quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Adriano Nunes: “Πηνελόπη” - para Péricles Cavalcanti

“Πηνελόπη” - para Péricles Cavalcanti


A insônia... Sempre ela,
Pela madrugada, a lançar-me
Nos arredores de Ἰθάκα, antes
Mesmo da chegada de Οδυσσεύς.
Sempre ela a atirar-me aos cães vorazes
Dos portentos do passar das horas.
Por onde perambula Μορφεύς?
Por que não me entrega àquele
Sonho que o porvir e o além revigora,
Sem dores ou culpas peremptórias?
Por que não me afaga o Λήθη?
Silêncio! Quem se aproxima, trôpego,
Do quarto de Πηνελόπη?
Quem ousa observar através das frestas
Da ilusão tudo que se passa, ali,
Entre os móveis e a astúcia humana?
Quem desafia Μῆτις?
Por que há um desfazer de bordados,
Uma pressa em desconstruir o feito,
A arte, o engenho mesmo? Por que há
Uma angústia dilacerante e risonha,
Por trás de cada fio que se solta e pende, livre, fio apenas,
Como se estivesse perdido o sentido
Enquanto tudo é alegremente desfeito?
Quem acaba de dar vez ao devir?
Quem ousa detectar, em silêncio, o ato
Calculado, por amor, por esperança,
Enquanto as Μοῖραι dão êxtase ao existir?

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