Era portento preso ao coração.
A língua solta da empregada, aquela
Repleta de quimeras, de namoros
À porta. A vida era a porta, era
A janela, o sorriso dos rapazes,
Piscadela e flertes. Era o que era...
Cinderela, sempre à espera, mais real.
Banguela, sorrir ela não sabia,
E sorríamos por ela. Sorríamos
Tentando vê-la sorrir. Pressa tínhamos.
(Temo que em mim perceba que a tristeza
A impedir-me de ver com a leveza
Dela, a vida, sem dentes, sem sorriso,
Sem sua língua solta) Ela tinha
Planos e muitos retratos mofados
Guardados na gaveta do criado-
Mudo. (Que mundos havia em seu quarto?)
Ela sabia dizer 'I love you'.
Por enquanto, ela insiste em dizer
Que está cansada da velha batalha
Diária de panela e prato e pia.
Ela está cansada de tudo. Ela
Deu-se ao infinito, ao deus-dará, levando a
Vida no verso da vida do lar.
Ela é gigantesca. Ler Pessoa,
Camões, Padre Vieira. Vez ou outra
Arrisca-se e recita Homero e Horácio.
Ela vinga em mim. Nada é mesmo fácil.
Tantos palhaços no centro da praça...
Agora se desdobra o tudo ou nada.
3 comentários:
Ah nossas queridas mães1
Adorei.
Beijinho
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