sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Adriano Nunes: "Angústia" - para a minha mãe

"Angústia" - para a minha mãe


Angústia. Esta palavra
Entre palavras que se lançam leves
À amplidão da página alva.
Esta palavra que diz do porvir,
Do que ainda não é,
Do que já fere, fermenta, maltrata.
Quase corpo. Quase âmago. Palavra.
Talvez, fosse um bálsamo
Sabê-la, desde logo.
Saída de algum absurdo báratro?
Talvez, fosse possível
Prevenir-me de minhas sinapses,
Dos seus assaltos de dor, dúvida e tormento.
Talvez, fosse necessário
Rasurá-la, sob as incógnitas dos desejos,
Do amanhã, do não haver nada.
Ah, mas ela surge, abrupta, no verso
Como se quisesse dizer que está presente,
Que tem força, táticas e estratégias exatas,
Que tem fôlego para fazer o peito ser sentido apertado,
Como se não houvesse outra coisa
A não ser sabê-la intacta, de fato.
Angústia. Tudo abraça átimos...
Quem, quem mesmo escapa
Da semântica inocente e fatal das áleas?
Angústia. Esta palavra
Entre signos, sons e detalhes
Da cada artefato da casa, do vácuo do quarto...
Talvez, revele as minhas tristezas estranhas,
As entranhas do que minto.
Talvez, dilacere a delicadeza, por instinto.
Palavra dada a labirintos de insônias,
Chás de hortelã, livros tantos, auroras flagradas.
À flor do que me basta, quem me sinto?

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